Um clima perfeito, de comunhão entre todos na busca da projeção de tão valioso produto. Pena o despertador ter tocado
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Dizem que os sonhos são estúpidos, mas este parecia bem real. O tema era o futebol português e tudo era pacífico. Os clubes competiam entre si com lealdade e desportivismo, os jogadores respeitavam todos os adversários e empunhavam a bandeira do fair-play. E os jogos, imagine-se, eram arbitrados sem erros, com o VAR a prestar todos os esclarecimentos com base em imagens que nem o mais exigente dos técnicos do audiovisual ousaria colocar em causa. Os adeptos eram um exemplo, com famílias inteiras a preencherem todos os lugares dos estádios, com bilhetes acessíveis e IVA a 6%. Uma festa do princípio ao fim, com convívio entre todos, tipo piquenique na mata do Jamor antes da final da Taça de Portugal. No final, bebiam juntos uma cerveja e regressavam a casa a tempo de ver o Domingo Desportivo, para na segunda-feira ouvirem a Visão de Jogo na TSF, onde se fala verdadeiramente de futebol, da técnica dos protagonistas e das táticas que fazem toda a diferença. Na televisão passavam também os grandes jogos internacionais, daqueles que valem mesmo a pena ver. Discursos de ódio e fomento da polémica gratuita não tinham lugar nas grelhas dos diversos canais.
Nos órgãos que dirigem a atividade de maior rentabilidade no desporto português havia máxima cordialidade, visão e parcerias estratégicas. O presidente do Comité Olímpico de Portugal e os líderes de todas as federações, em especial o da Federação Portuguesa de Futebol, caminhavam de mãos dadas rumo ao objetivo comum de tornar cada vez mais apetecível o produto internacionalmente, capaz de projetar proveitos financeiros aos clubes de uma forma nunca antes vista. Na Liga, que vivia tempo de eleições, havia construtiva troca de impressões em busca de soluções consensuais, em que através da centralização dos direitos audiovisuais e de menor carga fiscal os grandes garantiam maior capacidade de ombrear com as equipas estrangeiras e os restantes ganhavam robustez económica capaz de alimentar a estrutura rumo a outras metas.
São sete da manhã, toca o despertador, o sonho é interrompido abruptamente e é hora de enfrentar a realidade. O futebol português terá outro dia como tantos outros, mais de autodestruição do que para dar um passo em frente. Pode ser que um dia o sonho se torne realidade, mas os sinais não são famosos.