Equiparar o golfe aos cuidados de saúde, alimentação, transportes ou informação só é possível no país de Donald Trump
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Qualquer sondagem nos Estados Unidos coloca o golfe na sexta ou sétima posição entre os desportos mais populares, mas, em período de confinamento da pandemia, a modalidade de Tiger Woods constitui uma exceção: é a única que continua a ser praticada na maioria dos estados, em 19 deles sem qualquer restrição e noutros 14 obrigando os jogadores a cumprirem regras de distanciamento.
A exceção obrigou, em vários casos, os governadores a incluírem o golfe na lista das "atividades essenciais", ao lado de serviços de saúde, alimentação, transportes, bancos, correio ou jornalismo. Vários campos fecharam por iniciativa própria, mas também há registo de um que continuou a operar na Califórnia apesar das ordens de encerramento. Uma pesquisa efetuada esta semana concluiu que um total de 44% continuava a funcionar e que, nos estados do Sul, essa média era de 80%.
Tratando-se do país mais afetado pela pandemia - 525 559 infetados, 20 304 mortos e 11 053 doentes em estado grave -, a medida tem gerado polémica, mas a verdade é que mesmo Nova Iorque, o estado que leva 180 mil casos, só há uma semana fechou os "greens". A Florida, onde o governador Ron DeSantis utilizou a regra da "atividade essencial" mas obrigou os jogadores ao distanciamento, aguentou esta semana o escândalo gerado por uma reportagem da ABC que mostrava dezenas de jogadores em animado convívio no Pelican Golf Club, em Belleair.
Vários estados norte-americanos colocaram o golfe na lista das "atividades essenciais", permitindo a sua prática, embora como lazer, em muitos casos sem qualquer regra de distanciamento
Em Nova Iorque, o convívio num campo que anunciava com pompa "Estamos abertos apesar da crise de saúde", deixou o governador Andrew Cuomo em desespero: "Há um desleixo nas regras de distanciamento e isso é inaceitável. Há gente a morrer!" Mas a realidade é que a controvérsia não é muita - nem os Estados Unidos são caso único, pois, na Suécia e Dinamarca, também há campos abertos. Além da popularidade da modalidade, a maioria dos americanos olha o golfe como um desporto seguro, pois não existe contacto físico ou partilha de material, sendo possível manter o distanciamento.
Poderá alegar-se que isso também é possível no ténis, mas aí as explicações levam a outros motivos para esta exceção: o golfe representa 77 mil milhões de euros nos EUA, gerando mais de dois milhões de empregos; o seu poder permitiu ameaçar com advogados e a Quinta Emenda em caso de encerramento; por último, consta-se que Donald Trump quer ir jogar... em segredo.
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Wisconsin mantém-se inflexível e Ohio a restringir "migrações"
o estado do Wisconsin, uma petição assinada por mais de 65 mil pessoas sugeriu manter o "golfe vivo" através do encerramento de clubes, de pagamentos eletrónicos, da retirada das bandeiras que delimitam os buracos e de banir o uso de carro, mas nem assim o governador Tony Evers levantou a proibição da prática da modalidade à conta do incumprimento das regras sanitárias por parte dos participantes.
A oriente, no Michigan, o poder local começou por autorizar a prática de golfe, mas quatro dias depois virou a agulha e encerrou os seus campos. A decisão levou a um fluxo migratório de golfistas rumo ao vizinho Ohio, que não proibiu a prática da modalidade. Contudo, a polícia estatal tem restringindo a entrada de pessoas vindas do Michigan para jogar golfe na cidade fronteiriça de Toledo, cujo campo só pode ser utilizado por cidadãos residentes no estado do Ohio.
QUATRO QUESTÕES A MIGUEL FRANCO DE SOUSA
Presidente da Federação Portuguesa de Golfe
1 - Faz algum sentido manter a atividade deste desporto (golfe) num dos países mais afetados pela pandemia da covid-19?
"Não creio que os EUA sejam um exemplo em termos de gestão desta pandemia. Desde a primeira hora que foi desvalorizada pelo seu presidente e só mais recentemente é que tem vindo a reforçar as medidas. Em Portugal, temos controlado a situação de uma forma aparentemente positiva e isso deve-se ao facto de haver aqui uma obrigatoriedade de confinamento e distanciamento social que é um imperativo para qualquer atividade. O encerramento dos campos de golfe, à semelhança de qualquer outra modalidade, é absolutamentre imperativo.
Neste momento, não há lugar para lutas românticas de querer manter a atividade em funcionamento. Temos é de trabalhar em conjunto para que, como sociedade civilizada e empenhada, possamos dar a resposta mais positiva possível."
"Se os campos estiverem encerrados até maio a quebra será de 60%"
2 - Houve da parte de Donald Trump um certo capricho para satisfazer uma franja da sociedade?
"Não sei se é um capricho. Que é uma pessoa caprichosa, é. Irresponsável? Também tem demonstrado ser. O que nos deve preocupar é que todos adotem medidas idênticas para evitar a propagação da covid-19. Se isto não for tratado à escala global nunca iremos resolver o problema. Não se justifica. O número de praticantes é excecionalmente reduzido. Curiosamente, os mais jovens estão mais aptos a jogar e defendem que os campos deviam estar abertos. As pessoas mais velhas não têm esse entendimento. A abertura de um campo de golfe coloca a saúde pública dos jogadores e dos colaboradores em risco."
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3 - Já se pode fazer uma projeção do regresso do golfe à competição em Portugal?
"Estamos dependentes das prorrogações dos estados de emergência. Fizemos já um apelo ao Governo para que o golfe seja das primeiras modalidades a ver retomada a sua atividade, obviamente com condições. O golfe é uma modalidade praticada ao ar livre, não exige contacto entre os praticantes e o contacto com os colaboradores pode ser minimizado. No momento de alívio das medidas de contenção, esperamos que o Governo tenha em conta os nossos procedimentos. Além da satisfação dos praticantes, de todas as idades, não nos podemos esquecer do peso que o golfe tem na economia. Cerca de 80 por cento das provas jogadas em Portugal é composta por estrangeiros, que neste momento estão impedidos de viajar para o nosso país."
4 - Já foi avaliado o impacto financeiro causado pela pandemia no golfe?
"Estávamos a entrar no pico da época alta. No Algarve, estamos a falar dos meses de abril, maio e parte de junho como os meses mais importantes. Vamos estar com receitas zero em todos os campos de golfe do Algarve. Os de Lisboa vão ser afetados, mas a maior parte são clubes e têm um estrutura associativa que lhes permitiu encaixar as quotizações dos sócios e mitigar o impacto que esta pandemia está a ter na tesouraria. Os campos de golfe têm custos elevados de manutenção, à volta de 750/800 mil euros por cada campo. Se esse valor não for garantido, podemos entrar numa situação de degradação total dos campos e o custo da recuperação tornar-se-ia quase insuportável para a maioria dos clubes de golfe e campos nacionais.
Aliás, se os campos se mantiverem encerrados até maio, teremos quebras na ordem dos 60 por cento. Nesta altura, temos cerca de 80 por cento dos trabalhadores em lay-off. Vamos recorrer à tutela para que os campos de golfe, tal como outras indústrias ligadas ao turismo, possam recuperar o parque de instalações e retomar a atividade normal. Além disso, pretendemos que haja uma revisão do IVA, que tem vindo a complicar a vida dos operadores de golfe em Portugal. A ideia é que seja reduzido à taxa mínima."
NÃO SAIA DE CASA, LEIA O JOGO NO E-PAPER. CUIDE DE SI, CUIDE DE TODOS