Os números não enganam: ainda há "um caminho a percorrer" para as mulheres em Portugal
Em Portugal, as mulheres representam apenas um terço dos inscritos em federações com desportos olímpicos, uma desigualdade que se reflete na representação feminina nos Jogos Olímpicos.
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Ser desportista em Portugal ainda é mais difícil para as mulheres, apesar do longo caminho percorrido nos últimos anos, sendo a maternidade uma verdadeira miragem entre as atletas de alta competição no panorama nacional.
Os números não enganam: em Portugal, as mulheres representam apenas um terço dos inscritos em federações com desportos olímpicos, uma desigualdade que se reflete na representação feminina nos Jogos Olímpicos.
A conclusão consta do estudo "ALL IN: Towards balance gender in sport", divulgado em dezembro, que revela que em "representação de Portugal competiram mais homens atletas (68%) do que mulheres atletas (32%)" nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio2016.
Valores idênticos aos deste estudo - projeto conjunto da União Europeia e do Conselho da Europa, que compilou dados até 2018 - estão plasmados no sítio da PORDATA na Internet, que apresenta uma evolução do número de "Praticantes desportivos federados: total e por sexo" desde 2003 até 2018.
Se no primeiro ano de referência, havia 376.465 federados em Portugal, dos quais apenas 70.051 (18,6%) eram mulheres, no último ano "avaliado" a proporção era já de 203.189 desportistas federadas, num universo de 667.715.
"É mais difícil [uma mulher dedicar-se ao desporto] do que se for homem, mas também é mais fácil do era há 30 anos. Portanto, havendo ainda um caminho a percorrer, há que reconhecer que o caminho percorrido já foi muito significativo. Há que continuar, há que aprofundar. Nem todos os problemas de acesso à prática desportiva alteraram a discricionariedade entre homens e mulheres, criando maiores dificuldades às mulheres. A situação está a evoluir favoravelmente, mas naturalmente é preciso continuar a trabalhar nesse sentido", notou, em declarações à Lusa, o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP).
As palavras de José Manuel Constantino encontram eco no estudo "ALL IN: Towards balance gender in sport", no qual se pode ler que 68% das federações nacionais implementaram desde 2015 medidas para aumentar o número de raparigas e mulheres a praticar desporto, tendo 36% das entidades federativas preconizado "medidas para melhorar a situação das mulheres atletas de alto rendimento".
"À nossa escala e à nossa dimensão, temos tido esse cuidado. E temos tido esse cuidado também noutros planos a que, normalmente, não se dá muita atenção. Por exemplo, a generalidade da tabela remuneratória que o COP pratica não apenas não faz qualquer discriminação entre homens e mulheres como os ordenados de topo até são [de] mulheres. Há uma distribuição relativamente equilibrada entre as pessoas que têm as chefias de departamentos, entre homens e mulheres. Há uma distribuição equilibrada nos recursos humanos. Procuramos, aos diferentes níveis de decisão, tomar medidas que não sejam discriminatórias e não sejam negativas", enalteceu José Manuel Constantino.
Uma das medidas previstas pelo COP responde a um dos mais "obstáculos" no percurso profissional de uma mulher-desportista: a maternidade.
"A nossa leitura é esta: desde que a gravidez não impeça a participação nos Jogos, a bolsa [olímpica] não é suspensa. Nunca foi, de resto. Já tivemos, que me recorde, duas situações destas e a bolsa continuou a ser concedida. E, depois, as pessoas foram aos Jogos", referiu o presidente do COP.
Para José Manuel Constantino, "seria muito penalizante para as mulheres se, por força da gravidez, e tendo possibilidades de retomar a preparação desportiva e ir aos Jogos, ficassem penalizadas por essa circunstância".
Ainda assim, no panorama desportivo nacional contam-se pelos dedos das mãos as desportistas de alta competição que conseguiram conciliar a carreira com o sonho de serem mães: as atletas Sara Moreira, Dulce Félix e Jéssica Augusto, a judoca Yahima Ramirez, a mesatenista Fu Yu ou a navegadora Inês Ponte Grancha são casos raros num setor que ainda tem "um longo caminho a percorrer" e em que as dificuldades desta "missão dupla" se acentuaram com a pandemia de covid-19.