Formada na Escola Superior de Teatro e Cinema, a que juntou uma licenciatura em Psicologia, ramo clínico, Andreia Pinheiro é profissional de Pole Dance, que foi aprender à Austrália. Dá aulas na academia de que é proprietária em Belém e considera um disparate querer tornar o Pole Dance - ou Pole Fitness -, numa modalidade olímpica.
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TEXTO: ANA PROENÇA FOTOS: PAULO SPRANGER/ GLOBAL IMAGENS
Já entrou num episódio da série "Bem-vindos a Beirais". Andreia Pinheiro, lisboeta de 38 anos, explica que usa fato treino sempre que vai a um programa de televisão. E já foram bastantes. Nada de roupas minguadas ou estilo striptease. "Vou sempre o mais "clean" possível. E isso não significa que tenha pudor do que faço, é ser inteligente e perceber onde e como se deve fazer as coisas."
Porquê Pole Dance e não a tradução em português Dança do Varão?
Dança do Varão tem uma conotação mais depreciativa. Associa-se ao grupo de amigas de 50 anos, todas divorciadas, que se vão roçar um bocado no varão. Pole Dance é o que toda a gente chama.
Como surgiu o Pole Dance na sua vida?
Sempre fui apaixonada por duas coisas: ginástica e teatro. Pratiquei ginástica rítmica e fiz o curso de formação de atores do conservatório. Trabalhei em algumas companhias, entre as quais O Bando. A certa altura fiz uma peça um pouco underground chamada "Quero ser uma Porno Star", em que vestia a pele de uma stripper. Tive de perceber como funcionava o varão, quais os tipos de movimentos, quando e como me devia despir, como devia olhar, andar... Fui a clubes, vi-as a dançar. Tínhamos um tubo de ferro altíssimo, uma coisa gigante, e eu ainda não dominava nada daquilo. Fiz uma coisa muito rudimentar [risos], mas desde essa altura apaixonei-me completamente pelo aparelho, porque reúne as duas coisas que mais gosto: uma forte componente física e a parte artística, da criatividade.
E depois? O que fez com essa paixão?
Fiquei um tempo sem fazer nada, fui tirar o curso de Psicologia, mas o Pole Dance não me saía da cabeça. Não pensava fazer disto a minha vida. Precisava de dançar, mas não fazia sentido ir para um clube de striptease para fazer Pole Dance.
E...
Comecei a investigar e descobri escolas em vários países. Descobri que, afinal, era um desporto e uma arte que podia aprender. Fiz um investimento louco e fui tirar um curso intensivo à Austrália. No último dia já nem conseguia agarrar no varão. Levei o meu filho e uma baby-sitter. Como era autodidata, já fazia algumas coisas, mas o curso foi uma grande mais-valia. Felix Cane, a grande figura mundial do Pole Dance, formou-se na mesma escola, é uma acrobata maravilhosa contratada pelo Cirque Du Soleil. Com ela, o Pole Dance teve um boom extraordinário.
Há quanto tempo começou a dar aulas?
Há sete anos.
Nessa altura a modalidade ainda estava muito associada ao striptease e ao erotismo?
Sim. Havia mais pessoas a procurar o Pole Dance pelo lado sensual e descuravam a parte técnica. O que acontece hoje é que procuram a parte sensual, mas também querem fazer coisas técnicas e trabalhar o físico. Tenho três tipos de alunas: as senhoras que querem aprender uma coreografia para o marido, que só querem vir rebolar; outras vêm pela parte física e acrobata; e outras que já perceberam que o Pole Dance é uma mistura, ou seja, um aparelho aéreo, onde é importante a criatividade do intérprete. Hoje há o Pole Art e o Pole Fitness. Eu identifico-me mais com o primeiro.
Sei que tem um instrutor homem na sua escola. Os homens também aderem?
