Família Costa, agradecimentos ao Sporting e o temperamento do pai: "Já pedi calma e a coisa não corre bem..."

Martim, Ricardo e Kiko Costa
Mário Vasa
PARTE III - Ricardo Costa questiona quem pagaria por um atleta lesionado e um menino de 15 anos. Com passado forte no FC Porto, jogador, treinador, Dragão de Ouro, o técnico fala a O JOGO na coragem que os verdes e brancos tiverem numa aposta de risco, lembrando que não eram ninguém.
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"Se olharmos há quatro anos e meio, e podemos olhar do ponto de vista individual, eu podia pensar que era um treinador fantástico, eles acharem que poderiam ser os melhores do mundo, mas não éramos nada disso", sublinha Ricardo Costa, sabendo perfeitamente o que vai dizer a seguir. "Temos de estar agradecidos ao Sporting para a vida, porque, pergunto eu, quem se atravessa e paga o dinheiro que pagaram para trazer um miúdo que acaba de ter uma lesão gravíssima? Não conheço nenhuma equipa que se atravesse. E depois ir buscar um menino de 15 anos e pagar", enaltece, fazendo questão de deixar uma nota: "Seria quase pecado não referir aqui o nome do Carlos Carneiro, um grande diretor, todos sabemos como ele era competitivo e como, entre muitas outras, com essa característica nos ajuda. Depois, Miguel Afonso e o presidente Varandas são também determinantes".
"Não foi um desespero do Sporting, acho que acreditaram realmente em nós. E nós mudamos a nossa vida, o que não era fácil, porque estávamos estáveis no Porto, não precisávamos de entrar em loucuras. Tinha o meu trabalho, tinha a minha equipa e eles também. Foi porque nos fez sentido naquele momento", explica, olhando para a mulher: "Se calhar fez sentido a todos, menos à Cândida, o que é normal. Não vinha para aqui fazer nada e, no sentido profissional, teve de colocar a vida dela completamente de lado e é natural que uma pessoa tenha que viver também a sua própria vida e não estar sempre a colocar a vida dos outros à frente. Também temos de ter bem a consciência do que a Cândida fez para nós".
Resiliente, trabalhador e bastante dedicado
O sucesso estrondoso que o andebol do Sporting vive, em particular de há três temporadas a esta parte, não era, porém, algo seguro na cabeça do treinador dos leões. "Dizer pragmaticamente que isto, isto e isto ia acontecer, não. Mas sou uma pessoa resiliente trabalhadora não acho que seja o melhor treinador do mundo, mas acho que nenhum treinador trabalha e se dedica mais do que eu. E, por isso, confio na minha capacidade de trabalho e em aliar a capacidade de trabalho a ter bons jogadores, a ter um clube que deixa trabalhar, que respeita o trabalho e apoia, independentemente de, no primeiro e no segundo ano, não termos conseguido ganhar o campeonato, apesar de termos estado muito perto. Ajuda bastante", comenta o treinador, em retrospetiva. "Ganhámos sempre um troféu, é verdade, mas podia ser considerado pouco, podiam interpretar algo como "nós queremos é ser campeões" e eu acho que um treinador precisa sempre de ter uma estrutura que acredita naquilo que ele faz e eu acredito muito no meu trabalho, sempre acreditei. Em todas as equipas onde estive atingi bons patamares. Mas no desporto só ganha um e não dois, por isso, quando não ganhamos, não significa que as coisas estejam a ser mal feitas, os outros são melhores do que nós e temos de correr para melhorar, para sermos mesmo melhores. É nisso que temos estado a trabalhar", elucida.
O ponto de rebuçado na Liga dos Campeões
O Sporting venceu os últimos oito troféus jogados em Portugal - Taça de Portugal de 2022/23; Supertaça, Campeonato e Taça de Portugal 2023/24; Supertaça, Campeonato e Taça de Portugal 2024/25; e Supertaça 2025/26 -, mas as atuações vibrantes e os triunfos na Liga dos Campeões é que têm espantado a Europa. "No início, as competições europeias eram mais difíceis e estávamos na Liga Europeia. Fomos aprendendo e crescendo, eu também fui crescendo como treinador, porque achava que, à medida que os nossos atletas se iam tornando os melhores dos melhores, eu também tinha que ser dos melhores para os poder continuar a ajudar, senão ficava curto enquanto eles cresciam", reflete. "Todos nós temos feito para que possamos evoluir enquanto clube, enquanto treinador e grupo de atletas, até porque, e isto é importante, todos os jogadores que fomos buscar não eram estrelas, nenhum. Todos os jogadores que fomos buscar, qualquer clube português podia ter ido buscar, todos. O Edy [Silva] estava no Brasil, o Moga no Póvoa, o [André] Kristensen no Drammen, o Orri [Thorkelsson] no Elverum, o Kiko estava no Avanca, o Martim não jogava no FC Porto... Um conjunto de jogadores em que acreditámos e contratámos. Até poderia dar mais exemplos, da malta que veio do Granollers... Todo este crescimento, diria quase orgânico, de identificarmos boas pessoas para o projeto, é essencial", termina Ricardo.
Uma equipa que emociona e uma palavra proibida
"Posso dizer, porque toda a gente vê, o Sporting não joga a passo. É uma equipa rápida, não dá bolas por perdidas, luta como ninguém, o Sporting é uma equipa que emociona, que gosta de estar por cima e de dominar", descreve Ricardo. "Temos tudo para sermos uma das melhores equipas do mundo", afirma o técnico, para explicar uma chave mestra do trabalho. "Nós jogamos assim treinando todos os dias com essa ambição. Primeiro ambicionando a sermos, depois transformando a nossa ambição em algo do dia a dia, e o próprio treino será ainda mais duro do que a própria competição. Porque, sempre que a competição é mais dura do que o treino, vamos ter problemas na competição, por isso é um treino de exigência máxima, com cultura de exigência. É melhor perguntar se eu me aborreço algumas vezes com eles ou se sou um treinador super calmo, que os deixo à vontade, que gosta de calma", sugere, mas continuando sem parar: "Aliás, eles sabem que a palavra calma mata-me. Sabem que uma coisa é paciência, outra é calma, porque a paciência é eu estar intenso à espera de alguma coisa, mas quando estou calmo, é porque não se passa nada e aqui passa-se sempre alguma coisa".
"Eu já pedi calma ao meu pai e a coisa não corre bem", ri-se Martim. "Um atleta que lhe peça calma, ele passa-se da cabeça, só vendo, é difícil descrever, ou no balneário, nos intervalos, que são sempre complicados", revela. "Também já pedi calma, mas já nem digo, que é para ele não se chatear comigo", atira Kiko. "Eu não uso nenhuma palavra, nem peço nada, treino como ele quer, é o melhor, mas também é só assim que eu me vejo a treinar. Às vezes exagera, mas é treinador, ele é que manda, é assim que tem que ser", diz ainda Kiko.
