"Tenho vontade de dar carinho aos benfiquistas, porque o castigo deles já é serem do Benfica"
FORA DE JOGO - Entrevista a Renato Godinho
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Hoje, Renato Godinho dispensa apresentações; é um ator amado e consagrado, que é capaz de irritar na pele de um vilão, como Tiago, em Terra Brava, ou do tipo mais divertido do momento, o Xô Bitor, da novela "Amor Amor", da SIC. Começou pelo teatro, o que não é para todos, e já tentou deixar de ser do Sporting, mas não consegue, está-lhe nos ossos...
Quando é que descobriste que querias ser ator?
Aos 10 anos, numa visita ao Teatro Experimental de Cascais com a minha escola. Fui assistir a "Leandro, Rei da Helíria", de Alice Vieira, com encenação de Carlos Avilez. Foi a primeira vez que fui ao Teatro e disse logo: é isto que eu quero para mim. Curiosamente fui ator residente dessa Companhia 20 anos depois.
Foi difícil o trajeto até conseguires o reconhecimento público que tens hoje?
Eu comecei numa época pré-Morangos, por isso numa altura em que quem ia para uma escola de Teatro, como eu fui, não ia à procura de fama, nem de reconhecimento. Ia à procura de uma carreira e de ser feliz em cima de um palco. Sei que não fui explosivo na profissão. Tenho vindo a conquistar o meu espaço e o reconhecimento pelo meu trabalho que, muitas vezes, peca por escasso.
"Sou ator, gosto de me prostituir às personagens". Esta frase é tua e dá-nos uma evidência: levas muito a sério o que fazes...
Levo-me pouco a sério, mas levo a sério o que faço. A minha profissão só faz sentido para mim, se eu me obrigar a sair de mim. O mais possível. O meu objetivo como ator, é levar cada vez mais longe o processo de prostituição às personagens. Ser um "host" físico, emocional e intelectual. O que me marca como espectador hoje em dia, é ver um ator/atriz "simplesmente" a pensar como personagem. Um momento de silêncio que não foi escrito, nem pensado, nem pedido.
O De Niro engordou 27 quilos para fazer de Jake LaMotta. Quantos quilos engordaste para fazer o "Xô Bitor de "Amor Amor"?
Na verdade o Xô Bítor é que me engordou. Não fui eu que engordei para ele. A barriga é falsa. Aproximo-me sempre o mais possível do estilo de vida das personagens. O Xô Bítor não iria a um ginásio ou faria dieta. Então foi isso que fiz. Engordei. Não sei quanto porque nunca me peso.
Na novela "Terra Brava" eras mesmo muito má onda. Nunca te apeteceu esmurrar a sério o Catarré (Diogo), uma vez que é benfiquista?
Quando eu era parvo, queria "bater" nos benfiquistas. Depois cresci e comecei a ver as coisas como elas são. Hoje tenho vontade de lhes dar carinho porque o castigo deles já é serem do Benfica! (gargalhada).
O que te dá mais prazer fazer, de vilão ou de boa pessoa?
Dá-me imenso gozo fazer boas personagens, com bons colegas, bons realizadores, bons técnicos e uma boa produção. No outro dia, num ensaio, um colega meu disse: "É mesmo difícil fazer autores vivos." Eu respondi: "Difícil é fazer autores maus."
O Sporting é um amor de sempre? Como é que te aconteceu isso?
De sempre. Como é normal, foi o meu pai que me fez do Sporting. Não me lembro de não ser do Sporting.
Vibras muito com o futebol Sporting?
Não. No início da época passada vibrei. O sistema e as dinâmicas do Ruben Amorim eram novidade, os adversários eram surpreendidos e levavam 3 e 4, e o Sporting jogava muito. Hoje, o Sporting tornou-se uma equipa previsível e que ganha jogos à custa da grande consistência defensiva. Não é por acaso que o melhor marcador da equipa é um defesa central. Eu sei que o Rúben Amorim não tem os recursos dos rivais, mas parece-me que tem de haver planos B e C. Não compreendo que joguemos com três centrais em Dortmund e em casa com o Vizela. O Sporting só tem dois médios. Parece-me que nos jogos em que defrontamos equipas menos ofensivas, mais fechadas atrás, devemos tirar um central e ter um jogador como Daniel Bragança. Só equipas com grandes jogadores em todas as posições, se podem dar ao luxo de jogar sempre da mesma maneira. Como o Bayern de Munique.
Tantos anos sem ganhar! Nunca te apeteceu mudar de clube?
Já! Até já tentei há uns bons anos. Mas é mais forte do que eu. O Sporting está-me nos ossos.
Estás preparado para mais 20 anos sem ser campeão?
Sou muito competitivo e detesto perder. Custa muito ser campeão de 20 em 20 anos. Mas há uma coisa que eu gosto menos do que perder: ganhar mal. Prefiro não ter um presidente em exercício com escutas vergonhosas, ou com processos judiciais graves, a ser campeão todos os anos. Sou adepto à holandesa. Já assobiei o Sporting em Alvalade a ganhar, e já os aplaudi a perder. Se ensino ao meu filho que mais importante do que ganhar é como se ganha e como se perde, é porque pratico. Não é conversa de chacha.
O Sebastião, o teu filho, é sportinguista ou não o conseguiste influenciar?
É. Custou-lhe nos primeiros anos de vida. Como é um clube que ganha pouco (no futebol de 11 masculinos seniores!!!) os amigos na escola pressionavam-no muito. Mas ele mostrou-se resistente, com caráter de leão e, no ano passado, colheu os frutos desse investimento! Foi campeão contra dois plantéis muito mais caros e recheados do que o nosso.
És uma pessoa feliz?
Sou uma pessoa muito grata por tudo o que tem. Muito mesmo.