O Luís foi formado por mim e temos mais três homens como alunos. Num universo de cerca de meia centena de alunos, já não é mau [risos]. Dois deles vieram porque as namoradas começaram a praticar, e não sei bem o que elas lhes disseram, mas eles também começaram a vir pela parte acrobática e para desenvolver o tronco. No estrangeiro há muitos homens a fazer. E imaginem que até há campeonatos para crianças.
Tem alunas que são mesmo strippers em clubes noturnos?
Já tive, mas são raras as que vêm aprender.
Onde é que elas aprendem?
Umas com as outras. Imagine trabalhar num sítio seis vezes por semana, em que dança três vezes por noite. Imagine a prática que tem ao fim de um ano. Aqui, na escola, já fizemos visitas de estudo a clubes de striptease, mas as alunas ficam muito desiludidas, porque a qualidade é fraca para a exigência que eu tenho com elas.
Tem de se fazer aulas com aqueles sapatos com uma base altíssima?
Não. Se estivermos a praticar a técnica não vamos andar com sapatos de stripper agarrados aos pés. Agora se for para a parte coreográfica, podemos calçar os sapatos ou não. Por exemplo, há coreografias mais próximas da dança contemporânea em que não faz sentido usar aqueles sapatos.
Os sapatos não dão uma conotação negativa?
Eu detesto coisas bregas, de baixo nível e ordinarices, mas o sapato faz uma coisa mágica se se quiser levar a dança para um determinada direção. A Felix Cane dança sempre de saltos altos e não é nada ordinária. Uma mulher calça-os e mesmo psicologicamente muda, sente-se com mais poder. Fisicamente também ajudam em alguns passos.
Quais as partes do corpo que são mais requisitadas no Pole Dance?
O core, nomeadamente os abdominais, que estabilizam os movimentos. É preciso ombros e costas, braços e antebraços. E, claro, mãos. E não basta ter força, também é preciso resistência, bem como alguma coordenação e consciência corporal. As pernas são solicitadas mais a nível de alongamentos. Muitas vezes aparecem aqui miúdas com grandes músculos e muita força, mas depois não fazem nada no varão, porque não conseguem juntar o movimento de vários grupos musculares. Trabalham especificamente cada grupo muscular. Eu chamo-lhes músculos burros, porque não sabem fazer nada.
Quais os benefícios, afinal, da prática de Pole Dance?
Proporciona bem-estar físico e mental, consegue-se trabalhar os vários grupos musculares, trabalha muito da cintura para cima, mas não descuramos as pernas, que são importantes para as linhas. E há dias em que chego aqui chateada, sem vontade nenhuma, mas assim que começo a dar aulas esqueço tudo e fico bem-disposta. Acontece o mesmo com as alunas.
Em abril realizou-se o Mundial, na China, e muitas atletas voltaram a defender a entrada do Pole Dance ou Pole Fitness nos Jogos Olímpicos.
Nunca irá acontecer na minha opinião. É um disparate. Dou sempre o exemplo dos aparelhos circenses, como a lira ou o trapézio: não vais colocar um artista de circo nos Jogos Olímpicos. Querem distanciar ao máximo o Pole Dance do striptease, mas não acho que esse seja o caminho para dignificá-lo.
Também não concorda com os campeonatos?
Os campeonatos são uma coisa diferente. Não acho mal, pois servem para divulgar esta arte e combater esta ideia Neandertal de que o Pole Dance só é praticado por strippers.
Das strippers à prostituição, é num instantinho que se faz a associação.
Ainda há dias me perguntaram se o Pole Dance não estava muito associado aos bares de alterne. E lá tive de explicar que não. São duas coisas diferentes. Prostituição é o que acontece em bares de alterne. E a prostituição pode existir em qualquer profissão. Outra coisa é ser stripper. Não é preciso ser-se stripper para se ser uma puta.
Pois, mas não será difícil encontrar quem diga que as strippers ainda fazem uns serviços extras depois de dançarem.
As pessoas sabem lá!! Há de tudo. Conheci uma vez uma rapariga que deitava o filho às 21h e ia trabalhar toda a noite. E de manhã, lá estava ela a levar o filho à escola.
