Portugal tem como objetivo declarado tornar-se um dos 15 países mais ativos da União Europeia, mas deixou o desporto de fora da primeira versão do Plano de Recuperação e Resiliência, cuja consulta pública termina amanhã. Dirigentes ainda acreditam que documento definitivo a apresentar em Bruxelas mude, caso contrário tratar-se-á numa oportunidade perdida, com grandes danos
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Face ao dinheiro perdido pelo desporto (ainda por calcular ao certo) com a pandemia, à quebra no número de praticantes (a rondar os 65 por cento no conjunto das principais modalidades coletivas) e na atividade física e ao prejuízo de uma geração afetada por duas épocas perdidas, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) era a grande esperança do movimento associativo português, mas as expectativas acabaram goradas.
O documento sobre a "bazuca" de 13,9 mil milhões de euros em subvenções e 2,7 mil milhões de euros em empréstimos a Portugal até 2026 para levar a cabo 36 reformas e 77 investimentos não contempla nenhuma menção ao desporto, o que originou reações dos organismos com propostas, isto quando resta um dia para o fim do prazo de consulta pública.
O Comité Olímpico de Portugal (COP) emitiu um parecer em que demonstra como o sector podia integrar seis das 19 componentes do PRR, sugerindo novas medidas, ou reforçando outras pelas quais se tem batido ao longo do ano, como é o caso do Fundo Especial de Apoio ao Desporto, enquanto a Confederação de Desporto de Portugal (CDP) remeteu para amanhã uma resposta "incisiva e direta" à primeira versão.
As cinco federações com modalidades coletivas (andebol, basquetebol, futebol, patinagem e voleibol) também elaboraram uma proposta conjunta com oito medidas distribuídas por cinco pilares, algumas enquadradas também no novo Quadro de Financiamento Plurianual 2021-2027, ao abrigo do qual Portugal vai receber 40 mil milhões de euros. Já a Federação Portuguesa de Ciclismo publicou uma carta aberta em que classificou o PRR como "uma oportunidade perdida". A Comissão de Atletas Olímpicos falou num "adensar da inquietação" perante a ausência de referências.
De fora do Programa de Estabilidade Económica e Social, o desporto acabou por entrar na versão final da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação de Portugal 2020-30 de António Costa e Silva, o que parecia tornar improvável um novo esquecimento, que acabou por acontecer e gerar indignação, ainda para mais tendo o país o objetivo declarado de entrar no lote dos 15 países mais ativos da União Europeia na próxima década. Em 2018, era último pelo Eurobarómetro, em igualdade com Grécia e Bulgária...
"Já é a terceira vez que acontece. Trata-se de uma desvalorização política, o desporto não dá votos. A única preocupação é, quando há um resultado desportivo relevante, associarem-se a ele. Não precisamos disso", atira o presidente da Federação Portuguesa de Canoagem, Vítor Félix, enquanto o líder da Confederação de Desporto de Portugal, Carlos Paula Cardoso, critica o facto de "um plano com nome pomposo, que se diz de todos os portugueses, deixar de fora sete ou oito por cento da população".
Exemplo espanhol como referência
Tanto o parecer do COP como o documento "Um desporto resiliente", do quinteto de federações que reagiram em conjunto, mostram exemplos de outros países da União Europeia que estão a destinar verbas ao desporto nos respetivos PRR, sendo o caso mais próximo o espanhol. Com uma bazuca de 66,5 mil milhões de euros, o Conselho Superior dos Desportos de Espanha vai ter direito a uma fatia de 700 milhões. Ainda que não reclamem por valores específicos nas propostas apresentadas, Manuel Fernandes, presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol, acredita que seria viável "ter um apoio na dimensão daquele que Espanha dá", ou seja, a rondar um por cento do total, o que, no caso português, resultaria numa verba de cerca de 139 milhões de euros.
