Rui Pinto, um dos principais fundistas do Sporting, tem títulos nacionais na estrada e no crosse, perseguindo o sonho de ser maratonista olímpico. Mas as dificuldades são muitas
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Rui Pinto é de Felgueiras e trocou cedo o futebol por uma carreira no atletismo. Já soma mais de 20 títulos nacionais, entre crosse e estrada. Fez a primeira maratona há oito anos, para em abril passado atingir o recorde pessoal de 2h11m23s e no iníco deste mês fazer 2h13m07s em Valência. Não chegou ao mínimo olímpico, mas está a cinco lugares de se apurar para os Jogos de Paris’2024 por ranking.
A Maratona de Valência não decorreu como desejava?
-Era das ideais para tentar a marca de qualificação para os Jogos, dando margem de manobra para, se necessário, fazer mais uma. Não correu como queríamos, mas não foi tudo mau. Tendo em conta o atual sistema de ranking é importante ter maratonas com marcas atuais e perto do recorde pessoal. A marca em si não me permite estar nos Jogos, mas revela que posso atingir aquilo que pretendo.
Vai fazer mais uma tentativa?
-Ainda não está definida a maratona, mas vou tentar em abril.
O resultado numa maratona é incerto?
-Fiz o que tinha de fazer. Não sinto que a preparação tenha falhado. Fiz dois estágios em altitude, em Font Romeu, França. Mas o nosso calendário é exigente e fui cumprindo as minhas obrigações com o clube. Como o calendário não beneficia a nossa preparação, pode ter influenciado ir a um crosse exigente. Provavelmente, será a prova mais importante a nível nacional, mas se calhar paguei um pouco a proximidade entre as duas competições.
Um dos problemas dos fundistas é o excesso de compromissos?
-É dos principais, pelo calendário. Não é responsabilidade dos clubes, que dependemos deles e tenho de agradecer a minha carreira ao facto de dois grandes clubes terem acreditado em mim. Afinal, são eles que me permitem estar no atletismo e fazer o que gosto, o que é mais importante do que ir aos Jogos Olímpicos. No entanto, o calendário não permite preparar objetivos individuais, tendo uma época em que precisamos de estar em forma todos os meses.
Como é a preparação ideal de uma maratona?
-Durante três a quatro meses ter só uma ou duas provas de preparação específica. Assim é que poderemos chegar com frescura. Iniciei a época, em setembro, com um estágio, para ganhar base, e na fase mais específica, a faltar um mês, fui de novo para Font Romeu.
Esses estágios são de iniciativa vossa?
-E pagos por nós. Este ano tive uma bolsa da federação, que ajudou ao estágio, assim como um valor do Sporting, que também contribuiu. Mas agora irei fazer outro e já não há verba, será suportado por mim.
É difícil ser um atleta profissional?
-É uma opção difícil, arriscada. Fui conquistando o suficiente para conseguir estar na modalidade, mas neste momento não aconselho aos mais jovens. Recomendo terem algo paralelo ao atletismo, por ser difícil fazer disto vida. Um atleta investe muito de si e tenta fazer muito com o pouco que tem. Por vezes, não chega, porque há países com visão e condições diferentes, o que se reflete nos resultados. Estive em estágio sozinho, porque levar alguém seria ter mais custos, e vi lá seleções, como Inglaterra ou Países Baixos, com equipas completas e a preparar o Campeonato da Europa de Crosse. Depois, viram-se os resultados, foram muito melhores.
Precisa de andar a fazer contas para ser atleta?
-Passo a vida nisso. Por vezes somos criticados por corrermos esta ou aquela prova, mas temos de lá ir. Sem algumas provas comerciais, para ganhar alguma verba, não conseguimos. Algumas das corridas que faço é para depois investir.
Sporting e Benfica salvam o atletismo
Rui Pinto começou a correr no Várzea e passou pelo Benfica antes de chegar ao Sporting, há dois anos. “Sem esses dois clubes, mais o Braga, que apareceu de novo, não era possível fazer atletismo em Portugal. De todo. Não é com 100 ou 200 euros que se faz atletismo profissional. Muitos são atletas graças ao suporte familiar, as ajudas dos seus clubes não são suficientes”, diz o fundista, que “gostava de dizer algo motivador, mas a realidade é esta”.
A sua mensagem, alerta, “não é para quem está começar, mas para quem dirige”. “É aí que tem de mudar a mentalidade, são eles que têm de trabalhar mais, para aproveitar o potencial do setor”. Lúcido, explica o problema: “Por exemplo, há o hábito de criticar o futebol, porque leva tudo. Isso parece falta de visão de quem dirige. O atletismo, a nível mundial, está bem e recomenda-se. As marcas conseguem tirar proveito e desenvolver produtos, as organizações faturam como nunca. E as federações deveriam fazer um trabalho como o que se vê com o futebol feminino. Ainda não dá retorno, mas com o investimento virá a dar. O atletismo precisa que se pegue nele como um produto, se valorize e depois se venda. Isso não acontece. Passamos o tempo a falar do que fizemos, do passado, e nada se faz pelo futuro”.
O atleta do Sporting vê “miúdos com muito potencial”, mas percebe que “gastam o pouco que têm para seguirem um sonho, não tendo os portugueses as condições que permitiriam ser tão bons ou melhores do que os outros”. O fundista aponta, ainda, a “falta de referências para os mais novos”. “Já lidei com grandes atletas, tive a sorte de estar em seleções com o Obikwelu, o Rui Silva, a Jéssica Augusto...”, conta, ficando surpreendido por poder ser uma referência atual para quem vai com ele correr a São Silvestre do Porto: “Espero que seja! Não sei se sou para muitos. Tenho tentado, isso sim, ir além dos resultados desportivos e dar um exemplo. Não quero ter uma carreira só pelos resultados, mas também pela forma de estar e rigor no trabalho”.