Villas-Boas, a renovação e um jogador que gostava de ver em França: "Ui... bom..."
Treinador aborda o futuro no Marselha, admite que gostava de ver um jogador do FC Porto em França e comenta outros pontos na carreira.
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Futuro no Marselha depende do resultado de um tranquilo "jogo de ténis" com a Direção. O objetivo para 2021 é voltar a ganhar o bilhete para a Champions.
"Há uma relação de amor/ódio entre adeptos e clube. É a melhor marca do futebol francês"
FC Porto e Marselha partilham o mesmo padrão: grandes clubes, fora da capital. Isso facilita o seu trabalho?André gosta de ser contrapoder?
O problema do Marselha é que o sentimento de amor/ódio dos adeptos é demasiado intenso. Nesse sentido, não é como o FC Porto, porque não há um ponto intermédio de razão. Depois, há uma separação entre o meio de comunicação social mais forte da região e o clube, que na minha ótica, não devia acontecer. Como há essa relação de amor/ódio entre os simpatizantes do próprio clube, é fácil para os adversários tocar nos pontos mais sensíveis. O Marselha é a melhor marca do futebol francês, devia estar melhor posicionada em termos mediáticos e aproveitar esse poder de marca, mas para que isso aconteça é preciso haver uma visão de comunicação para o clube. Ora, neste momento essa não é uma prioridade da direção que dirige todas as energias para o rendimento imediato da equipa e a sustentabilidade financeira do clube, porque se encontra a responder perante a UEFA relativamente ao fair-play financeiro.
Com dois jogos em atraso, o Marselha mantém em aberto a hipótese de se recolar à frente da classificação.
Quais são as metas que traça para o clube?
- As metas serão qualificar novamente o Marselha para a Liga dos Campeões, garantindo o encaixe das receitas associadas a um apuramento direto, e corresponder às expectativas dos adeptos relativamente à grandeza do clube. Foi dessa forma que eu próprio, sem pressão da direção, estabeleci como objetivo qualificar-me, como desafio pessoal, e é dessa forma que quero viver a próxima época. Terminámos muito mal 2020. Antes, os dois jogos em atraso podiam deixar-nos em primeiro, agora vencer é uma obrigação para nos mantermos colados ao grupo da frente. O único problema é que há mais competitividade este ano. No ano passado não estava o Mónaco e o Lyon não se encontrava em termos de resultados. Este ano, temos o Rennes competitivo, Lyon, Lille, Mónaco, Marselha e PSG. E depois ainda há os outsiders, o que nos coloca alguma pressão para janeiro.
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Há algumas semanas revelou que havia conversas no sentido da renovação do contrato com o Marselha. Como está esse processo?
- Igual. As partes passam a bola uma para a outra. Devido à crise de receitas, o Marselha, quer uma reformulação de todos os contratos de trabalho do clube, da equipa técnica e do elenco desportivo, e não quer estar a posicionar-se relativamente a quanto é que vai despender para renovar um treinador. Do meu campo, passámos a nossa expectativas para o do Marselha; o campo do Marselha passou-nos as suas expectativas e nós voltámos a passar as nossas. Quando fui para França queria assinar por um ano apenas. É dessa forma que eu vejo atualmente o futebol. Não há projetos desportivos em nenhum clube do mundo: o projeto desportivo é o momento e a época. Fui obrigado a assinar por dois anos, porque é a lei francesa que o obriga, em proteção dos treinadores. Portanto, renovar com o Marselha implica desde logo uma coisa de que eu não gosto, que é assinar novamente por outros dois anos.
Mas sente que o clube tem vontade de prolongar a ligação?
- O Marselha tem o maior estádio de França, sofreu quebras nas receitas de bilheteira de uma forma bastante impactante, mais a crise Media Pro, a empresa que tinha ganho os direitos televisivos em França deixou de os pagar e terão de ser renegociados. O próximo ano é muito importante para o Marselha, há muita gente que termina contrato, incluindo o treinador e, tendo em conta a crise atual, é um ano zero para o clube e também para o proprietário que tem de se reposicionar perante o que quer do seu investimento. Não pressiono o clube de forma alguma, não tenho pressa nenhuma. Não tenho, neste momento, os resultados desportivos que estejam à altura, porque era muito mais fácil falar se estivéssemos aqui a falar do Marselha em primeiro e eu estar aqui cheio de galardões a crescer, não é o caso. Somos quintos, a oito pontos do primeiro lugar, com dois jogos em atraso, mas é preciso ganhá-los. Quando o clube quiser apresentar uma proposta apresenta e eu decidirei. Se for o fim da linha, será.
Se fosse possível levar um jogador do campeonato português para o Marselha, quem escolheria?
- Ui... bom... amo os meus jogadores do Marselha, não quero melindrar ninguém. Temos um mercado a fazer que é inequívoco, agora em janeiro, se pudermos, também vai ser complicado e será marcado pelos empréstimos. Mas, provavelmente, não para o Marselha mas para um clube francês, vamos dizer assim, talvez o Luis Díaz.
"Queria trabalhar à europeia o melhor talento do mundo"
O André também já apontou o Brasil como um destino possível. Percebe a troca do Jesus de um Flamengo, que ele levou ao ponto que levou, para o Benfica?
-São decisões próprias, só o próprio saberá as razões pelas quais acabou por mudar. Eu tinha e tenho esse fascínio pelo futebol brasileiro. e, agora, chega cada vez mais gente, cada vez mais treinadores portugueses. Na minha altura, o meu desejo era trabalhar de uma forma europeia o melhor talento do mundo. Esse era o meu fascínio e era por isso que queria ir para o Brasil. Tenho muita, muita pena que não tenha concretizado essa passagem do Chelsea para o São Paulo em 2012, porque era o mais próximo de acontecer. Foi o primeiro convite que eu tive para ir para o Brasil e, infelizmente, tendo em conta os resultados do treinador na altura, houve necessidade de uma decisão imediata e eu só queria ir para o Brasil no princípio dos estaduais. Não queria ir no princípio do Brasileirão e foi por isso que o acordo com o São Paulo acabou por cair. O meu fascínio era esse, treinar o talento puro e fiquei muito satisfeito pelo sucesso dos treinadores portugueses lá. O problema do futebol brasileiro, e eu deixei na altura esses reparos na imprensa brasileira, são os quadros competitivos. São excessivos, não há condição para manter qualidade no futebol brasileiro enquanto os quadros forem como são. Mas isso é cultural e não é um português que vai mudar.
"No Zenit reencontrei a paixão por treinar"
A Rússia devolveu o que Inglaterra tinha retirado. Proposta da China era "fora do normal".
O André sempre disse que gostava de experimentar ligas exóticas. A China apareceu nesse contexto?
-A China foi sobretudo uma proposta económica. Na Rússia, com o Zenit, reencontrei o meu amor por treinar. Inglaterra tinha-me tirado a paixão por estar no campo. Tudo o que se passa à volta da equipa, mercado e gestão de expectativas dos jogadores, retira o prazer do que é treinar e o essencial do que é a nossa função e que passa por montar uma equipa para jogar. Essa paixão voltei a encontrá-la na Rússia quando encontrei um clube estável, com uma boa direção, com ótimas infraestruturas e num campeonato onde me diverti imenso e acabámos por ter sucesso, reconhecendo que tínhamos uma equipa muito boa. A China foi uma proposta económica muito boa, à qual era impossível dizer não. Tal como era impossível continuar quando decidi sair. Apesar de ter sido uma razão económica a levar-me para lá, não foi isso que me fez ficar, numa altura em que já não me sentia confortável.