Leia a opinião de Ana Luísa Magalhães
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Imagino o que o leitor estará a pensar agora: "Esta pessoa esteve uns dias na Arábia Saudita com todas as comodidades e agora vai dizer ao mundo que é um país maravilhoso."
De facto, nas condições em que estive, ficava lá por uns tempos facilmente. Fora da bolha do conforto, ainda teria de esperar (muitos anos, receio) mas às vezes esquecemo-nos que os países, para lá dos seus regimes autoritários e repressivos, são sobretudo feitos pelas pessoas. Pelo povo. E, mesmo sem notarmos, todos temos preconceitos ou simples ideias pré-concebidas que se esfumam assim que metemos os pés nos sítios, vemos as coisas com os nossos olhos e conversamos com as pessoas de quem só ouvimos falar nas redes sociais.
Uma portuguesa, dois italianos, uma ucraniana, um indiano, um cipriota, uma jordana, uma bósnia, uma marroquina e nove sauditas entram numa sala de conferências. Poderia ser o início de uma anedota muito longa, mas era o enquadramento do seminário em que participei.
Uma rapariga chegou atrasada e pensei logo que não era dali, da Arábia. Sem véu, óculos de sol na cabeça, cabelos longos esvoaçantes, enfim, estilo ocidental. Enganei-me. Leena Alsubayhi não só é saudita como natural de Meca. A cidade sagrada do Islão, cuja entrada é vedada a quem não é muçulmano. Estuda em Riade, onde certas mulheres usam hijab (véu), outras niqab (só se vê os olhos) e algumas nada dessas coisas, explicou-me Leena. Na sua terra natal, um véu de cores vibrantes, rosa, por exemplo, é suficiente para uma reprimenda, mas na capital, Leena, devidamente autorizada pelo pai, é livre de não se cobrir.
Outras mulheres fazem-no por opção, sem se sentirem oprimidas, e também não tem de ser anormal. Sessenta e cinco por cento da população da Arábia Saudita tem menos de 35 anos (segundo um estudo de 2020) e os ventos de mudança sopram por entre as obras que vemos um pouco por todo o lado em Riade. Uns dizem que a fasquia está tão baixa que uma pequena e (supostamente) básica reforma social parece monumental, outros acreditam que a transformação tem mesmo de ser lenta e gradual, para não provocar os que se lhe opõem e deitar tudo a perder.
De Cristiano Ronaldo, rendimento à parte, torço sobretudo para que ajude, o pouco que seja com o seu brutal impacto, a contribuir para a mudança, mais do que simplesmente melhorar a imagem exterior da Arábia Saudita.