
A Seleção Nacional de Râguebi de Sevens fez história este fim de semana em Hong Kong ao empatar com a Nova Zelândia, por 24-24, na 6ª etapa do circuito mundial. Pela primeira vez, e em 23 jogos entre ambas as equipas, Portugal travou os "All Blacks", a grande potência mundial da modalidade. Recordamos, na íntegra, a entrevista que Pedro Leal, capitão dos "Lobos", deu antes da partida para Hong Kong, no Só Conversa da Revista J.
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Por Ana Proença
O mais cotado jogador português de râguebi de Sevens, com lugar no top 10 dos melhores marcadores a nível mundial, vai com a filha no pensamento de cada vez que parte para mais uma etapa da Seven World Series. Mas com o râguebi de Sevens a estrear-se nos próximos Jogos Olímpicos, é impensável desistir de tamanho sonho. Pedro Leal já ficou com um olho "quase de fora", mas como diriam os nossos "hermanos" espanhóis: "no pasa nada!"..
Foi a avó quem o começou a tratar por Pipoca ainda muito miúdo. Pedro Leal diz que nem teve que ver com o facto de ser baixinho. "Era mais uma forma carinhosa que ela tinha de me tratar", diz. A verdade é que a alcunha pegou de tal modo que, na escola, poucos colegas, além dos professores, sabiam o seu nome real. Pedro Leal foi o primeiro jogador de râguebi ainda júnior a assinar contrato profissional por um clube, o Brive, de França. Nessa altura poderia ter escolhido ir para os Estados Unidos, para ser profissional de... esqui aquático. Mas isso já vai bem longe. Agora, com 30 anos, o Pipoca até tem uma escola, a Academia Pedro Leal, e está a tirar o curso de treinador.
Há cerca de dois anos voltou de França, onde jogava no Nice. Porquê?
Por causa da seleção de Sevens. Estive a jogar lá como profissional durante quatro anos. Mas não me deixavam muitas vezes ir à seleção e, como estávamos a entrar num ano particularmente importante, resolvi voltar. Há três anos voltámos a conseguir a qualificação para o Circuito Mundial de Sevens [Sevens World Series] e temos permanecido. E os clubes em França não me deixavam jogar todos os jogos pela seleção.
Estreou-se no râguebi francês com apenas 17 anos...
Sim, fui o primeiro júnior a assinar um contrato profissional. Estive lá em dois períodos. Como em França não consegui fazer o 12.º, na altura o meu francês não dava para isso, voltei para Portugal para acabar os estudos. Entrei em Marketing e Publicidade mas não acabei. Cheguei a trabalhar na área e a conciliar as duas coisas, mas depois fui para França como profissional de râguebi de 15.
Entretanto foi pai de uma menina.
A Carminho, que tem um ano e um mês. Agora as viagens são mais dolorosas, cada vez custam mais, ainda há dias estava a comentar isso com o nosso treinador Pedro Netto. A última viagem durou 17 dias, custou imenso. E cada vez será pior, pois há mais interação com ela.
Essa é uma das grandes mudanças da sua vida...
Sem dúvida, antigamente ia-se, falava-se com a namorada e a família por telefone ou pela Internet, mas com uma filha é mais complicado.
Tenho amigas que se queixam de que, desde que foram mães, os maridos deixaram de perguntar por elas quando lhes telefonam. Só querem saber dos filhos.
[risos] Pois, é um bocado assim. Infelizmente.
A próxima viagem está perto. Há mais uma etapa do Circuito Mundial, em Hong Kong, de 27 a 29 de março, e depois, logo a seguir, em Tóquio.
Nas recentes idas a Nova Zelândia e Las Vegas demos a volta ao mundo, foram umas 100 horas de viagem.
Chegam ao local do torneio com tempo suficiente para recuperar de tantas horas de viagem?
Vamos quatro ou cinco dias antes, que é o que a federação internacional [IRB] paga, as outras equipas vão uma semana e meia antes. Fomos a última equipa a chegar a Las Vegas e isso nota-se. As pessoas não têm a noção. E nestas viagens só temos uma tarde livre. As pessoas dizem: "Que giro, andas sempre a viajar". Mas nós não vemos nada: é treinar, treinar.
Lembra-se do dia e hora em que soube que o râguebi de Sevens ia fazer parte do programa dos Jogos Olímpicos?
Vi no Twitter do Agustín Pichot, ex-jogador argentino. E foi brutal! Mandei logo mensagens aos meus treinadores e colegas. Em Portugal temos tido bons resultados nos Sevens nos últimos anos, apesar de sermos ainda amadores. Continuamos muito longe dos outros. Eles só fazem Sevens e nós, por exemplo, dividimo-nos pelo râguebi de 15. Este é o primeiro ano em que só jogo Sevens pela seleção.
O que faz com que Portugal tenha mais sucesso nos Sevens do que no râguebi de 15?
Primeiro são precisos menos jogadores, só 12 em que sete são titulares. E depois os portugueses não são grandes e fortes de uma maneira geral. Não há muitos jogadores como o Gonçalo Uva. Por isso vamos buscar muitos luso-franceses. Temos falta de avançados grandes, somos bons tecnicamente e rápidos, mas não somos grandes.
Além da seleção, joga por Direito. Ainda não se cansou de tantos treinos e jogos?
Comecei a jogar na seleção aos 18 anos e aos 17 joguei pela primeira vez também por Direito, e sempre fui às seleções de 15 e Sevens. Adoro jogar râguebi, por isso é que sou profissional, mas de há dois anos para cá já começa a pesar um bocadinho, já demoro mais a recuperar. Se tiver três fins de semana livres por ano já é um luxo.
Quando foi a última vez que foi de férias com a sua mulher?