Falando em nome das cinco federações que têm trabalhado em conjunto ao longo do último ano, o dirigente defende que "o Governo não pode desperdiçar esta suprema oportunidade de ter sustentabilidade no desporto". "Os portugueses não iriam entender que o maior pacote de medidas de sempre com o financiamento da União Europeia deixasse de fora o desporto. Isso causaria um enorme prejuízo ao país", vinca, desejando que "o Governo adote um número significativo das medidas que as cinco federações propõem, pois o desporto tem um enorme valor social, combate a exclusão e contribui para a economia". Já Vítor Félix considera "prematuro falar em valores, não havendo uma única linha a referir-se ao desporto", mas concorda com a referida fatia. "Um por cento dessa bazuca para dedicar ao desporto já era suficiente", solta.
"Tenho uma réstia de esperança"
Em virtude das críticas até de Costa e Silva, o mentor da Visão Estratégica, que funciona como uma espécie de suporte teórico do PRR, José Manuel Constantino assume ter "ainda uma réstia de esperança que a versão definitiva possa contemplar aspetos que foram desconsiderados em relação ao desporto". "Espero que, além dos contributos das organizações desportivas, o próprio sector governamental do desporto faça a sua pressão e defenda a sua dama, como se costuma dizer", completa o líder do Comité Olímpico Português (COP), estabelecendo que "é o mínimo" que o PRR tenha os dois tópicos que acabaram por ser incluídos na Visão Estratégica (promoção da marca Portugal através do desporto e Programa de Reabilitação das Instalações Desportivas).
Elaborado no âmbito de um grupo de trabalho do Ministério do Planeamento, o plano é, no entender de Constantino, "tecnicamente mal fundamentado, feito por pessoas que não têm sensibilidade para esta matéria, muito centrado nas infraestruturas, pouco na qualificação das pessoas, deixou de fora um conjunto de áreas de valor acrescentado". "Não acredito que a Secretaria de Estado e do Desporto não tenha enviado para este processo um conjunto de elementos para que o desporto fosse considerado. São decisões que estão mais acima. É evidente que aqui há culpados e há responsáveis. O responsável é quem lidera o processo, o primeiro-ministro", aponta.
Fundo extraordinário está em stand-by
Se tivessem de escolher o passo mais urgente a dar, Manuel Fernandes e Vítor Félix elegem a criação do Fundo Especial de Apoio ao Desporto. O primeiro afirma que "a primeira medida de todas deve ser intervir no presente", enquanto o segundo lembra que "não há receita que entre nos clubes nesta altura". A verba extraordinária até já foi anunciada pelo secretário de Estado da Juventude e do Desporto, mas "não se sabe qual é o valor, em que condições é que se tem acesso e quais são os critérios da sua distribuição", conforme lamenta o presidente do COP, que também sempre se bateu por este fundo. "Desde maio do ano passado, nós temos andado a balizar um valor na ordem dos 13 milhões, reforçaria a dotação anual para o tecido associativo, que em 2020 rondou os 32 milhões, mas é um valor insuficientemente sustentado por dados rigorosos relativamente ao impacto", explica. Por isso, está em marcha um estudo para se descobrir quantos milhões o desporto já perdeu desde o início da pandemia, conforme foi aprovado na Cimeira das Federações, mas até para isso não há meios financeiros... "Falta encontrar dinheiro para o pagar, a realidade é essa, mas a nossa intenção é fazê-lo", finaliza Constantino.
As principais propostas
Comité Olímpico de Portugal
• Desburocratização das relações do movimento desportivo com a administração pública
• Revisão do regime jurídico e proteção da atividade do dirigente desportivo benévolo
• Discussão sobre o conceito do desporto e auxílio das estruturas federativas na transição digital
• Revisão do modelo de financiamento do desporto nacional
• Promoção de incentivos à atividade física e desportiva no tecido empregador
• Revisão da posição do ordenamento fiscal
• Reforço de outras medidas apresentadas ao longo do ano no combate à pandemia (ex.: Fundo Especial de Apoio ao Desporto)
Grupo das cinco Federações
• Criação de um Fundo Especial de Apoio ao Desporto
• Transformação digital em clubes, associações, federações, escolas, etc.
• Plano integrado para a atividade física e desportiva
• Promoção do emprego para jovens licenciados na área do desporto
• Investigação científica na área do desporto e atividade física
• Formação para os recursos humanos voluntários
• Construção de infraestruturas desportivas seguras e sustentáveis
• Reabilitação e Modernização do parque de equipamentos desportivos existente