Canário fez história no Braga e lembra Perrichon: "Quando vejo o Paulinho falhar golos..."
Foi o primeiro guerreiro a erguer no Jamor o troféu pelo Braga, então uma equipa modesta que afastou águias e leões e proclamou a sua lei contra o V. Setúbal, na final.
Corpo do artigo
O Braga responde por imagem triunfal nos últimos anos, a era Salvador posicionou o clube na dianteira, com cheiro e sede de títulos e braços de alguns capitães a erguerem duas Taças de Portugal e duas Taças da Liga.
No Jamor, a história recente contemplou Alan e Esgaio com esse prazer sublime, mas também há um Braga muito anterior a este trajeto encantador. E numa viagem a 1966, data querida para o futebol português pela excelência do Mundial de Inglaterra, também aí mora um fascículo suculento nos arquivos dos minhotos, que foram ao Jamor celebrar a primeira conquista nacional, diante do V. Setúbal, após afastarem o poderoso Benfica de Eusébio, e o Sporting, campeão.
A radiosa felicidade de uma equipa desconhecida inundou o Minho, convocou uma receção estrondosa, na qual até nem esteve o capitão, o médio Carlos Canário, hoje com 78 anos, testemunho ainda do que foi um feito épico - os minhotos tinham subido um ano antes e tinham completado o campeonato no décimo lugar - que demorou 50 anos a ter uma réplica. "Era o capitão, apesar de ser o mais novo. Os mais antigos eram o Juvenal e o Zé Maria. Tinha sido votado por ter, imagino, um ascendente, por andar na faculdade a cursar Económicas. Joguei apenas duas épocas em Braga de 1964 a 1966, mas ficaram memórias sensacionais", expôs.
"O valor real da equipa foi o da Taça, também por conta de um treinador que nos ajudou bastante, o Rui Sim-Sim. Era nosso colega e assumiu a equipa após a saída do argentino José Valle. Modificou os métodos de trabalho, e foi ele quem fez o trajeto na Taça, os dois jogos com o Benfica e os três com o Sporting, foi preciso jogo de desempate na meia-final", recorda Canário. "Ainda me lembro bem dos jogos com o Benfica, fui eu que marquei o Coluna, ele era médio direito, eu esquerdo. Depois do 4-1 em casa foi um 3-1 na Luz, e tivemos de sofrer muito; a arbitragem empurrou-nos. Eu segurava muito bem a bola e queimei uns 10 minutos na bandeirola. Jogávamos limpinho, mas com nervo e alguns encontrões. O futebol era muito diferente", justifica.
"Antes era claro um penálti, os jornalistas escreviam que "jogador tal derrubou jogador xis". Hoje, basta tocar, há muitos mais penáltis. Eu, que era o cobrador, só marquei um nessa época", graceja o antigo médio, que tinha chegado a Braga, após subir a sénior no Sporting e jogar pelo Barreirense. "A final foi muito empolgante, o Estádio Nacional estava completamente cheio, e nós dividimos os adeptos com o Vitória, que estava muito mais próximo do Jamor. Era um adversário fortíssimo, que tinha Jaime Graça, Zé Maria e Jacinto João. Tinham-nos vencido por 8-1 duas semanas antes, na última jornada do campeonato. Mas conseguimos jogar taco a taco, tivemos mais oportunidades, a nossa defesa marcou muito bem e reduzimos o potencial do Vitória ao vigiar o Jaime Graça. Fomo-nos safando e tivemos o cheiro de golo do Perrichon, que era muitas vezes decisivo. Agora, quando vejo o Paulinho falhar golos, sempre digo que faz falta ao Sporting um Perrichon!"
Do Jamor para o quartel e logo para a Guiné
Ser capitão é, em qualquer contexto, um estatuto nobre, ter o ensejo da braçadeira simbolizar uma subida à tribuna do Estádio Nacional, é, certamente, um momento inolvidável, repleto de memórias e vaidades. "Foi marcante! Subi à tribuna e recebi a Taça do Américo Tomás, que era o presidente da República. Perguntou-me o que fazia, além de jogar, pois não concebiam que a malta só jogasse à bola. A profissionalização tinha começado nessa altura. Eu era um caso particular, ainda estava a cursar Económicas e o dinheiro do futebol é que me pagava a faculdade", lembra Canário, abatido pelo episódio que se seguiu à celebração no Jamor.
"O mais triste é que não fui a Braga para a receção, fiquei em Lisboa e fui integrado no quartel no dia seguinte à final da Taça. Como se escreveu na época: de capitão no Jamor a cadete em Mafra! E depois segui para a Guiné-Bissau, onde fiquei dois anos. Interrompi a minha carreira e quando voltei foi para jogar pelo Belenenses. Tive muita pena de não ter ido a Braga, sei que fizeram um cortejo de carros que começou em Famalicão e meteu mesmo muita gente. Todo o mundo gritava", recorda, rodeado de artigos da época, sem a sua desejada memória gráfica. "Não consegui a dispensa, tive-a apenas na quinta-feira na semana do jogo, porque essa semana já estava no quartel. Não foi grande jogatana da minha parte, não estava em forma", admite.
"Não há favorito!"
Canário é habitual em qualquer Sporting-Braga, em Alvalade, próximo de Salvador. Distribuiu elogios ao clube, o único pelo qual jogou no norte do país."Esta final não tem um favorito, porque o Braga já mostrou ter estofo para ganhar ao FC Porto, além de ser especialista a ganhar taças. Está cada vez mais próximo do nível dos grandes, ficou em terceiro e podia ter acabado em segundo. Melhorou bastante. Não há comparação possível, no meu tempo era um clube do final da tabela", esclarece, analisando as qualidades dos guerreiros: "Vejo o Braga como equipa de futebol apoiado com linhas juntas, nunca se sabe se o lateral é defesa ou extremo, é uma equipa moderna. A ascensão do Braga com este presidente, por todo o conhecimento revelado, e veja-se as contratações do Pizzi e Bruma, só vai acabar quando forem campeões. Não sei quando, mas vão ser! Perderam boa oportunidade esta época..."
Vereador e o discurso motivacional
De fita na mão, limpa poeira, carrega no botão. E desliza a memória por 1966, enunciando o que foi um trunfo psicológico: "Um vereador da Câmara de Braga pediu a palavra no balneário. Quis dizer, um a um, como éramos melhores do que os jogadores do Vitória. Até eu era melhor do que o Jaime Graça (na foto). O Vitória era amplamente favorito, tinha ganho duas taças, inclusive a última. Posso reconhecer que, nesse jogo, não fez tudo, achou que o jogo era fácil, talvez pelo 8-1 do campeonato. Nós corremos muito mais e o Fernando Vaz admitiu isso".
16475058