Risco de os processos não chegarem sequer a julgamento resultará numa machadada fortíssima na credibilidade do futebol.
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Acondenação de Paulo Gonçalves, ex-assessor jurídico do Benfica, em primeira instância, mostra que não há fumo sem fogo e que nem tudo andou bem no futebol português na última década, emergindo os dirigentes como grandes responsáveis pelo autofágico clima de suspeição que corrói as competições profissionais.
Enquanto sociedade desportiva, o Benfica cedo ficou isento de responsabilidades, mas ninguém será inocente ao ponto de acreditar que aquele ex-funcionário da SAD trabalhou sempre em benefício próprio.
No mínimo, teve acesso a documentos com informações sobre processos e seus trâmites, o que lhe permitiu desempenhar de forma mais eficiente as funções na sociedade desportiva encarnada. Como no dia em que deixarmos de acreditar na Justiça teremos um problema ainda maior, a decisão da juíza Ana Peres, validada na Relação após recurso que o Ministério Público (MP) perdeu, deve ser entendida apenas à luz da Lei.
Em relação ao caso E-toupeira estamos, nesta fase, conversados - embora ainda não tenha transitado em julgado. Mas este está longe de ser o único caso que passou dos gabinetes das sociedades desportivas aos tribunais. Ao longo da semana, através da TVI, fomos conhecendo pormenores do megaprocesso que escrutina atuações passíveis de constituírem crime, na gestão de Luís Filipe Vieira. O Ministério Público, no início do ano, constituiu arguidos a SAD encarnada e os elementos que integraram a administração até 2020. Este expediente, segundo foi amplamente divulgado (o MP, oficialmente, não se pronunciou nesse sentido), teve como base a necessidade de dar mais tempo à investigação, uma vez que pairava já o risco de prescrição, com o aproximar do fim do prazo legal para deduzir acusação, o que é alarmante e deve preocupar-nos a todos. Instituições do futebol, visados na investigação e, sejamos claros, portugueses em geral.
A morosidade da Justiça é um problema sério em Portugal. E deriva em boa parte da escassez de meios, por falta de investimento do Estado, o que só beneficia quem tem robustez financeira para travar batalhas legais de recurso em recurso. Na edição de sexta-feira, o "Expresso" noticiava que uma "falha do Governo", resultante de uma lei por regulamentar há um ano e meio, está a paralisar o julgamento de José Sócrates, com alguns prazos de prescrições fixados já em 2024. Não estando em causa a importância dos casos em si - todos relevantes, dependendo da perspetiva -, olhando para as especificidades do futebol, o risco de os processos não chegarem sequer a julgamento resultará numa machadada fortíssima na credibilidade. Eventualmente, irrecuperável.