Lila Durão: "Acho que se romantiza a ideia de voltar de uma lesão muito grave"
ENTREVISTA - Lila Durão voltou a jogar esta temporada, após dez meses de recuperação de uma lesão muito grave no joelho esquerdo
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Lila Durão voltou a jogar esta temporada depois de uma lesão terrível: rotura total do ligamento cruzado anterior e rotura total no ligamento colateral medial do joelho esquerdo. Esta entrevista é um relato de um período terrível na vida de um atleta. O medo, a recuperação, as angustias, as dúvidas, o recomeço, o regresso à competição e os elogios a todo o staff do FC Porto, clube do coração.
Depois da lesão que sofreu, que sensação teve ao voltar a competir em 2024/25 ?
-Acho que se romantiza bastante a ideia de voltar de uma lesão muito grave, que se vai voltar muito melhor e muito mais forte. Eu senti que tive de me reinventar, parecia que tive de voltar a aprender a jogar voleibol, a saber o que era estar dentro de um campo. A parte individual, a técnica, isso vai-se ganhando com muito treino. Mas há coisas que, estando fora da competição, se perdem, como perceber o jogo, sentir o jogo.
Consegue distinguir a maior dificuldade que teve?
-Foi o voltar a conhecer-me, voltar a encontrar-me dentro de campo. Ainda que com uma felicidade muito grande, tive igualmente um desafio muito grande à mistura, que foi a recuperação. Parecia que em muitos momentos a felicidade de querer voltar a jogar e a vontade que eu tive durante muito tempo de voltar a jogar se viraram um bocadinho contra mim.
“Foi muito difícil lutar contra isso. A frustração de sentir que não estava ao nível que estava antes”
Como assim?
-No sentido em que tinha muito em mim a Lila que era antes da lesão, o que jogava antes da lesão e que estava a tentar encontrar essa imagem. Foi muito difícil lutar contra isso, a frustração de sentir que não estava ao nível que estava antes.
Não creio que não esteja ao nível de antes... O Miguel Coelho dizia que a Lila seria o grande reforço de 2024/25...
-Gostava que assim fosse, gostava de sentir isso mais vezes. Mas, enfim, a luta também é essa, voltar a pousar os pés no chão e perceber, “ok, também não estás assim tão mal quanto pensas”.
Pelo que se percebeu, teve um apoio muito forte dentro do clube?
-Primeiro, no próprio momento da lesão, senti um luto geral de toda a equipa, de staff e atletas. E isso foi como quem me diz: “Estás a sofrer, mas não estás a sofrer sozinha”. Elas estavam todas comigo e soube que nunca iria estar sozinha. No dia seguinte, com a surpresa da renovação e das palavras do presidente Pinto da Costa, foi como tirar um peso das costas. Porque uma lesão tão grave, num clube tão grande, pensa-se logo que não vai haver espaço para nós.
Mostraram-lhe o contrário...
-Foi um “cuida de ti, dá o máximo, porque o clube está a apoiar-te e queremos que estejas aqui connosco”. E depois o resto, o staff esteve comigo todos os dias do verão, uma coisa que nunca imaginei. Se calhar até perderam férias com familiares, amigos, namoradas, para me virem treinar de manhã e de tarde. As minhas colegas foram sempre muito presentes tanto durante a época como fora e os adeptos foram absolutamente impecáveis, desde o primeiro dia. Não tenho mesmo palavras e isso foi-me dando sempre mesmo muita força.
“A luta também é essa, voltar a pousar os pés no chão e perceber, ‘ok, isto também não está assim tão mal quanto pensas’”
A lesão trouxe-lhe algo de positivo?
-Trouxe-me um bocadinho mais de resiliência, não que não a tivesse, mas fez-me olhar para as coisas com uma serenidade maior, perceber os momentos, compreender que, se as coisas não estão a ocorrer bem, há que ter uma tranquilidade maior para lidar com esses momentos. Além disso, há um trabalho constante de construir uma base de confiança.
Mas as dúvidas relativamente ao nível de jogo mantêm-se?