Já planeávamos ter um filho e fomos à Indonésia. Era até suposto fazermos lá o filho, mas aconteceu um bocadinho antes e já foi para lá grávida [risos]. Foi assim a última vez e das poucas viagens que fizemos juntos. Foi há cerca de dois anos.
Já precisavam de umas férias outra vez...
Já! [risos]
Ela não reclama?
Um bocado. Então desde que a nossa filha nasceu, não teve mais descanso. Agora é que vai de férias com uma amiga durante uma semana.
Porque optou pela via profissional também em Portugal? Não é muito comum.
Não foi fácil decidir ser profissional. Lá fora recebe-se muito dinheiro, mas voltei porque adoro jogar Sevens e representar a seleção. Perco muito dinheiro com isso, mas foi uma decisão, a vida familiar também teve peso. Temos três níveis de subsídios do Estado, e somos apenas quatro a receber o máximo, mas há equipas que recebem dez vezes mais do que nós. Mas não me arrependo. Recebo do clube e da federação, que foi correta comigo ao fazer-me um contrato que ainda ninguém tinha. Eles acharam que eu era importante para a equipa.
Não vai recebendo propostas de clubes estrangeiros?
Sim, todo os anos há um contacto ou outro. Uma vez, há uns bons anos, tive uma proposta da Austrália, não fui um bocado por causa de uma namorada que tinha na altura, mas a maioria dos convites são da Europa. No estrangeiro posso chegar a receber 8000 euros por mês, aqui, estando no nível mais alto da federação, recebo 1000.
Já foi ultrapassada a imagem de que o râguebi é um desporto agressivo?
Acho que ainda há um bocado essa imagem. É um desporto leal e não é tão bruto como as pessoas pensam. O problema é as pessoas não conhecerem as regras. E há mais fair play do que no futebol, além de que respeitamos mais o árbitro.
Já sofreu muitas lesões no râguebi?
Nada de grave. A pior foi quando choquei, cabeça contra cabeça, contra um jogador enorme, do Tonga, durante um jogo da seleção no Estádio Universitário. O meu olho esquerdo ficou quase de fora, tive de levar 30 e tal pontos. Imagine a minha mãe a ver na televisão, mostraram a repetição e ouve-se um "pôf" na altura do choque e viu-se sangue a saltar! Não me lembro da porrada, só de estar no banco com a cabeça ligada e o Tomás Morais a perguntar ao fisioterapeuta: "Como é que é? Ele ainda pode entrar?". E eu estava com o olho para fora. "És maluco, tem de ir para o hospital", respondeu-lhe. Recordo-me, depois, de estar a entrar na ambulância, de olhar para o jogo e ver um pontapé. Depois correu tudo bem. Parti, em outra ocasião, o maxilar, mas nada assim de grave.
SAIBA QUE
Se quiser torcer para que Portugal se apure para os Jogos Olímpicos Rio"2016, por agora o melhor é vestir a camisola da Inglaterra e gritar pela equipa de "Sua Majestade". Passo a explicar: só os quatro primeiros classificados do Circuito Mundial é que se apuram diretamente para os Jogos Olímpicos. Ficar numa dessas posições está fora de questão para os "Lobos" portugueses (estão em 14.º) quando faltam disputar cinco torneios: Hong Kong, Japão, Escócia e Inglaterra. Portanto, as ambições, nesta altura, da Seleção Nacional, orientada por Pedro Netto, é garantir a manutenção no principal campeonato mundial, para em junho/julho ir jogar o Campeonato da Europa... e de preferência já sem a forte concorrência da Inglaterra que, a apurar-se agora, permite também a Portugal livrar-se da Escócia e de Gales, todos eles fortes adversários. Será, se tudo correr como previsto, um três em um. "Com as restantes equipas conseguimo-nos bater taco a taco", explica. "Se não nos qualificarmos no Europeu, ainda vamos a uma qualificação que poderá vir a ser realizada em Portugal", acrescenta.
8
Pipoca é o 8.º melhor marcador de sempre do Circuito Mundial de Sevens [World Seven Series]. "Estou no top 10 dos melhores marcadores de sempre e acho que sou mais reconhecido lá fora do que cá em Portugal. Nunca imaginei chegar ao top 10, e espero ainda subir mais umas posições", afirma o jogador de 30 anos, que acumula 70 jogos pela seleção de 15 e já 50 torneios pelos Sevens. O Campeonato do Mundo de França (râguebi de 15) foi o que marcou mais. Portugal foi a primeira equipa amadora a ir a um Mundial e ninguém imaginava tal coisa em 2007. "O Tomás Morais conseguiu incutir-nos esse espírito de querer, em que só nós é que acreditávamos. Foi quando houve um grande boom do râguebi em Portugal."
DO ESQUI AQUÁTICO AO FUTEBOL
Pedro Leal poderia ser agora um profissional de esqui aquático. Foi campeão nacional da modalidade quatro vezes e aos 17 anos teve a possibilidade de ir para os Estados Unidos. Mas nessa altura também já jogava e optou por aceitar uma proposta de França. "Comecei a fazer esqui aos quatro anos. Também joguei ténis e futebol, entre outros desportos. O meu pai sempre teve barco e o bichinho do esqui e passou-me o gosto. Enquanto no verão os outros miúdos iam para o Algarve e para a noite, eu passava as férias em campeonatos no estrangeiro", conta o Pipoca, que chegou a ser convidado para jogar futebol no Estrela da Amadora. "Adorava futebol. Joguei no Colégio Valsassina e nas Escolas Humberto Coelho. Cheguei a jogar contra o Miguel Veloso. Até tinha talento, e ainda hoje o futebol dá-me jeito no râguebi, sou eu que chuto."
(entrevista publicada na revista J de 15 de março de 2015)
