DE CABEÇA - Leia a opinião de Vítor Santos
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A contagem decrescente para o Campeonato do Mundo tem sido acompanhada de uma crescente onda de contestação ao facto de a realização do torneio ter sido entregue ao Catar, um país nos antípodas daquilo que deve ser uma nação decente, sobretudo em matéria de direitos humanos.
O Mundial deve ser aproveitado para mostrar à sociedade a realidade do Catar, um país que viola os direitos humanos
De repente, muitos exigem tudo aos jogadores, com a sugestão de aderir a protestos, e é certo que durante o torneio surgirão, com todos os riscos inerentes à vertente disciplinar.
Jurgen Klopp colocou ontem o dedo na ferida, sublinhando que não se deve exigir o que quer que seja aos futebolistas, porque estarão lá para jogar, questionando sobre onde estávamos todos há 12 anos, Comunicação Social, incluída, quando a FIFA atribuiu a organização ao emirato absolutista. A questão colocada pelo treinador alemão é pertinente. Mas de então para cá também a realidade evoluiu no sentido positivo de estarmos muito mais atentos a temas tão importantes como a igualdade de género, os direitos das minorias e a origem dos capitais que permitem a realização de eventos desta natureza.
A opção do regulador do futebol mundial, então dirigido pelo controverso Joseph Blatter, foi contestada desde a primeira hora, mas por suspeitas de subornos na captação de votos e por causa do clima, o que obrigou à realização da prova durante o Inverno europeu. O próprio suíço viria, posteriormente, a considerar que o acolhimento da proposta do Catar tinha sido um erro, apontando às temperaturas elevadas, pouco aconselháveis à prática do futebol. Sendo impossível de resolver, essa questão terá sido, pelo menos, relativizada face à recalendarização do evento.
Queixam-se os europeus, por causa do excesso de jogos e paragem prolongada nos campeonatos, mas a realidade é que sul-americanos, africanos e asiáticos convivem há cem anos com o mesmo problema, uma vez que as respetivas épocas vão a meio quando se realiza o mundial de futebol, pelo que esses queixumes são irrelevantes.
O resto, porém, é muito importante. O dinheiro não pode comprar tudo, mas já nada há a fazer em relação ao país onde decorrerá a competição. Mas podemos, pelo menos, reconhecer que o futebol ajudou a descobrir uma realidade que os folhetos das agências de viagens não transmitem. E construir algo em cima desta oportunidade, mostrando a quem nos lê, escuta ou ouve as atrocidades cometidas por aquele regime absolutista e violador dos direitos humanos, onde as mulheres têm de pedir autorização para casar ou viajar, onde a comunidade LGBT é maltratada e onde morreram milhares de migrantes envolvidos nas obras de construção dos estádios.