-A lesão tornou-me um bocadinho mais crítica comigo mesma. O prof. Miguel [Coelho, treinador] conversa muito sobre isto comigo, diz-me muitas vezes que acabo por ver as coisas muito piores do que aquilo que são na realidade.
Miguel Coelho também foi importante neste processo, acima de tudo do recuperar da confiança?
-Bastante. O prof. Miguel está sempre a dizer que o que importa são os olhos dele e não os meus. Mas é isso, sim, acho que em muitos momentos a exigência a mais joga contra mim também, e não me permite desfrutar do que gosto tanto de fazer.
O FC Porto no coração de Lila
“O FC Porto é o meu clube de coração, é o clube da minha cidade, e tem sido o clube que, em pouco tempo, se tornou ainda mais especial, por ter apanhado a minha lesão e me ter dado tudo e mais alguma coisa para recuperar”, afirmou Lila. “O FC Porto é diferente, o FC Porto é mais caloroso e os adeptos são a imagem disso. São o carinho imenso para os atletas, mas também são a raça e a incrível força de quererem ganhar sempre”, disse.
“Objetivo é acabar lá em cima”
Com quatro campeonatos ganhos consecutivamente, o FC Porto está na luta pelo penta, mas numa competição este ano bem mais equilibrada. “O grande impulsionador disso foi claramente o FC Porto, que tem vindo a investir e a trazer cada vez mais qualidade ao campeonato. E as outras equipas, para conseguirem acompanhar-nos, tiveram de investir também. A parte boa disso é que não investiu só uma ou duas, investiram umas tantas equipas”, detalhou a passadora do FC Porto.
Há, porém, do ponto de vista das azuis e brancas, a maior dificuldade no alcançar do objetivo. “Quando se procura o caminho que leva ao título, o objetivo é que seja sempre a subir e carregado de vitórias, como, de resto, foi praticamente a imagem do ano passado. Nós sabíamos que, mesmo que jogássemos mal, acabaríamos por ganhar”, sustentou Lila, para quem “um campeonato mais competitivo traz a noção de que quem for melhor no fim de semana é quem vai ganhar”. “Isto obriga cada equipas a ser muito melhor e a estar melhor mais vezes”, explicou a atleta, afirmando claramente que o FC Porto quer cortar a meta em primeiro lugar. “O primeiro de todos os nossos objetivos é ser campeãs nacionais. Depois, ganhar a Taça de Portugal também. E não é por estarmos a passar um momento não tão positivo ou por não estarmos no primeiro lugar, como gostávamos, que deixamos de ter a conquista do título em mente. Independentemente do caminho ter uns altos e baixos, o objetivo é, no final, acabar lá em cima”, garantiu.
"É um privilégio do tamanho do mundo"
Se Lila Durão, 28 anos feitos a 1 de janeiro, viveu um período muito mau, esta época experiencia outro que lhe está nos antípodas. “Jogar a Liga dos Campeões é único. E foi uma coisa inesperada, porque não sabíamos que íamos fazer o apuramento para Champions. Quando soubemos, foi sentir que realmente era uma experiência incrível, porque nós crescemos a olhar para estas atletas contra quem temos jogado”, respondeu. “É um privilégio do tamanho do mundo o que o nosso clube nos está a proporcionar. E, sobretudo, com este staff, que é absolutamente incansável e trabalha mais do que... Provavelmente é o staff que trabalha mais neste campeonato”, atirou.
Três bolas na mesma temporada
Entre a Taça Ibérica, que o FC Porto venceu, a Liga dos Campeões e o Campeonato Nacional, as atletas do FC Porto já jogaram com três bolas diferentes. “De início, o ter que estar sempre a trocar e com poucos dias de preparação, afetou”, comentou Lila. “Inicialmente foi um desafio para nós, quase que olhávamos para aquilo como algo a que tínhamos de nos habituar, a esta nova bola do campeonato, não a da Mikasa, que é a melhor e era a que se usava”, referiu a distribuidora, assegurando: “Esta bola é diferente, no toque, no serviço, no ataque, toda a gente sente que é uma adaptação muito diferente”, reagiu.