Em entrevista exclusiva a O JOGO, André Villas-Boas revê a carreira, assume triunfos e derrotas e aponta como objetivo preparar-se para uma candidatura agregadora à presidência do FC Porto.
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A gozar um curto período de férias em Portugal, André Villas-Boas recebeu O JOGO em casa. Foram respeitadas todas as regras de distanciamento, mas o treinador do Marselha não se escondeu atrás de máscaras e falou de tudo. Abordou os altos e baixos de uma carreira ímpar que está perto do fim, falou do presente em Marselha e assumiu, sem rodeios, a presidência do FCPorto como objetivo - mas não numa corrida contra Pinto da Costa.
O treinador da "cadeira de sonho" reafirma o objetivo de sentar-se no "cadeirão de sonho"
Há exatamente dez anos assinou o prolongamento de contrato com o FC Porto até 2013. Recorda-se desse momento?
Sim, claro. Estávamos a viver aquele sonho dos resultados, da dinâmica da equipa. Já tínhamos ganho a Supertaça, tínhamos vencido o Benfica por 5-0 para o campeonato e a equipa estava num grande momento. Em princípios de dezembro, começámos a falar na extensão do contrato e em fixar bases e assim foi. Depois a história ditou outros caminhos. Esse foi um momento marcante. Pensei nessa altura que poderia vir a ser o último treinador do presidente Pinto da Costa. Não foi o caso. Felizmente para o FC Porto, que continuou a ter gente competente que lhe permitiu continuar a ganhar. Terminou essa história, começaram outras. E isso também deu um sentimento singular a este regresso ao Dragão com o Marselha que correu da melhor forma para o FC Porto e da pior para mim.
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É diferente treinar o clube do coração ou o profissionalismo abafa as diferenças?
-É totalmente diferente. Nunca senti tanta coisa ao mesmo tempo. Sabe-se em que medida se toca nos pontos mais sensíveis da paixão portista ou na indiferença. Sente-se na rua, nos olhares. Por exemplo, quando perdemos com o Benfica, em fevereiro, para a Taça, fui ao meu café de sempre e recebi logo um toque de atenção de uma gentil senhora que me disse que perder com o Benfica em casa não era aceitável [risos]. Vivi essa relação especial com os adeptos, sei como eles funcionam porque sou um deles. Passei pelos vários cantos do Estádio das Antas: arquibancada, bancada, cativos, superior sul e superior norte. Mas a pressão é imensa quando se treina o clube do coração. Praticamente não existi como pessoa durante esse ano. Era o treinador do FC Porto, vivia 24 horas ligado à profissão e foi complicado. Complicado e bom ao mesmo tempo, porque me sentia num explodir máximo das minhas capacidades. Tudo era reflexão relacionada com a profissão e nunca mais voltei a sentir uma coisa dessas.
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Já disse que não lhe restam muitos anos na carreira de treinador. Em 2024, há eleições para a presidência do FC Porto. Será um objetivo para si?
-Vamos ver. Já me posicionei relativamente ao meu futuro e ao meu desejo. Seja ele nas próximas eleições ou não. Poderá ainda haver, e esperamos que haja, uma linha de continuidade nessa altura, que parecia impossível de haver neste último voto eleitoral e que, se assim for, terá de ser respeitada e aqui falo do nosso presidente. Eu gostava de, quando der esse passo, estar totalmente preparado com uma equipa forte, de forma a que seja arrebatadora a escolha dos adeptos do FC Porto. Ainda tenho muito tempo para pensar nesse projeto. Depois, nunca escondi esse desejo, vamos ver se será antecipado ou não. De qualquer das formas, todos os que se apresentam como putativos candidatos são ótimos e o que nos distingue é o reconhecer das competências de cada um para liderar, seja quando fizeram a mesma pergunta ao nosso presidente, seja quando fizeram a mesma pergunta a outro putativo candidato, que da mesma forma retribuo ao nosso presidente da câmara Rui Moreira. Distingue-nos essa capacidade de percebermos que há vários líderes com competências para isso e o mais importante é defender os interesses do FC Porto e projetá-lo na longevidade, numa situação económica e financeira difícil, mas que tem que ser assegurada, para que o clube continue a ter viabilidade e sustentabilidade.
Considerando esse contexto económico difícil, que caminhos apontaria para garantir o futuro do clube?
-O FC Porto é o melhor clube português, com mais sucesso e melhor organização. Passou por um interregno difícil em termos de resultados desportivos num passado relativamente recente. Mas tem asas para voar, para se afirmar ainda mais, tem uma marca singular, associada a uma região forte. Todas as grandes marcas precisam de se reformatar para o futuro, preservando aquilo que é seu e tradicional. E seu e tradicional é o nosso vínculo e amor a um clube que é especial. Mas todos os clubes terão de se reformatar, de perceber, por exemplo, quais são as dinâmicas das competições europeias, para onde caminhamos e porque é que a UEFA nos faz caminhar numa determinada direção. Há uma série de pontos que fazem certamente parte das preocupações do presidente Pinto da Costa e que, ao mesmo tempo, obrigam o clube a posicionar-se e a continuar a ganhar no futebol nacional, o que não é fácil considerando o crescimento mais recente do Benfica.
O Benfica cresceu em resultados desportivos e, sobretudo, financeiros. Vê como uma ameaça a hipótese de replicação em Portugal de um fenómeno tipo PSG em França?
-Penso que não. O FC Porto consegue sempre colmatar diferentes desafios financeiros com uma atitude competitiva que os outros não têm. Obriga a trabalhar mais, a ser mais esperto, a contratar melhor, a ser mais forte, a gastar mais energia, a render mais e sim, será um toque de atenção, mas penso que, para já, não é preocupante enquanto estivermos sob a égide de pessoas competente e com a capacidade que as atuais têm de demonstrar resultados desportivos, apesar de o Sérgio Conceição estar em final de contrato e não saber se haverá ou não prolongação do mesmo. Mas enquanto o FC Porto se mostrar competitivo com ele, penso que consegue aqui e ali quebrar essa dita hegemonia. Uma hegemonia é criada olhando para uma série de anos e fazendo a reflexão de quem é que ganhou mais vezes e aí temos de ter atenção.