Presidente do COI acredita que tensões geopolíticas tornam Jogos Olímpicos mais relevantes
As tensões geopolíticas estão a tornar os Jogos Olímpicos mais relevantes, defendeu o presidente do Comité Olímpico Internacional, reiterando que a missão do organismo é contribuir para a paz e não sancionar atletas inocentes.
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“Estas tensões estão a tornar os Jogos Olímpicos ainda mais relevantes e importantes. […] Quanto maiores forem estas tensões, mais importantes são os Jogos Olímpicos e isso foi percetível em Paris”, notou, em entrevista conjunta à agência Lusa e à RTP.
Para Thomas Bach, o facto de Paris'2024 ter congregado os atletas de todos os comités olímpicos nacionais foi também “uma mensagem que o mundo esperava”.
“Pudemos experienciar isso ainda antes dos Jogos: sempre que falávamos com alguém ou as pessoas nos paravam na rua diziam ‘façam acontecer [os Jogos], por favor. Mostrem que ainda há algo que nos une’. E o mesmo aconteceu depois na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. Nunca recebi tantos cumprimentos e agradecimentos por realizar os Jogos”, revelou.
Os Jogos Olímpicos são sobre desporto, recordou, mas também sobre a promoção dos valores desenhados por Pierre de Coubertin, fundador do movimento olímpico. “Pierre de Coubertin criou-os numa Europa beligerante para promover a paz e foi precisamente o que fizemos agora com Paris2024”, pontuou.
“A nossa missão, transmitida pelo nosso fundador, é unir e contribuir para a paz, não sancionar as pessoas por aquilo que elas não fizeram. Todos devem ser punidos pelo que fazem, é por isso que sancionámos o Comité Olímpico russo, porque [a Rússia] anexou organizações desportivas no território do Comité Olímpico da Ucrânia. Essa foi a razão para as sanções. No entanto, apesar da suspensão, queríamos contar com os atletas que respeitam as regras e não são responsáveis por esta anexação”, justificou.
Bach referia-se à decisão do COI de aceitar a participação de russos e bielorrussos em Paris2024, embora sujeita a um conjunto de restritas regras, nomeadamente a de nunca terem apoiado publicamente a invasão da Ucrânia, depois de meses de pressão de vários comités olímpicos e até da própria sociedade civil.
O governo francês sempre se mostrou pouco recetivo à inclusão de russos e bielorrussos nos ‘seus’ Jogos, mas acabou por colocar na mão do COI a decisão de aceitar ou não os atletas dos dois países.
A participação de russos e bielorrussos como neutrais “funcionou”, defendeu, lembrando que os atletas “conviveram pacificamente na Aldeia Olímpica em Paris e o mundo adorou”.
“Diria que todos os que respeitem as regras podem participar nos Jogos. Isto resume-se aos atletas e não podemos permitir que por um atleta, ou 100 ou 200 num país não cumprirem as regras, os outros sejam excluídos. Isso é algo que no COI assegurámos, que os atletas não são punidos por aquilo que o seu governo, o seu comité olímpico nacional, ou um colega de equipa está a fazer. Cada atleta é uma individualidade e deve usufruir da proteção da Carta Olímpica. Este princípio foi aplicado à Rússia por diferentes motivos”, recordou, numa alusão ao escândalo de dopagem que deixou atletas russos fora do Rio'2016.
No final de 2015, um relatório elaborado pelo canadiano Richard McLaren denunciou uma rede de doping no desporto russo, que envolvia várias instituições governamentais, com a participação dos serviços secretos daquele país.
Este relatório implicou cerca de 1.000 atletas em práticas de dopagem nos Jogos Olímpicos Londres'2012 e de Inverno Sochi'2014.
Depois de o COI ter colocado a decisão nas federações de cada modalidade, muitos atletas russos foram impedidos de participar nos Jogos Olímpicos Rio'2016.
Bach prefere deixar a avaliação do seu legado à história
Thomas Bach prefere deixar para outros a avaliação dos seus três mandatos à frente do Comité Olímpico Internacional (COI), acreditando que só a história dirá se as reformas que impulsionou foram suficientemente “robustas”.
“Penso que não me cabe a mim avaliar estes 11 anos. Isso cabe aos atletas, aos comités olímpicos nacionais e às pessoas com as quais temos trabalhado nestes últimos 11 anos. De qualquer maneira, ainda tenho alguns meses pela frente [as eleições são em março] e algumas ideias. Não me tornem uma ‘carta fora do baralho’ demasiado cedo. Talvez possamos falar no próximo ano”, sugeriu.
Numa entrevista conjunta à agência Lusa e à RTP, o dirigente alemão começou por esclarecer que dirigir o COI não é um emprego, mas sim uma “paixão”, antes de evitar responder se hoje gostaria de ter feito algo diferente nos seus mandatos à frente do organismo olímpico.
“É uma pergunta muito difícil e talvez também uma questão à qual só a história poderá responder. Se numa ou outra ocasião poderia ter feito algo diferente, fosse com reformas ainda mais robustas do que aquelas que implementámos, ou se estas foram demasiado robustas… penso que serão precisas décadas e só a história o poderá dizer”, defendeu.
Campeão olímpico de esgrima em 1976 (por equipas), foi eleito nono presidente do COI em 10 de setembro de 2013, depois de um percurso no organismo iniciado em 1991.
“Neste momento, o que podemos dizer é que as reformas estão a funcionar, são efetivas e apreciadas.”, pontuou.
Sem se alongar sobre a sua liderança, Thomas Bach insistiu em evocar as reformas que implementou e que foram particularmente visíveis nos últimos Jogos Olímpicos Paris2024, que decorreram entre 26 de julho e 11 de agosto.
