É português, treinador e trabalha no Brasil, longe dos holofotes do futebol, mas tem feito um trabalho decisivo. Apesar dos dissabores…
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Ao longo dos últimos anos, muito se tem falado dos treinadores portugueses que orientam equipas de futebol no Brasil. Porém, em 2013, outro português, Marco Vasconcelos, nascido na Madeira, atravessou o Atlântico para levar uma modalidade até então pouco conhecida naquele país, o badminton, a patamares inéditos, como três edições dos Jogos Olímpicos e diversos campeonatos Pan-Americanos. Com um palmares recheado de títulos, em singulares e pares, tanto como jogador e treinador, Marco Vasconcelos falou a O JOGO desde Paris, onde ontem arrancou o Campeonato Mundial de Badminton, sobre as expectativas na prova e o trabalho que tem permitido aos atletas brasileiros competirem ao nível dos melhores do Mundo.
Natural da Madeira, o técnico está no Brasil desde 2013 e afirma já ter sido convidado para orientar a seleção portuguesa.
Antes de ir para o Brasil comandar a seleção, Vasconcelos tinha treinado, em Portugal, em 2011, o brasileiro Daniel Paiola, então com 17 anos, a pedido de amigos. Depois, passou dois períodos no Brasil, em 2012, orientando a equipe nacional. E surgiu o convite que Marco aceitou devido ao projeto que lhe foi apresentado. “Eu queria ajudar o Badminton do Brasil. Vi que a modalidade poderia crescer em todas as áreas e o projeto da Associação Miratus foi importante, pois dali saíram vários atletas. Era o desafio de mudar a vida desses atletas, porque não se pode pensar apenas em alto rendimento, mas no futuro desses atletas e cidadãos. Não é só o badminton. Eu revi-me nele, com histórias de vida parecidas com a minha, mas também vi potencial e aceitei o desafio. Era para ficar um ciclo [olímpico], mas já passamos por três e o quarto, em Los Angeles, está a caminho”, conta.
“Sofri imenso, chorava muito todos os dias”
Para Marco Vasconcelos, o maior desafio foi deixar a família e os amigos em Portugal. Admite que foi extremamente difícil e que chorava muito todos os dias, pois tinha dois filhos – Laura, de nove anos, e Hugo, de 15 – e questionava-se porque estava a fazer aquilo. “Não era pelo dinheiro, mas era um desfio que coloquei na minha cabeça. Sofri imenso, chorava muito todos os dias, mas depois de alguns anos compreendi que era uma missão de Deus. Deus coloca as pessoas nos sítios e eu acho que essa foi a minha missão. Ele deixou-me naquele lugar não só para o badminton, mas para o meu desenvolvimento noutras áreas e poder ajudar outras pessoas, outros atletas, outras famílias.”
Apesar do sucesso na missão profissional, o treinador admite que ela teve danos colaterais no aspecto pessoal. “A missão tem sido cumprida, mas acabei por me divorciar, por perder aquilo que eu mais gostava, que era a família. Não culpo o badminton, não culpo os atletas, não culpo a Confederação [Brasileira],nem ninguém. São escolhas que fiz, alguns erros que cometi, que hoje não faria, mas que provocaram danos colaterais em algo que era muito precioso para mim, que é a família”, assume.
Recusou convite de Portugal
Amigo de vários atletas e treinadores da seleção portuguesa, como Fernando Silva e Telma Santos, Marco Vasconcelos refere ter também um bom relacionamento com o presidente da Federação Portuguesa de Badminton, Duarte Anjo. Destacando seguir de perto a carreira de Tiago Berenger, que, aos 16 anos, é a sensação do badminton europeu, o treinador afirma ainda ter recebido um convite para a assumir a seleção portuguesa, que rejeitou por “preservar muito a ética, o compromisso, a entrega”. “Eu disse aos atletas [do Brasil] que, se um dia eu sair, eles serão os primeiros a saber. Criámos muita empatia nestes últimos anos, não seria algo bom para o meu coração, para mim, deixar esse trabalho assim”, justifica. “Mas sim, já recebi um convite para voltar para Portugal e até de outros países, mas mantenho-me fiel ao que eu iniciei e ao que quero acabar com resultados de excelência.”
Modalidade sem padrinhos nem amigos
“O badminton no Brasil não tem padrinhos ou amigos e tem que trabalhar bastante para ter sustentabilidade e visibilidade. Eu digo sempre que somos guerreiros, não só os dois treinadores que estão nos ginásios, mas toda a equipa por trás”, explica Marco Vasconcelos. “Entramos às 7h da manhã e saímos às 7h da noite. Se não fosse a dedicação de todos, não teríamos os resultados que estamos a ter”, completa, referindo que a parte técnica é o que precisa de ser melhorado, pois os atletas chegam à seleção brasileira com défice técnico.
“No Mundial, vamos tentar ganhar jogos”
O Brasil arrancou esta segunda-feira a participação no Campeonato do Mundo, em Paris, que decorre até domingo, 31. Marco Vasconcelos diz que a expectativa é a mesma de outros Mundiais: “É um campeonato mais difícil do que os Jogos Olímpicos, onde o número de atletas é restrito. Aqui [no Mundial] é maior e há mais competitividade. A nossa expectativa é a mesma de sempre, fazer o melhor possível, que para nós é ganhar jogos. Ainda não temos um atleta candidato às medalhas”
Sobre os atletas brasileiros, destaca nomes como Juliana Vieira, de apenas 20 anos; o experiente Ygor Coelho, de 28, que já participou em três Jogos Olímpicos; o Jonathan Matias, de 25; e os irmãos gémeos Deivid e Davi Silva, de 22. “Temos ainda o Isaac Batalha e o Matheus Voigt, num Mundial pela primeira vez”, acrescenta, esperançado em “beliscar alguma coisa nos jogos Pan-Americanos de 2027, em Los Angeles, e em próximos Mundiais”. “Pode não ser agora, mas o Brasil terá atletas nos pódios nas grandes competições.”