<strong>O MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL -</strong> Um avozinho no Grand Slam da equitação - e, desta vez, ganhou mesmo.
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Aos 48 anos, o golfista Julius Boros venceu o major PGA Championship. O velejador Dennis Conner tinha já 46 quando ganhou pela última vez a America"s Cup. George Foreman, pugilista, recuperou o título mundial de pesos-pesados com 46 também. O basebolista Nolan Ryan já completara 44 anos quando conseguiu o seu derradeiro jogo perfeito.
Mike Smith venceu a Triple Crown e creditou toda a gente - Deus, o cavalo, os patrocinadores - pelo mérito, esquecendo-se de si mesmo
Muitos atletas foram capazes de vencer garotos com metade da idade deles (até bastante menos) quando já tinham cabelos brancos na cabeça e alguns até idade suficiente para serem avós. Mas o feito de Michael Earl Smith, ou simplesmente Mike Smith, está acima de todos eles, pelo menos do ponto de vista etário.
No ano passado, e já depois perfazer 52 anos, o jóquei norte-americano levou o cavalo Justify à vitória na chamada Triple Crown, ou Coroa Tripla, ganhando o Kentucky Derby, o Preakness Stakes e o Belmont Stakes. Apenas treze homens conseguiram triunfar nas três corridas num ano, e o segundo mais velho fê-lo com 40 anos - 12 anos a menos que Smith.
Destinada a cavalos com três anos de idade, a Triple Crown é talvez a mais mítica conquista da equitação, uma espécie de Grand Slam da modalidade. No último século e meio, foi disputada por quase 4.500 concorrentes, dos quais cerca de 300 ganharam uma corrida e um pouco mais de meia centena ganharam duas.
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No seu palmarés figuram os cavalos mais inesquecíveis de sempre, incluindo vários daqueles sobre que o cinema já se debruçou, Omaha, War Admiral, Secretariat, Affirmed ou American Pharoah. Secretariat, que ganhou a Coroa em 1973, detém os recordes de tempo em todas as corridas. Affirmed travou com o pouco menos mítico Alydar uma batalha épica, saindo vencedor nos três encontros decisivos. American Pharoah quebrou em 2015 um jejum de vencedores absolutos que durou 37 anos. Desta vez, Justify teve de contentar-se com o papel de ator secundário.
A história não foi o cavalo: foi o homem. Dava um filme, e o mais provável é que um dia destes dê mesmo. Porque, quem até recentemente lia a mais pequena biografia de Mike Smith, cruzava-se sempre com alguma variante da expressão: "jóquei americano particularmente influente na primeira metade dos anos 1990".
Não era de admirar. Em 1998, Mike teve duas lesões gravíssimas: primeiro partiu um ombro, o que o obrigou a parar dois meses, e depois várias vértebras, o que o deixou seis meses sem poder montar. Em 2003, as autoridades da equitação juntaram-no mesmo ao Hall Of Fame, como uma espécie de consagração de carreira. Mas a sua força de vontade foi sempre inigualável. Os triunfos voltaram a suceder-se já no século XXI. Disse então um dos seus treinadores, Brian Killion - que trabalhou vários anos na NFL -, ao "The New York Times": "Nunca encontrei um atleta com tal condição física. Se eu treinasse como ele treina, desmaiaria."
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Na primavera de 2018, chegou finalmente a Triple Crown. Numa modalidade, note-se, em que a maior parte dos atletas abandona a carreira na mesma altura que os futebolistas: por volta dos 35 anos. E um troféu em cuja história o mais novo campeão se consagrou aos 18 anos - menos 34 do que os 52 de Mike Smith.
Michael Earl Smith nasceu no Novo México, Sul dos EUA, filho de um jóquei menor, George Smith. Os pais divorciaram-se era ele pouco mais do que um bebé de colo, o que o levou a ser criado na quinta do avô materno, onde começou a montar aos oito anos. Aos 11, aderiu às corridas. Aos 16, obteve a licença de profissional e abandonou o liceu, com o avô paterno como agente. Primeiro, correu no circuito do Médio Oeste, cirandando entre cidades como Chicago, Omaha ou Hot Springs.
Mike E. Smith, o homem que pulverizou o recorde de veterania na triple Crown
Depois, deu o salto para Nova Iorque, em busca da glória. E atingiu-a. Entre 1991 e 1993, não houve no Nordeste um só jóquei que pudesse equiparar-se-lhe: ganhou respetivamente 330, 297 e 313 corridas. Inclusive, venceu uma clássica europeia, feito raro para um norte-americano: o Irish 2000 Guineas de 1991. Nunca esteve perto de conquistar o que veio a conquistar agora, mas por outro lado granjeou sempre o apreço de toda a gente. Em 1994, foi-lhe mesmo atribuído o Mike Venezia Memorial Award, por "desportivismo e cidadania exemplares".
Recuperado das lesões de 1998, mudou-se para a Califórnia, mas manteve-se um exemplo de dedicação e de modéstia. Quando lhe perguntavam se usava este ou aquele par de meias para invocar a sorte, como tantos colegas, respondia sempre: "Acredito em Deus, pelo que a superstição não entra nas minhas contas. Sobretudo, oro ao Senhor. E não para ganhar: apenas para conseguir correr o meu melhor." Na última década e meia, reduziu o número de corridas anuais, concentrando-se nas mais lucrativas.
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Com uma extraordinária capacidade de manter a calma sob pressão, ganhou tanto dinheiro que passou a responder pela alcunha de Big Money Mike, qualquer coisa como "Mike dos Milhões". Mas no ano passado, ao vencer em Belmont, as suas primeiras palavras, mais uma vez, foram para os outros: ainda não se tinha apeado e, com os microfones à frente, já estava a agradecer a Deus, ao cavalo, aos patrocinadores.
Os seus recordes não têm fim. E, depois de ter voltado a correr pela Triple Crown em 2019, garante que vai fazê-lo de novo em 2020...