Reinhold Messner, o italiano que perdeu um irmão na montanha e depois bateu todos os recordes.
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Talvez o momento mais importante da vida de Reinhold Messner tenha, afinal, sido aquele. Há quase sempre uma tragédia na origem da glória, não há? Pois, antes de bater todos os recordes de alpinismo, estabelecendo fasquias nunca dantes (e, muitas delas, nunca depois) igualadas, Messner viveu a tragédia.
Com oito irmãos e uma irmã, nascidos todos em Bressanone, na região meridional da parte italiana mas germanófona de Tirol - hoje Região Autónoma Trentino-Alto Ádige -, habituara-se a escalar os Alpes logo no início da adolescência, na companhia do irmão Günther, dois anos mais novo. E, na manhã de 28 de junho de 1970, esse irmão com quem desenvolvera a paixão pelo alpinismo morreu-lhe nos braços.
Não nos braços: a algumas dezenas, talvez centenas de metros de distância - na verdade, foi preciso esperar 35 anos até que se pudesse determinar quantos. No final dos anos 1960, com pouco mais de 20 anos de idade, já tanto Reinhold como Günther faziam parte da elite europeia da modalidade, depois de terem subido, atravessado e dominado os Alpes (e, mais tarde, outras montanhas europeias) de todas as maneiras possíveis.
Em 2004, já com 60 anos, Reinhold Messner atravessou a pé, sozinho, o Deserto de Gobi, na Mongólia.
Convidados para acompanharem o líder de expedição Karl Herlingkoffer a escalar a vertente Rupal do monte Nanga Parbat, no limite ocidental dos Himalaias, decidiram juntar-se-lhe. A certa altura, o tempo piorou e Herlingkoffer decidiu manter toda a gente no acampamento. Reinhold Messner arriscou subir sozinho e, contrariando as instruções do irmão, Günther partiu pouco depois, atrás dele. Chegaram ambos ao topo, mas, no regresso, Reinhold perdeu seis dedos, devido a queimaduras provocadas pelo gelo. Günther perdeu a própria vida.
O processo gerou uma polémica mundial e vários processos em tribunal entre diferentes membros da expedição. O risco de Reinhold, a morte de Günther, o facto de os expedicionários não lhes terem prestado socorro - tudo isso se discutiu durante anos. Foram escritos inúmeros livros e até feito um filme, "Nanga Parbat", da autoria de Joseph Vilsmaier (2010). Ainda hoje o que se passou naquela montanha, naquele mês de junho de 1970, continua por esclarecer em definitivo. Nem a descoberta do corpo de Günther, em 2005, apaziguou a disputa. Mas a verdade é que aquela subida mudou o alpinismo para sempre.
Ao todo, realizou a solo 29 grandes expedições, embora nunca tenha gostado dessa palavra.
Chamamos-lhe alpinismo porque é disso que se trata - não exatamente de escalada, e menos ainda expedição. O modo alpino de subir é o ecológico: o mínimo de equipamento possível, se possível sem carregadores e, principalmente, sem recurso a oxigénio. E foi exatamente isso que, regressado naquele dia de primavera do acampamento de altitude na vertente Rupal, com a memória do irmão amado por único registo da sua existência, Reinhold decidiu consagrar. A partir dali, haveria de trepar tudo o que fosse possível, sem oxigénio e quase sem equipamento - tal como fizera com o irmão. O que não fosse realmente possível trepar, então morreria tentando.
E assim começou a maior aventura da sua vida: escalar, sem oxigénio, todas as 14 montanhas mundiais com mais de oito mil metros de altitude: as que já haviam sido trepadas e as que ninguém trepara ainda. Com isso, pulverizaria todos os feitos de passado. Ao pé do que pretendia fazer, Edmund Hillary, o primeiro a subir o Evereste (mas que levara para isso um mês, com o apoio de dúzias de carregadores e centenas de quilos de equipamento), e que também já escalara os Polos Norte e Sul, seria reduzido a pré-história. Reinhold só precisava de fazê-lo e sobreviver para contar a história, o que não seria fácil: a maior parte dos médicos declarava, sem hesitações, que o corpo humano não poderia aguentar tal rarefação do ar e, sobretudo, tais temperaturas. Mas fê-lo de facto. E dava outro filme.
"Expedição cheira a carregadores e equipamento", costuma dizer.
Nanga Parbat (1970) já estava. Seguiu-se Manaslu (1972), depois Gasherbrum (1975) e, ainda nos anos 70, o Evereste e novamente Nanga Parbat (1978) e o K2 (1979). Só que, nestes dois últimos casos, Messner tinha tido a companhia ou de Peter Habeler, ou de Michael Dacher e Abruzzi Spur, e, pelo menos ao Evereste, queria conquistá-lo sozinho. Em 1980, voltou a subir o Evereste, desta vez a solo - o primeiro a fazê-lo, e mais uma vez sem oxigénio. Depois, continuou: Shishapnangma (1981), Kangchenjunga, Gasherbrum II e Broad Peak (1982), Cho Oyou (1983), Gasherbrum I e Gasherbrum II (1984), Anapurna e Dhaulagiri (1985) e, finalmente, Makalu e Lhotse (1986). Todos. Às vezes com escassa companhia, mas sempre como líder da aventura. Sempre sem oxigénio.
"Para mim, ou é à alpina, ou é de maneira nenhuma"
Tornou-se um herói, mas não parou. Estabeleceu um total de dez recordes do Guinness e ainda hoje detém alguns deles. Onde agora se veem turistas a subir e a descer, naquele tempo via-se um homem sozinho, com uma mochila e pouco mais. A experiência levou-o a escrever mais de 80 livros, alguns deles best-sellers internacionais, e a criar um museu. O MMM (ou Messner Mountain Museum), em Bolzano, Itália, abriu em 2006 e já tem sucursais em seis países diferentes. Entretanto, Reinhold foi deputado europeu. Militante ecologista, elegeu-se para Estrasburgo pelos Verdes italianos em 1999, mas passados os quatro anos da praxe, voltou a casa, desapontado com a política.
Ainda vive em Bressanone, à sombra dos Alpes.