"Comecei com os rapazes e não me importava de sair cheia de sangue nos joelhos"
Mariana Campino, jogadora do Fiães, é treinada pelo pai, Paulo Campino. Desde muito cedo se apaixonou pelo futebol, venceu o preconceito e ainda tem muitos sonhos.
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Tem 19 anos e o sonho de jogar futebol. Mariana Campino começou a na Ovarense e passou de não convocada a capitã. Atualmente, está no Fiães e fez todos os jogos da fase inicial.
Quando é que percebeu a paixão pelo futebol?
-Desde pequenina que o meu brinquedo favorito é a bola e, por isso, os meus pais meteram-me no basquetebol. Contudo, na altura em que o meu irmão entrou para o futebol, eu gostei tanto que decidi experimentar também e bastou um único treino para, com seis anos, apaixonar-me pelo desporto.
Na Ovarense, teve a experiência de jogar com rapazes. Como é que foi essa fase?
-Comecei com os rapazes e mantive-me lá até aos 12 anos. Foi uma fase difícil, não só por na altura "não ser um desporto para meninas", como por ter começado a jogar no escalão acima do meu. Costumava entrar a dois ou três minutos do fim, quando o jogo já estava resolvido, ou nem era convocada. Contudo, como os capitães eram rotativos, chegou a minha vez, onde agarrei o meu lugar devido à minha raça. Não me importava sair cheia de sangue nos joelhos, importava sim o melhor da equipa. A partir daí fui sempre capitã nos rapazes, o que também foi difícil, pois para um grupo de rapazes era difícil ser "liderado" por uma menina.
Como é que se lida com o facto de não ser convocada?
-Era muito difícil. Sabia que me esforçava imenso, mas mesmo assim não conseguia atingir tecnicamente os rapazes. Tinha plena noção que eles estavam melhor do que eu, mas sabia que me esforçava o triplo. Quem me aturava eram os meus pais, pois chegava a casa a chorar e muitas das vezes nem comia. Treinava muito com o meu irmão ou sozinha para tentar evoluir tecnicamente, para conseguir chegar ao nível deles, mas foi algo em que enquanto joguei com eles não me consegui destacar.
E, por outro lado, que responsabilidade acrescida tem uma capitã?
-Eu enquanto capitã tentava ser o exemplo e contagiar todo o balneário. Aliás, é algo que atualmente, enquanto sub-capitã, também o faço. Tento contagiar a equipa dentro de campo, em termos de vontade, e fora em termos de união de grupo.
A defesa de 19 anos começou a carreira na Ovarense - onde esteve durante 12 anos -, seguiu-se o Valadares. Atualmente, Mariana Campino está no Fiães, na segunda época.
O facto de as mulheres começarem, maioritariamente, em equipas mistas, mostra que há um longo caminho pela frente?
-Sim, sem dúvida. Apesar de o futebol feminino ter evoluído nos últimos anos, ainda não está sequer perto do nível dos rapazes. E com isto quero referir-me não tanto a nós, jogadoras, mas sim a todas as instituições que colocam sempre primazia ao masculino e não nos deixam continuar a subir.
Acredita que a experiência na Ovarense foi a rampa de lançamento no futebol?
-Joguei na Ovarense quase 12 anos. A experiência do futebol misto foi ótima, mas a do feminino também. Realizei mais uns quantos sonhos, como por exemplo marcar 100 golos (entre juniores e seniores) numa única época e termos subido ao escalão máximo do futebol feminino, onde também fomos campeãs nacionais. Também foi na Ovarense que me estreei nas seleções. E sim, sinto que a minha experiência na Ovarense foi importantíssima desde os meus primeiros passos ao meu lançamento enquanto jogadora internacional.
Depois da Ovarense, seguiu-se o Valadares. Como é que foi essa passagem por Gaia?
- Foi espetacular. Estou muito grata ao Valadares pois, numa fase mais débil, onde deixar de jogar era opção, eles lutaram por mim e receberam-me da melhor forma possível. Foi só preciso uma semana para ganhar a titularidade na equipa da Liga BPI. Nesse ano, o mais marcante foi a presença na final da Taça de Portugal, onde apesar de termos perdido, honrámos muito a camisola e também concretizei mais um sonho.
Atualmente está no Fiães, onde realizou todos os jogos da fase inicial. Como é que descreve esta época?
- Temos uma equipa muito jovem, um pouco inexperiente, mas que zela muito o espírito de equipa. Começámos um pouco atribuladas, talvez porque para a maioria é a primeira vez numa liga destas. Contudo, não estamos apagadas e sinto que aos poucos estamos a mostrar o que valemos.
Em oito jogos, tem dois golos. Um deles contra o Valadares. Foi especial?
- Os golos são importantes para mim, mas como coletivo. Festejo qualquer golo nosso como se tivesse sido eu a marcar. O meu objetivo é o melhor da equipa.
No Fiães é treinada pelo pai, Paulo Campino. É uma experiência desafiante?
- Tentamos ambos levar o futebol mais a sério, agir como se ele não fosse mais do que meu treinador, tal como eu mais do que jogadora. E dentro de campo e no balneário conseguimos cumprir isso. Contudo, fora disso, somos os maiores críticos construtivos um do outro.