Ainda houve comentários desagradáveis ou sente que é olhada de lado por algumas pessoas?
Eu faço disto a minha profissão, não posso ter medo que me insultem. Na escola do meu filho, por exemplo, quando tenho de escrever a minha profissão, coloco atriz, bailarina e diretora de uma escola de dança, não preciso de estar a especificar. Mas ainda ontem a professora do meu filho me disse ter-me visto na televisão, no programa do João Baião.
Como apareceu o Pole Dance?
Desde os tempos mais recuados da humanidade, penduramo-nos em coisas e dançamos em volta de símbolos.
Mas como se associou o varão às danças das meninas em casas noturnas?
O entretenimento noturno era feito antigamente em tendas que tinham um pau no meio, tal como as de circo. As miúdas começaram a agarrar o pau como apoio para dançarem e pegou. Acho que é esta a história, mas era interessante alguém investigar mais profundamente. O varão é um aparelho espetacular, muito versátil, pode-se fazer imensas coisas.
É defensora da vertente artística, mas no estrangeiro cada vez mais o Pole Dance é considerado uma modalidade do fitness. Não se quer incluir no mundo do fitness?
Não, mas percebo perfeitamente que tem uma componente física altamente exigente.
E se lhe batesse à porta uma grande cadeia de ginásios a propor-lhe levar o Pole Dance para um "health club"?
É verdade que se pode ter um Pole Dance para as pessoas irem queimar calorias. Como o Body Combat ou o Zumba, por exemplo. Se ficasse rica, não diria que não. Transformava o Pole Dance num treino aeróbico. Não é artisticamente atrativo para mim, mas não resuso e até tem cabimento, embora para isso fosse preciso um estúdio equipado com varões, o que limitaria muito o número de pessoas por aula.
Acha que podia não ser lucrativo para os ginásios?
Pois. Não sei bem. Talvez não.
SAIBA QUE
Na Academia de Pole Dance, de Andreia Pinheiro, há vários níveis de aulas técnicas: nível 1, em que são dadas as primeiras noções e pratica-se uma coreografia no final de cada aula; Preparação para o nível 2, em que as alunas já começam a preparar movimentos invertidos; nível 2 para alunas intermédias, em que a pele já adere e fica presa ao varão; e ainda a Técnica 3, com movimentos mais avançados. Paralelamente, existem aulas só de coreografias, o chamado Pole Jam, e ainda aulas de flexibilidade, equilíbrio e alongamentos. A atriz e dançarina dá ainda workshops independentes (um deles é de "Striptease Style & Chair Dance), aulas particulares e organiza despedidas de solteiras.
300
Se lhe está a passar pela cabeça o quanto gostava de instalar um varão no seu quarto lá de casa, fique a saber que precisará de pelo menos 300 euros. Com base ou palco alto, um varão pode chegar quase aos 1000 euros. Há uma variedade enorme de varões: para principiantes, intermédios e avançados, cromados, de latão e até revestidos com silicone cor-de-rosa. Depois não convém faltar o magnésio líquido, chamado de "grip". Serve para ajudar as mãos a aderirem ao aparelho. E se quer mesmo sentir-se poderosa (ou fazer a sua namorada/mulher sentir-se poderosa) conte ainda com mais umas dezenas ou centenas de euros para os sapatos sexy ou procure por saldos na internet.
PLANOS PARA O PORTO
Andreia Pinheiro tem a sua academia em Lisboa, na zona de Belém, mas quer expandir-se a Norte. "Estou a tentar arranjar um espaço para ir dar workshops ao Porto. Sei que lá não há nada de qualidade nesta área", afirma. "Não quero trabalhar para um ginásio, o que gostava era de alugar uma sala à hora, com cerca de 100 metros quadrados, um espaço giro, podia ser um estúdio do ginásio, para ir lá de vez em quando", acrescentou.