Os quatro desportos de pavilhão dos azuis prosperam e, sem promessas infundadas, trilham o caminho da afirmação. Com os pés na terra e amor à camisola, não têm saudades da SAD do futebol
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O ano de 2018 foi atípico para o Belenenses, que anunciou a separação do clube com a SAD e respetiva equipa de futebol. O Restelo, propriedade do clube, mantém-se como a casa das modalidades e O JOGO foi descobrir como um dos emblemas nacionais mais ecléticos viveu a separação. "Serviu para nos unirmos em torno da causa belenense. O clube está a lutar contra o negócio, que é representado pela SAD e nada tem que ver com o Belenenses. Não conseguiram dividir o Belenenses", diz logo Alípio Matos, treinador do futsal, regressado ao clube após sete anos no Benfica.
Para João Florêncio, técnico do andebol, também na segunda passagem pelo clube, o caos passou ao lado e as modalidades até lucraram: "Não conhecia a Direção da SAD. Nunca houve relação. No tempo do Jorge Jesus [2006 a 2008], pintou-se uma linha a dividir o espaço entre o futebol e os restantes. Mesmo quando não estava ninguém, não se podia utilizar a pista, os tanques de massagem e a sala de musculação. Isso está ultrapassado e até temos um médico do futebol a aconselhar. Passámos a ter uma ligação afetiva entre modalidades."
João Correia, coordenador do voleibol feminino há quatro anos, indica: " [Rui Pedro Soares] não me conhecia. Já não sentimos a crispação que existia. Houve pais, mais apreensivos, a perguntarem, mas perceberam que éramos independentes. Era como num prédio de apartamentos, do rés do chão não se conhecem os vizinhos do terceiro andar."
Nas quatro modalidades de pavilhão (futsal, andebol, voleibol e basquetebol), o clube tem 2000 atletas, distribuídos por 40 escalões. O Acácio Rosa é incapaz de dar guarida a todos ao mesmo tempo. Por cada fim de semana, há 20 equipas a jogar como visitadas, que têm de ser deslocadas para outros pavilhões. Custo: 50 mil euros por ano. Nenhuma das equipas do clube é profissional; os atletas só têm ajudas de custo para as deslocações. Há 150 mil euros para o andebol, no qual Nuno Roque é o único profissional, e mais 150 para o futsal, que tem profissionais mas cedidos pelos grandes. E mais 75 mil para o voleibol e 50 para o basquetebol. Sobram ainda natação, râguebi, atletismo, triatlo e artes marciais.
O clube não está preocupado, agora que pode fazer dinheiro utilizando o Estádio do Restelo e os patrocínios. Há aspetos a melhorar, todos os técnicos confirmam, mas reconhecem o esforço para todos terem o espaço de treino, mais a confiança e a sinceridade de quem não pode dar um passo maior do que a perna. O futsal, "abaixo do que se esperava", diz Alípio, o andebol e o voleibol feminino estão na primeira divisão, todos com perspetiva de se manterem. O basquetebol sonha com a subida. Todos vivem bem sem o futebol.
Dificilmente haveria melhor jogador para conversar sobre o Belenenses: Diogo Domingos tem 25 anos, tanto de idade como de sócio, e vai na 14.ª época como andebolista dos azuis - pelo meio jogou duas pelo Sporting e uma no Boa Hora. Recorda-se de uma Assembleia Geral que acabou com momentos violentos, mas diz ter sido feita "a escolha certa" ao rasgar-se o contrato com a Codecity. Domingos fala do presente: "Está tudo a voltar ao normal. Há sócios novos e o clube mantém-se intacto". Nesses dias, teve de tranquilizar colegas: "Expliquei tudo calmamente aos jogadores. Ainda hoje digo às pessoas que não faz sentido associar as modalidades à SAD."
Recrutamento à porta de casa
João Florêncio lembra-se bem de quando dispôs de uma equipa que se batia por títulos no andebol. Lamenta a facilidade com que os grandes levaram várias figuras, o já não ter estágios para a equipa e ter de voltar de madrugada após, por exemplo, um jogo noturno em Fafe. "A Direção cumpriu sempre, não dando um passo maior do que a perna. Reforçamos o núcleo duro e procuramos jogadores que passaram pelo clube". Diz que hoje o Belém paga "coisas" de 2008 e que faltam os adeptos que tornavam quase impossível passar no Restelo.
João Correia pega no exemplo do voleibol, onde as treinadoras da formação são jogadores das seniores. A ideia, afirma, é irem "aprendendo para haver sempre jovens na principal equipa", justamente para colmatar a dificuldade de recrutamento: "Não podemos pensar em ir buscar alguém que jogue em Santarém. Temos uma de Sesimbra e precisa de intercalar boleias." A treinadora das juniores é capitã nas seniores, convivendo com as atletas que comanda.
Alípio Matos saiu da coordenação técnica do Benfica, "com equipa e condições para ser o melhor do mundo", mas está feliz pela "adaptação" e por cumprir o "bicho de voltar a treinar". "O Belenenses mudou muito. Discutimos os títulos muitos anos. Uma Taça de Portugal foi curta, mas conseguimos coisas atualmente inatingíveis", refere, ele que tem Yulián Díaz na casa do atleta. O alojamento para estrangeiros alberga cinco atletas, das várias modalidades. "O espaço é bom e é excelente partilharmos coisas", assegura, agradecido, o colombiano.
Subida do básquete pode alarmar o clube
Sérgio Ramos, treinador do basquetebol do Belenenses, fazia parte do plantel do Atlético Clube de Portugal que garantiu a subida da Proliga ao principal campeonato, mas que abdicou da vaga por dificuldades financeiras. O ex-jogador do Benfica revela como isso o afetou e espera que tal não se repita, agora que os do Restelo, segundos na fase Sul, ainda sonham com a hipótese: "Lembro-me de como ficámos frustrados. Foi algo que conversei com o presidente quando aqui cheguei. Nos últimos dois anos a situação não se colocou, mas nesta época sentimos que estamos mais perto. A realidade financeira do Belenenses é mais indicada para a Proliga e acredito que uma subida possa preocupar a Direção. Porém, isso não nos afeta. Vamos competir. Se subirmos, esperamos ter condições."