É a embaixadora da 35ª edição da Corrida do Tejo, apresentada recentemente sob o mote "desafia quem mais gostas a correr". A popular corrida, que percorre a marginal entre Algés e Oeiras, vai realizar-se este ano a 13 de setembro e a atleta do Sporting vai lá estar! Só Conversa com Ercília Machado.
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TEXTO: ANA PROENÇA FOTOS: ORLANDO ALMEIDA
O que borras de café e álcool têm a ver com Ercília Machado, a meio-fundista do Sporting que já tem no currículo 26 títulos nacionais e 17 internacionalizações? Garantimos que tem tudo a ver. Assim como garantimos o sucesso que a atleta, de 28 anos, natural de Santo Tirso, fez numa das principais praças de Lisboa enquanto se deixava fotografar, de sorriso aberto e grande à-vontade, por Orlando Almeida.
Ercília Machado teve de fazer uma interrupção no atletismo. Em dezembro, o corpo deixou de responder e entrou em fadiga extrema. Deixou de dormir e ainda se está a tratar, ao mesmo tempo que inicia uma nova etapa da sua vida. Há um mês, a atleta de Roriz, Santo Tirso, mudou-se para Lisboa.
Ouviu muitos elogios durante esta produção fotográfica. A maioria das pessoas achou que era modelo e umas miúdas quiseram até tirar umas fotos nas mesmas poses que a Ercília. Tem mais pinta de modelo do que de atleta...
Tenho realmente tentado entrar no mundo da moda, mas nunca consegui. Até estou inscrita numa agência, para fotos de publicidade, já fui a alguns castings, mas sem resultados.
Só gostava de fazer fotos para publicidade?
Não tenho nem altura nem magreza suficientes para as passarelas. Já fui até à fase final em três castings, mas depois não fui escolhida. Num desses castings, perguntaram-me a idade e não queriam acreditar que tivesse 28 anos. Disseram que tinha cara de 18 [risos]. É engraçado que com o passar dos anos fui-me transformando. Em júnior e juvenil era uma autêntica maria -rapaz.
E de ser atriz não gostava?
Não, fico muito nervosa e estática. Cheguei a pensar em concorrer aos Morangos com Açúcar, mas nunca tive coragem. Gostava de trabalhar como modelo, mas não estou a conseguir.
Mas é inegável a sua beleza física, assim como a simpatia...
Tenho uma história gira: quando foi a cerimónia de entrega da medalha de vice-campeã da Europa, o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo, Jorge Vieira, não me conheceu. Comecei a falar com ele e perguntou-me: "Eu conheço-a?". E eu respondi-lhe: "Só me conhece de top e cueca?" [risos] Já me disseram que era a atleta mais bonita do meio-fundo, mas não sou assim tão confiante em mim própria.
É de Roriz, Santo Tirso, onde viveu grande parte da sua vida, mas mudou-se há um mês para Lisboa. Que tal está a ser?
Eu já vinha muitas vezes a Lisboa por causa do meu treinador, namorado, clube e médicos da federação. Estão todos aqui. Também já tinha estado seis meses no CAR do Jamor, mas viver aqui em permanência é diferente. É uma vida mais agitada, há mais oportunidades de trabalho, só me custou arrancar de casa, deixar a mãe, a irmã e o cão. Vou lá uma vez por mês, mas não é a mesma coisa.
Não brincam aqui com seu sotaque do Norte?
Sim. Eu pergunto sempre se se nota assim tanto. Não me importo, acaba por ser engraçado e converso com as pessoas.
Já fez um passeio turístico por Lisboa?
Nunca. Há muito coisa que queria conhecer como o Palácio da Pena. Também nunca fui à Torre de Belém e aos Jerónimos, só passei ao lado. A primeira coisa que fiz quando cheguei a Lisboa foi ir aos Pastéis de Belém, fiquei montes de tempo à espera na fila! Tentei comer três de seguida, mas não consegui acabar o último [risos]. São bons na hora, quando estão quentinhos. Na verdade desde que me habituei ao pastel de nata, é o único bolo que peço numa pastelaria. E antes até nem gostava.
Está parada, sem treinar, há algum tempo. O que se passou?
Em meados de dezembro, depois do Campeonato da Europa, esgotei completamente o meu corpo. Tentei conciliar o meu doutoramento com os treinos e as competições, passei por muitas situações de stress e deixei completamente de dormir. Dormia entre meia hora a cinco horas por dia. E repartidas, nunca um sono seguido.
Não lhe receitaram comprimidos?
Tentei vários. Os problemas do sono já vêm de há muito tempo. Desde criança que fui sempre muito ansiosa, nervosa, irrequieta e hiperativa. Com Xanax, de 0,5 mg, dormi meia hora. Com o Lorenin consegui dormir cinco horas, mas também não chegava para quem andava a fazer bidiários. Fiz acupuntura, ajudou um bocado, mas voltou tudo ao mesmo. Entretanto, o médico do Sporting indicou uma consulta do sono, mandaram fazer um estudo noturno do meu ciclo do sono, em sete horas analisadas acordei 25 vezes. Muito mau!
