Maiores desportos nos EUA só expandem formatos quando a competição está estabilizada. Pedem que cada estado tenha representação e dividem direitos televisivos, tudo para nivelarem por cima as competições. Têm existido poucas falências ao longo do tempo e cada empresa tem voto nos modelos negociais das provas.
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A Superliga Europeia nasceu, num comunicado noturno, há duas semanas e nos dias seguintes caiu por terra.
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Doze fundadores colocaram-se a par para procurar aumentar receitas através de uma competição que previa nove jogos por equipa na fase de grupos, aumentando esse número de partidas à medida que os colossos avançassem na competição.
Os organizadores tentaram colar a ideia de negócio da prova ao desporto norte-americano. A relação não é despropositada, porque a família Glazer, dona do Manchester United, possui os Tampa Bay Buccaneers (atuais campeões da NFL) e o Fenway Sports Group detém Liverpool e os Boston Red Sox (basebol), acrescentando-se o banco financiador, JP Morgan. Nesse sentido, O JOGO analisou as quatro maiores ligas dos Estados Unidos, que são igualmente quatro das cinco mais ricas do mundo (Premier League é a quarta). O futebol americano (NFL), o basquetebol (NBA), o basebol (MLB) e o hóquei no gelo (NHL) mostram que há mais diferenças do que semelhanças com a Superliga. Primeiro em termos de formato.
Na Superliga, cinco dos 20 clubes seriam rotativos sem ter sido explicado qual o verdadeiro critério de entrada, se por base no mérito desportivo ou em campeonatos mais convenientes em termos mediáticos. Nas quatro maiores modalidades norte-americanas as ligas são efetivamente privadas, ou seja, não existem relegações ou promoções, apenas expansões e mudanças de nome, em caso de alteração de patrocinadores ou falência das sociedades desportivas. A competição é estável: no hóquei no gelo (NHL), seis clubes fundadores arrancaram com a prova e já eram 18 em 1974, quando o desporto estava completamente consolidado; agora são 31 equipas em prova. Na NBA estão hoje 30 formações e a última expansão data de 2002, com a entrada dos New Orleans Hornets (hoje Pelicans). Desde 1954 que não há uma equipa da NBA a abdicar da competição, situação idêntica à do futebol americano, que não vê desistências desde 1952. O critério de expansão nos EUA tem sempre em atenção três fatores: dotar cada estado (incluindo o Canadá) de uma equipa relevante - ao contrário de uma Superliga que privilegiava três países no lote de fundadores; promover crescimentos das competições apenas quando estas estão estabilizadas e tentar que haja uma distribuição de riqueza para formar plantéis competitivos, o que no futebol só acontece na Premier League pelos direitos televisivos.
As quatro maiores modalidades norte-americanas florescem e são prova de ligas privadas com sucesso, com resultados a que a Superliga Europeia dificilmente chegaria
Todas as modalidades assinaladas estão focadas na competição. Tanto assim é que o caso do futebol americano é paradigmático, uma vez que em 1966 anunciaria uma fusão entre AFL e NFL, de modo a canalizar as atenções para uma prova só. Paulatinamente, transformou o Super Bowl no maior evento desportivo do ano em termos globais. Em 1976, a fusão com a ABA tornou a NBA dominante. No caso da Superliga Europeia, esta seria encaixada no meio de ligas nacionais e Liga dos Campeões, que continuariam primordiais.
A ligação às equipas de desenvolvimento e aos drafts - distribuição de novas estrelas entre equipas -, são outros dois pontos que distanciam as modalidades da famigerada Superliga, mas também há dois mundos na gestão das provas: nos EUA as competições têm reguladores vindos das várias franquias (não se costuma usar o termo clube), mantendo a idoneidade da competição, a luta por ganhos financeiros equitativos e play-off na maioria das decisões. Nem sequer é preciso ter vários encontros entre colossos para as provas terem rentabilidade.
Desde 1954, ou seja há 67 anos, que nenhuma equipa da NBA abdica da competição. No futebol americano, vão 69 anos sem desistências
Muito diferentes são também os financiamentos: as equipas são geridas como empresas, com tetos salariais e, mesmo sendo verdade que se exigem pavilhões e estádios acima dos 50 mil espectadores (no caso da NFL), são as receitas televisivas que fazem disparar os números: na NBA estão a ser distribuídos, em nove anos, 19 mil milhões vindos de Turner e Disney, o que fez disparar o teto salarial quando o acordo foi assinado. A NFL está perto dos dez mil milhões de euros de receita e o valor médio de cada equipa está nos 2,3 mil milhões de euros, sendo seguida por basquetebol e basebol (cada emblema vale em média 1,3 mil milhões). A distribuição de riqueza permite, em todas, uma variedade de campeões ao longo dos anos.
Na Superliga Europeia, cada equipa receberia entre 100 e 350 M€, uma ajuda face à pandemia e ao facto de o futebol ter na bilhética fonte imprescindível, que foi prejudicada pela covid-19. Esses valores superariam os da Liga dos Campeões, que distribui pelo mérito desportivo. No caso da Superliga seria uma extensão do poder económico dominante. Daí que o próprio basebol - por não ter um teto salarial, existindo equipas de galáticos face a outras mais fracas - tenha aprovado, em 1997, uma taxa de luxo para quem forme um plantel acima do valor estipulado.
Soccer longe das restantes
O futebol (ou soccer) da MLS não tem conseguido semelhante impacto nos EUA. Apesar de a lógica dos galáticos ter atraído para o campeonato nomes como Ibrahimovic, Rooney ou Beckham, as figuras mediáticas não mascaram a falta de brilho da competição. Se os direitos de transmissão da NFL ascendem os 3,7 mil milhões de euros por ano, a MLS não passa dos 91 milhões de euros, sendo apenas a 15.ª do mundo em termos de receita. E, sendo 27 as equipas em prova, há muitos estados fora da competição e nem a bilhética rivaliza com as demais.