“Estamos extremamente felizes com Paris. Estes foram, de certa maneira, uns Jogos que nós imaginámos com as nossas reformas. Isto só pode acontecer porque estivemos plenamente alinhados com a organização de Paris2024 sobre o formato destes Jogos mesmo antes de se tornarem um Comité Organizador, ainda na fase de candidatura. Houve uma coordenação muito próxima”, enalteceu.
De acordo com o presidente do COI, os últimos Jogos foram “mais inclusivos, mais urbanos, dirigindo-se a uma audiência mais jovem”, e mais sustentáveis, numa perfeita sintonia com a “agenda olímpica de reformas”.
“Com a nossa alocação de quotas, também foram os primeiros Jogos inteiramente paritários. Dificilmente poderíamos estar mais felizes do que estamos e também pudemos perceber que o mundo apreciou esta mensagem de unidade, de conseguirmos ter atletas de todos os territórios dos 206 comités olímpicos nacionais, juntamente com a equipa olímpica de refugiados, a enviar uma mensagem tão forte de paz e unidade”, salientou
O dirigente olímpico, de 70 anos, estimou que Paris2024 foi “imensamente apreciado”, apoiando-se no facto de “metade da população do mundo” ter acompanhado o evento.
“Os atletas adoram quando são apoiados por uma grande audiência, como aconteceu em Paris e como aconteceu nos ecrãs de todo o mundo, em que as pessoas ficaram ‘coladas’ aos televisores ou aos seus telemóveis e seguindo os Jogos em diversas plataformas. Este é o ‘palco’ que estamos a criar para os atletas brilharem”, respondeu, ao ser questionado sobre se o COI não estaria mais preocupado com o sucesso entre o público do que com os atletas.
Bach refutou também a ideia de que a inclusão de novas modalidades, como o surf, o skate, o breaking, o BMX, a escalada, ou as ‘locais’ ‘flag football’, lacrosse ou squash em Los Angeles2028, desvirtue os valores do olimpismo.
“Pelo contrário. Contribui imensamente para os valores do olimpismo, que evoluíram para ser interpretados consoante os tempos. A tradição por si só não é um valor. Se organizássemos hoje os Jogos de 1896, ninguém estaria interessado. Então, os Jogos Olímpicos não seriam relevantes. De modo a mantê-los relevantes, temos de continuar a atribuir-lhes importância, particularmente para as gerações mais novas”, sustentou.
Em Portugal para participar pela última vez na assembleia geral da Associação dos Comités Olímpicos Nacionais (ANOC), a decorrer no Centro de Congressos do Estoril, Bach presidirá ao COI até março, com as eleições para a sua sucessão agendadas entre 18 e 21, na Grécia.
Bach aponta inteligência artificial como grande desafio do seu sucessor
Thomas Bach escusou-se a indicar quem apoiará na corrida à presidência do Comité Olímpico Internacional (COI), mas elegeu a inteligência artificial - mais do que as tensões geopolíticas - como o grande desafio do seu sucessor.
“Mesmo que apoiasse um, não transmitiria essa mensagem nos meios de comunicação, porque poderia ter um efeito contraproducente nas hipóteses desse candidato”, declarou, numa entrevista conjunta à agência Lusa e à RTP.
Bach vai deixar a presidência do COI em 2025, depois de cumprir o limite de 12 anos no cargo, com os sete candidatos já anunciados a terem de apresentar uma lista formal até janeiro, três meses antes da reunião eleitoral de 18 a 21 de março, na Grécia.
Embora sem querer apontar um nome, o dirigente alemão, de 70 anos, acedeu a elencar os desafios - a que prefere chamar “oportunidades” – com os quais o seu sucessor terá de lidar, nomeadamente a mudança em curso na sociedade, que será ainda “mais profunda com acelerada digitalização, particularmente a inteligência artificial (IA)”.
“Trará grandes oportunidades para o desporto, o desafio será acompanhar estas inovações na dianteira, porque apenas se o desporto estiver no ‘lugar do condutor’ do desenvolvimento asseguraremos que estas novas tecnologias estarão disponíveis para todos no movimento olímpico e não serão apenas para benefício de dois ou três países que estão bastante desenvolvidos na IA”, alertou.
Para o presidente do COI, “esta agenda olímpica da inteligência artificial e os Jogos Olímpicos de e-sports são as grandes oportunidades ligadas a riscos e desafios”.
Quanto às tensões geopolíticas, num mundo cada vez mais polarizado, Bach acredita que “podem complicar” o mandato do seu sucessor.
“Mas temos de manter-nos fiéis aos nossos valores. Quanto mais estiver em risco, mais claros temos de ser e defendê-los [os valores olímpicos]. Foi o que nós fizemos em todas estas polémicas dos últimos anos. Estou muito confiante de que o meu sucessor também o fará”, concluiu.
A sucessão de Thomas Bach vai ser decidida entre sete candidatos, quatro dos quais presidentes de federações internacionais, nomeadamente o antigo campeão olímpico britânico Sebastian Coe (atletismo), o francês David Lappartient (ciclismo), o japonês Morinari Watanabe (ginástica) e britânico Johan Eliasch (esqui).
Na lista de sete candidatos há apenas uma mulher, a antiga nadadora Kirsty Coventry, do Zimbabué, com a campeã olímpica em Atenas2004 e Pequim2008 nos 200 metros costas a tentar terminar com o domínio masculino nos 130 anos de história do COI.
Filho de Juan Antonio Samaranch, que liderou o COI de 1980 a 2001, o espanhol Juan Antonio Samaranch Jr., de 64 anos, é um dos quatro vice-presidentes do organismo e procura imitar o pai e ser eleito presidente.
Aos 60 anos, o príncipe Feisal al Hussein, da Jordânia, é o último candidato à presidência do COI, organismo do qual é membro desde 2010.