Paulo Bento foi demitido do Cruzeiro. Sérgio Vieira também, mas no América. Antes, já Argel trocara o Internacional pelo Figueirense, já para não falar da novela, no mês passado, da substituição de Dunga por Tite na seleção canarinha. No país pentacampeão mundial vive-se uma crise de treinadores. Faltam novidades e opções interessantes, e alguns clubes começam a recrutar no estrangeiro. Mas a pressão por resultados rápidos dificulta a integração.
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À 16ª jornada, o Campeonato Brasileiro de 2016 já já contabiliza sete treinadores demitidos: Paulo Bento (Cruzeiro), Sergio Vieira (América Mineiro), Argel (Internacional), Vinícius Eutrópio (Figueirense), Diego Aguirre (Atlético Mineiro), Givanildo Oliveira (América Mineiro) e Gilson Kleina (Coritiba). A lista ainda pode aumentar. Oswaldo de Oliveira tem estado pressionado, apesar de já ter conseguido tirar o Sport, do Recife, das quatro últimas posições da tabela. Na época passada, o número de demissões bateu o recorde: 32 trocas de comando em 38 jornadas.
O destaque ficou por conta de Doriva, ex-médio defensivo do FC Porto, que passou por três equipas diferentes (Vasco da Gama, Ponte Preta e São Paulo) e terminou a temporada no desemprego. Uma pesquisa feita pelo jornal mexicano "El Economista", de 2002 a 2014, e publicado em outubro de 2015, apontou que um treinador no Brasil dura em média quatro meses no cargo.
"Precisamos de uma legislação, o ideal seria um clube ter no máximo dois treinadores por época. Além disso, o clube só poderia contratar outro profissional assim que pagasse as dívidas ao antigo", sugeriu Gilson Kleina, ex-treinador do Coritiba, a O JOGO. Com a saída de Tite, que aceitou a seleção brasileira depois de um ano e seis meses no Corinthians, Roger Machado é o treinador profissional com mais tempo num clube da elite brasileira. Ele lidera o Grêmio desde maio do ano passado (ver top-3 em baixo)
Muita pressão por resultados e desorganização
O futebol brasileiro está a viver algo raro e até certo ponto estranho. Flamengo e Corinthians, os clubes que mais adeptos têm no país, estiveram sem treinador no mês. O primeiro esteve órfão de Muricy Ramalho, que deixou o cargo por questões de saúde, enquanto o segundo não conseguiu convencer Tite a rejeitar o convite para assumir a contestada e conturbada seleção do Brasil. Perdas justificáveis, é verdade.
O maior problema está na busca por substitutos. No caso do Flamengo e do Corinthians, Zé Ricardo e Cristóvão Borges assumiram o comando após tempos de indefinição, mas faltam novidades e opções interessantes na terra do futebol pentacampeão mundial, até por isso muitos dirigentes têm olhado cada vez mais para o estrangeiro. Porém, com a saídas de Paulo Bento e Sérgio Vieira, o Campeonato Brasileiro ficou com apenas um treinador internacional: São Paulo (o argentino Edgardo Bauza).
O número poderia aumentar se a pressão por resultados imediatos fosse controlada. "Qualquer treinador no Brasil vive uma enorme pressão, uma pressão por resultados acima do normal. E tudo isso sem tempo para treinar e trabalhar. A adaptação não é fácil, porque não podemos colocar em prática a nossa cultura sem antes entender o contexto de onde estamos. Mas a troca de experiências é interessante, o intercâmbio é positivo", afirmou Sérgio Vieira, a O JOGO.
"Nas últimas duas décadas, o Brasil fechou-se em relação a treinadores, tivemos pouquíssimas experiências com profissionais de outros países. A abertura que está a acontecer agora gera uma inquietação. Os treinadores de fora trazem formas diferentes de organizar o treino, de planear a temporada, de montar o plantel, de gerir o grupo... Isso é enriquecedor. Jogadores, dirigentes e jornalistas brasileiros têm a oportunidade de incorporar culturas diferentes. O Paulo Bento, que é um treinador internacional de ponta, já tem mostrado isso", completou Thiago Scuro, diretor de futebol do Cruzeiro, a O JOGO, antes da decisão que foi conhecida esta segunda-feira.
Mas de que adianta desejar estrangeiros tendo em conta a desorganização no futebol brasileiro? Calendário inchado, direções amadoras, pressão interna e falta de fairplay financeiro assustam. O português André Villas-Boas e o argentino Jorge Sampaoli, por exemplo, já declararam por diversas vezes que, apesar da admiração, jamais trabalhariam, neste momento, no Brasil.
Tite por Dunga: correção de erro antigo
Tite substituiu Dunga como selecionador do Brasil no mês passado e com "dois anos de atraso". O agora ex-treinador do Corinthians já era a escolha, por unanimidade, entre os adeptos, logo após a saída de Luiz Felipe Scolari, responsável por comandar a seleção brasileira na vexatória derrota por 7-1 frente à Alemanha, na meia-final do Mundial de 2014. Na ocasião, a força dos adeptos não adiantou. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) optou por Dunga.
Dunga, importa recordar, foi demitido da mesma seleção brasileira em 2010, depois de fracassar no Mundial da África do Sul. De volta ao cargo, ele dececionou mais uma vez: duas eliminações (nos quartos de Final da Copa América de 2015 e na fase de grupos da Copa América de 2016) e uma inexpressiva sexta posição no Apuramento para o Mundial de 2018 (com duas vitórias, três empates e uma derrota).
Agora, com Tite à frente, a seleção talvez recupere e afaste a possibilidade de, pela primeira vez na história, ficar de fora de um Mundial. O novo treinador chegou respaldado por seis títulos importantes em cinco anos, contando a pausa na carreira em 2014: Campeonato Paulista (2013), Campeonato Brasileiro (2011 e 2015), Taça Libertadores (2012), Recopa Sul-Americana (2013) e Mundial de Clubes (2012).
TOP 3 - Técnicos com mais tempo de trabalho na elite do Brasil
1 - Roger Machado (Grêmio) - 1 ano e 3 meses
2 - Vagner Mancinci (Vitória) - 1 ano e 3 meses
3 - Dorival Júnior (Santos) - 1 ano e 1 mês