Mas que justificação dão os médicos para isso? Esgotamento?
Além do stress, a minha médica disse que possivelmente tenho síndrome de pernas cansadas, que faz com que não tenha posição para as pernas quando estou mais cansada. E isso impede-me de dormir tranquilamente. Outro dos motivos pode ter a ver com o meu défice de ferro. Sempre tive anemia ferropénica, o meus depósitos de ferro estão sempre a ficar vazios. Fiz um tratamento intensivo de toma de ferro por via oral e endovenosa, mas ao fim de um tempo voltei a entrar em défice. Ainda vou fazer mais exames. Quero saber porque o meu corpo não absorve o ferro.
Neste contexto quais as perspetivas a nível de carreira no atletismo?
Sempre fui prejudicada por causa destes problemas. Ou estou lesionada ou com anemia e nunca consigo estar bem uma época inteira. Quando estou no meu pico de forma acontece sempre alguma coisa. Já podia escrever um livro com tantas lesões que já tive, inclusive quatro fraturas de stress em sete meses, todas do lado direito do corpo. Tento ser uma atleta de alta competição, treinar como a Jessica, a Dulce ou a Sara, mas o meu corpo tem acusado sobrecarga.
Ainda não pensou em desistir do atletismo?
O bichinho está cá dentro e é impossível sair. Só se tiver mesmo de ser é que abandono. Agarrei-me demasiado ao atletismo, é um escape enorme. Já tive outras opções, ainda miúda deixei a escola de música para praticar atletismo e, mais tarde, também a natação de competição. Sempre coloquei o atletismo acima de tudo, neste momento tenho de pensar mais na minha saúde. Aquilo a que cheguei não desejo a ninguém, foram dois meses e meio sem conseguir dormir.
Era uma zombie...
O problema é que não. Só me dava sono a conduzir, o que era ainda o mais perigoso, cheguei a adormecer ao volante por frações de segundo. Já chorava por querer dormir e não conseguir. Ficava desesperada. Foi uma fase muito difícil, irritava-me com tudo, chorava do nada. Deram-me uns medicamentos e é a única forma de agora estar a dormir. Esta época é para esquecer, a partir de setembro veremos. Vou levar as coisas com calma, tentar equilibrar-me, preciso de estabilizar-me emocionalmente.
E o doutoramento em Engenharia Química e Biológica na Universidade de Braga? Como está?
Está por terminar. Tive de pedir uma prorrogação do prazo e estou à espera da resposta. Tenho de escrever a tese sobre a investigação que fiz.
Sobre o quê?
Reutilizar as borras de café para fazer uma bebida fermentada e destilada. No fundo fazer uma aguardente, cachaça ou vodka de café. É esse o meu trabalho de doutoramento. Na nossa área, existem muitos temas possíveis. Por exemplo, fazer com que as películas que envolvem os alimentos sejam comestíveis. Há muita coisa que se pode investigar hoje em dia
De onde veio essa ideia das borras de café?
A minha orientadora é do Brasil e surgiu essa hipótese. Já existe licor a partir dos grãos de café. Neste caso é utilizar um desperdício para conseguir um produto final. Tenho testado diferentes métodos para ver qual era mais viável, horas e horas consecutivas no laboratório, mas consegui a bebida, embora tenha chegado à conclusão que, a nível industrial, fica muito dispendioso e não compensa. Cheguei a obter 85% de álcool numa amostra [risos], mas tive de a descartar, o máximo de álcool que posso ter é 40% e, mesmo assim, já é bastante.
SAIBA QUE
Ercília Machado tem tido grande ajuda dos responsáveis do Sporting, apesar de a própria já ter admitido que esta época será para esquecer a nível competitivo. "Tenho de agradecer muito ao Carlos Lopes e Mário Aníbal, estão sempre a ligar-me para saber como estou", afirma a atleta e estudante que deixa também palavras de apreço ao apoio que a família e os patrocinadores lhe têm dado nesta fase difícil, nomeadamente a New Balance, de que é embaixadora em Portugal, a Gold Nutrition, a Compressport e a Futura Visão. Sobre os colegas do atletismo em concreto, Ercília mostra alguma desilusão. "Já houve mais união entre os atletas. Agora há mais rivalidade, as pessoas não estão para se ajudar, acho que neste momento é um pouco o salve-se quem puder", defende.
17
Foi aos 13 anos que Ercília Machado começou a praticar atletismo, tendo dois anos depois começado a participar em campeonatos nacionais no seu escalão. No currículo tem 17 internacionalizações, 26 títulos nacionais, 12 de vice-campeã nacional e 7 medalhas de bronze. "O ponto alto da minha carreira até ao momento foi ter sido vice-campeã europeia de corta-mato por equipas", diz. "A alta competição não é muito saudável, pois leva-se o corpo ao limite, mas é muito gratificante chegar a casa e ver a quantidade de troféus e medalhas. É um orgulho imenso poder ficar para a história do atletismo"