DE CABEÇA - Uma opinião de Vítor Santos
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A tribo do futebol gosta de escolher os seus patinhos feios. A fábula de Hans Christian Andersen foi escrita no séc. XIX, mas continua a ser muito útil como exemplo de integração e ajuda a desmistificar ideias pré-concebidas ou análises injustas antes do tempo certo. Há jogadores aos quais se aplicam carimbos tão marcantes que não há maneira de se livrarem deles, até ao dia mágico em que se libertam graças a um golo decisivo, ou outro momento mágico capaz de rasgar as pálpebras das maiorias ruidosas das bancadas e da Comunicação Social. Sobram exemplos.
Sem um arranque fulgurante, Carmo logo levou com o peso do dinheiro em cima. Poucos se lembram que tem apenas 23 anos, teve sempre a mira apontada, sem contemplações
Zaidu foi um mal-amado até marcar o golo do título da época passada no Estádio da Luz; Eliseu também ouviu das boas até faturar com dois ou três disparos espetaculares e só entrou definitivamente nos corações quando festejou um campeonato aos comandos de uma Vespa. Com virtudes e limitações, como todos os que pisam os relvados, um é e o outro foi importante, ambos em equipas campeãs, de FC Porto e Benfica, respetivamente.
Há, porém, o risco de grandes jogadores nunca viverem este nirvana da libertação, pelo que vale a pena olhar com atenção para todos, porque nem sempre os bons ventos sopram a favor. Andamos há dois meses a ouvir um ruído de fundo, semelhante à aproximação de uma avalanche, uma onda que aumenta a cada dia que passa, a propósito da ideia de ver o jovem central do Benfica António Silva na lista de convocados para o Mundial. Sem nenhuma surpresa, o talentoso menino, que tem jogado como gente grande, também treme, faz parte do processo de maturação. A exigência aumenta, são erros normais, sem que isso signifique que não tem qualidade para ser uma grande referência no Benfica e até na Seleção.
O ruído desta claque não pode, no entanto, cegar-nos. Temos de estar atentos. E Fernando Santos, que até assistiu ao vivo ao clássico do Dragão, terá tomado boas notas. De volta ao patinho feio, o que dizer da atuação do gigante David Carmo? O defesa do FC Porto, contratado por 20 milhões ao Sporting de Braga, não protagonizou um arranque tão fulgurante como o de António Silva. E logo levou com o peso do dinheiro. Poucos se lembraram que tem apenas 23 anos, teve sempre a mira apontada sem contemplações, sem direito à condescendência de uma avalanche em forma de claque. Mas depois das últimas exibições, na Liga dos Campeões e no campeonato, merece estar já no bloco de notas do selecionador, até porque a época ainda vai curta, pelo que não terá possibilidades de, até à divulgação da convocatória, marcar o golo do título ou festejá-lo em cima de uma mota. Quanto à ideia de se mostrar na crista de uma avalanche, é ainda mais improvável.