Iúri Leitão: "Salvou-me um atleta japonês que me emprestou os sapatos dele"
Conversas com Campeões - Ciclista português esteve ontem na Torre Lidador, na Maia, para recordar as duas medalhas conquistadas nos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris
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Iúri Leitão, campeão olímpico nos Jogos de Paris’2024, ao lado de Rui Oliveira, foi o terceiro convidado do ciclo de “Conversas com Campeões”, na Maia, para assinalar os 40 anos do jornal O JOGO. Durante cerca de uma hora, o ciclista recordou o muito que pedalou até chegar à Aldeia Olímpica, no verão, quando, finalmente, cumpriu o sonho antigo de competir nos Jogos Olímpicos e os anos em que, ainda criança, assistia a esta competição pela televisão. Nessa altura, as medalhas já o encantavam, mas, assim que aterrou em Paris, preferiu nem sequer pensar nelas.
“O sonho de ser atleta olímpico era grande e ser medalhado também. Tinha noção de que estava na minha melhor forma, mas, antes de ir aos Jogos, nem queria pensar em medalhas para não ser demasiado ambicioso. Só pensava em representar o país, e isso já era muito emocionante”, destacou o atleta de 26 anos.
Houve, depois, emoções bem mais fortes e episódios caricatos pelo meio. Por exemplo, o do treino que antecedeu a prova que lhe valeu a medalha de prata. Iúri contou que se esqueceu dos sapatos no quarto e não havia tempo para os ir buscar. “Salvou-me um atleta japonês que me emprestou os dele”, confidenciou. O número nem sequer era o mesmo, mas isso não o impediu de ensaiar bem a conquista da prata no Omnium, a primeira prova, esta individual, em que participou. O atleta japonês, amigo na hora difícil em que lhe faltaram os sapatos, acabaria por se juntar à festa pela medalha. Já Iúri, apesar de feliz, teve de se conter nos festejos . “Não havia tempo. Competi numa quinta-feira e tínhamos a segunda prova no sábado. Cheguei ao quarto e só queria dormir, mas o Rui [Oliveira] estava supereufórico. Foi difícil convencê-lo a descansar, mas lá consegui”, revelou.
Mal sabiam o que os esperava: a medalha de ouro em Madison (prova de pares), após final de loucos em que um sprint de Iúri chegou aos 75 km/h. A festa, então sim, foi mesmo a dobrar.
“Fair-play” de ouro valeu prata
Numa conversa em que aproveitou para recordar a primeira página de O JOGO que tinha estampada a dupla de ouro com Rui Oliveira, Iúri Leitão refletiu também sobre o momento em que escolheu abdicar daquela que poderia ter sido a segunda medalha de ouro em Paris, se não tivesse esperado que o adversário se levantasse para recomeçar a corrida Omnium. O gesto de “fair-play” valeu-lhe não só a prata, mas também um prémio de ética desportiva, distinção que, admitiu, nunca esperou receber. “Tendo em conta que o ciclismo de pista é bastante agressivo, e que somos até comparados a lutadores de boxe, não contava. Mas fiquei muito orgulhoso por ter conseguido”, afirmou, para acrescentar que voltaria a fazer o mesmo. “Se tivesse tomado a decisão contrária não estaria tão orgulhoso da prata. Quando o francês se levantou continuámos uma luta mano a mano. Não era momento de atacar. Não era o justo”.
Sorte sem “medalhas defeituosas”
As medalhas olímpicas continuam a ser destaque mais de meio ano depois da edição, em especial as de bronze, que, segundo vários atletas, saíram “defeituosas”. À data de ontem, a Casa da Moeda francesa admitiu ter recebido 220 pedidos de substituição de medalhas, uma vez que se deterioraram em poucas semanas. Nisso, Iúri Leitão até teve sorte: a de ouro, por enquanto, está impecável. Já a de prata, confidenciou, está “ligeiramente lascada”. “Não as vejo há algum tempo. Até as tenho guardadas para não se estragarem”, revelou. A judoca Patrícia Sampaio foi uma das atletas que admitiu equacionar a troca da medalha de bronze.