Esgueira é mais do que uma sensação, mesmo com orçamento curto e faltas devido ao trabalho
Com presença diária nas escolas, o clube aveirense é o que tem mais inscritos na respetiva associação pelo terceiro ano, tendo a subida dos seniores ao escalão máximo gerado ainda mais entusiasmo
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Após 18 anos de ausência, o Esgueira voltou esta época à Liga Portuguesa, na qual tem sido uma das equipas a causar sensação, tendo chegado até a ser terceiro classificado durante a fase regular. Apesar da quebra final, que a relegou para o Grupo B da etapa intermédia, estando agora a lutar pelas últimas duas vagas para o play-off, a formação da segunda maior freguesia de Aveiro não deixou de ter desempenhos inesperadamente positivos, além de o regresso ao topo ter recolocado na ribalta um dos públicos mais fervorosos do panorama nacional.
Mas o emblema fundado em 1956 tem mais motivos para ser uma referência e, fazendo jus ao nome (Clube Povo de Esgueira), existe ali uma forte preocupação social. Prova disso é que ao final do dia, altura em que O JOGO visitou o Caldeirão Verde, vários atletas chegam em grupo diretamente da escola, acompanhados de um treinador.
"Fazemos parte de um projeto que é o Complemento de Apoio à Família. Antes do horário escolar [das 7h30 às 9h00] e depois [das 17h30 às 19h00] estamos na escola com as crianças, quando os pais não têm onde as deixar, fazemos ocupação e depois encaminhamo-las para os treinos. É assim que têm contacto com o clube, é uma forma de recrutamento", explica o coordenador da formação, Francisco Morais, notando que, numa terra de basquetebol, "muitos jovens que aparecem já têm contacto com a modalidade através de algum parente". "Mas ultimamente, fruto de maior visibilidade, recebemos gente de outras freguesias e que nem sequer tinha qualquer ligação", contrapõe.
Com cerca de 300 atletas, o Esgueira é o clube com mais inscritos na Associação de Basquetebol de Aveiro pelo terceiro ano consecutivo e o que tem mais crianças no minibasquete pelo segundo. Um motivo de orgulho para o presidente Jorge Caetano, que, mesmo assim, se diz consciente de que "ter muitos atletas não significa que se faça um trabalho melhor". "Acho que trabalhamos bem, mas ainda temos muito para atingir. A nível distrital, fomos a todas as fases finais no feminino, não fomos a nenhuma no masculino, isso quer dizer que temos de melhorar", defende o dirigente, no cargo desde 2010 e tendo no historial 21 anos como jogador no clube.
A subida da equipa sénior fez aumentar o número de sócios, mas também trouxe mais exigências financeiras. "O nosso orçamento é de 300 mil euros na totalidade, tendo subido de 240 mil do ano anterior. Para os seniores, são cem mil euros, o valor mais baixo da Liga. Num ano como este, pedimos às pessoas que paguem as mensalidades, que mesmo não estando direcionadas para os seniores, são uma fatia muito importante na nossa sustentabilidade. Todos têm colaborado, mas se houver algum caso em que não possam pagar, ninguém deixa de jogar no Esgueira por causa disso", assegura Jorge Caetano.
Crise e um projeto mal concretizado
Associado à história do Esgueira, que se estreou na I Divisão em 1987/88, está o Aveiro Basket, uma sociedade desportiva criada em 1997 e sob a qual festejou a Taça da Liga dessa época. Um ano depois foram integrados mais dois emblemas do distrito, o Beira-Mar e o Galitos. "O Aveiro Basket estava bem idealizado, mas foi mal concretizado. Os clubes tinham identidades próprias e foi difícil tornar isso numa ideia única. O facto de o Aveiro Basket, que usufruiu do direito desportivo do Esgueira, deixar de jogar aqui e ir para o Pavilhão do Galitos [em 2000] fez com que caíssemos. Os miúdos gostam de estar onde estão os ídolos e o Esgueira sofreu", recorda Jorge Caetano, aludindo também aos anos da crise económica, que forçaram a desistência da Proliga, em 2009. O recomeço, no escalão mais baixo (CNB2), deu-se em 2010/11 e logo com o título.
Seniores com regresso positivo
Ao ser finalista da Proliga na época passada, o Esgueira garantiu um lugar na Liga Portuguesa, cumprindo-se o repto que o técnico Pedro Costa tinha lançado ao presidente há uns anos. "Já tinha subido enquanto atleta e, quando a Direção me propôs começar de baixo, fiz um desafio ao presidente, que é meu amigo pessoal e com quem joguei: íamos colocar o clube na Liga", lembra o treinador, que faz um balanço positivo da temporada, atendendo até às dificuldades. "Não conseguimos recrutar jogadores portugueses, ficámos com os que já tínhamos e não havia qualquer hipótese de contratar estrangeiros que já tivessem estado na Europa. Tivemos de fazer outro caminho e escolher jovens que querem mostrar valor", explica, reconhecendo que "o plantel é curto e, se alguém se lesiona, há problemas".
Para compensar, os jogos em casa têm sempre lotação esgotada e muito apoio. "Somos uns privilegiados pelo público que temos. Há aí pavilhões onde não se passa nada; aqui respira-se basquetebol", enaltece.
Há quem trabalhe por turnos e jogue
Num plantel em que só os estrangeiros são profissionais, treinando duas vezes por dia, o Esgueira tem passado por várias limitações e peripécias para ir a jogo. "Quando fomos ao Algarve, o Samuel [Lóio] não foi, porque estava a trabalhar de noite. O Bolon [Sauané] saiu às oito da manhã, mas foi ter connosco e jogou. Tudo isto é precário e a mim, como treinador, às vezes deixa-me um pouco frustrado, mas também sabíamos com o que contar neste primeiro ano. Se nos mantivermos, poderemos ter melhores condições no futuro", afirma Pedro Costa, que é professor de Educação Física. "Era impensável para mim viver apenas do basquetebol. Neste momento há três/quatro clubes que se podem dar ao luxo de ter um treinador a tempo inteiro, o resto não consegue", constata o técnico, já com 30 anos de experiência.
Um piso carregado de história, um público especial e fervoroso
Todos os fins de semana, quem joga no pavilhão do Esgueira, conhecido como Caldeirão Verde e inaugurado em 1983, fá-lo num piso, no mínimo, emblemático. "Foi usado no campeonato da Europa de 1993, na Alemanha. Nesse ano, o Esgueira comprou-o por 12 mil contos [60 mil euros]. É um privilégio ainda o ter, tentamos preservá-lo o mais que podemos", conta o presidente Jorge Caetano, dando ainda uma explicação para o ambiente que se vive nas bancadas a cada partida: "As pessoas de Esgueira conhecem o jogo. Por vezes até são críticas com arbitragens porque sabem exatamente o que está a acontecer dentro do campo."