Na categoria -100 kg, o judoca Jorge Fonseca esteve irrepreensível numa jornada que jamais esquecerá. Não só pelo triunfo final, mas também pelo drama vivido num passado recente
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Nascido em São Tomé, a 30 de outubro de 1992, radicado em Portugal desde 2003, Jorge Fonseca viveu mais um momento solene na vida e na carreira de judoca profissional.
O atleta do Sporting, que com apenas 11 anos, foi descoberto por Pedro Soares na escola que frequentava perto de casa, na Damaia, onde o atual treinador dava aulas, é um belo exemplo de superação!
Antes da conquista, ontem, do ouro nos -100 kg do Mundial, importa recuar um pouquinho no tempo para lembrar que, em 2015, foi-lhe detetado um tumor maligno na perna esquerda. Um cancro combatido com a mesma esperança e crença com que evolui pelos tatamis mundo fora. Na altura, considerou o apoio e o sorriso do filho - nascido quando o campeão tinha apenas 17 anos... - como fundamentais para reprimir a doença. "Esta conquista torna-se muito especial por tudo aquilo que passei. Ia treinar mesmo com um cancro e foi um momento muito duro da minha vida, causou muita frustração, provocou danos na preparação para os Jogos do Rio"2016, mas esse cancro também valorizou muito a medalha que acabo de ganhar", fez questão de descrever após o título mundial.
Na caminhada rumo ao ouro, o antigo campeão europeu de sub-23 - sucesso que considera ter mudado a forma de encarar o futuro na modalidade -, conseguiu vitórias sobre o chileno Thomas Briceno, o indiano Avtar Singh, o irlandês Benjamin Fletcher, o georgiano Varlam Liparteliani e, nas meias-finais, o azeri Elmar Gasimov (vice-campeão olímpico no Rio de Janeiro e no Europeu de 2014), logrando a vitória na final, por azari-ari, através da técnica denominada seoi-nage, sobre o russo Niyaz Ilyasov, vencedor do Mundial de juniores em 2015 e terceiro no de seniores do ano passado. Aliás, o sétimo lugar de Fonseca nesse anterior Mundial criou-lhe um (bom) espírito de revolta, consciente das capacidades em fazer melhor. Quase um ano depois, o sonho tornou-se realidade, levando-o a enaltecer o contributo do treinador/amigo Pedro Soares: "Acreditou em mim e nunca desistiu. Esta medalha é por ele, por tudo o que fez por mim. Sem ele, não seria a mesma coisa."
No berço do judo e no Nippon Budokan, pavilhão construído em 1964; estilo templo, que recebe os Jogos de Tóquio do próximo ano, o português anotou: "Só tinha ouvido o hino quando ganhei o Europeu de sub-23. Agora, sinto uma responsabilidade muito grande e o meu grande sonho é ser campeão olímpico."
Dança "Afrolusitana" para festejar
Um dos momentos mais "fora da caixa" neste Mundial foi protagonizado por Jorge Fonseca, ao festejar o ouro quebrando o protocolo no "templo do judo", mas fazendo as delícias do público, através de uma dança que chamou de "afrolusitana". "Foi para me soltar. Mostrar que me tornei campeão mundial e que trabalhei muito, mas mesmo muito, para esta conquista", disse, extasiado!
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Já deu muito que fazer à... polícia japonesa
Jorge Fonseca chegou a afirmar que se não fosse judoca profissional, gostaria de ser polícia. Vem isto a propósito de, nas várias deslocações à capital japonesa, ter sido, em duas delas, encaminhado para a respetiva esquadra. A primeira vez foi por desrespeitar um sinal vermelho para os peões, atravessando a rua. Foi parar à esquadra e pagou uma multa. A segunda "visita" a uma esquadra e consequente coima aconteceu ao ser detido, numa artéria de Tóquio, por correr em tronco nu. Já que se fala em treinar, registe-se as seis horas diárias que cumpre nas instalações do Sporting, tendo apenas o domingo como dia de folga.
"O Jorge descobriu o caminho"
João Pina, treinador do Sporting e antigo colega da Seleção Nacional e do clube, espera mais êxitos
Já foi bicampeão europeu e conhece Jorge Fonseca como poucos. Trata-se de João Pina que, contactado por O JOGO, ainda estava a "recuperar de tanta emoção". "O Jorge [Fonseca] foi muito forte e conseguiu um feito histórico, efetuando uma prova espetacular, depois de uma série de combates extremamente difíceis, mas que foram sempre geridos de uma forma que só os grandes campeões sabem fazer", destacou.
"O Jorge descobriu o caminho e acho que vai continuar a realizar grandes desempenhos", acrescentou Pina, lembrando o facto de o novo campeão mundial de -100 kg "ser jovem" (faz 27 anos no próximo dia 30 de outubro) e "ter um potencial enorme ainda por desenvolver". Relativamente a este primeiro título mundial do judo português, o treinador e antigo atleta de elite, alertou para o facto de o sucesso no Japão "confirmar o estatuto que já tinha de candidato a lugares cimeiros nos Jogos Olímpicos". Recorde-se que, há três anos, no Rio"16, Fonseca ultrapassou a fase preliminar e perdeu na primeira ronda com Lukás Krpálek, um checo que acabaria por se sagrar campeão.
"Depositamos grandes esperanças no Jorge e este era o clique que faltava. Há que continuar a trabalhar com humildade", fez ainda questão de sublinhar o "leão", rematando: "Isto também é um estímulo extra para a Champions".