Aqui se recorda a entrevista com John McGovern, no final de dezembro de 2024 a O JOGO. Estamos perante o homem que melhor conheceu o treinador Brian Clough, sendo ainda hoje, com 75 anos,, o embaixador do Nottingham Forest. Esta quinta-feira assistirá ao jogo contra o FC Porto, fazendo a sua cortesia junto dos convidados do clube inglês, num jogo que marca a estreia de Sean Dyche
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John McGovern, símbolo como poucos, um patrão da era de títulos do Nottingham Forest, um bastião no campo da liderança de ferro, de disciplina e caráter de Brian Clough, sendo contratado em quatro momentos pelo mítico treinador, por muitos considerado o mais genial, mais soberbo na fabricação de impossíveis, subindo o Derby County e fazendo-o campeão inglês, subindo o Forest e copiando a proeza mas com permanência no cargo suficiente para conduzir o clube a dois títulos europeus consecutivos. Notável e histórico...tudo alcançado com carisma inigualável e McGovern, médio escocês, motor afinado e fiável, a ostentar a braçadeira de capitão nessas memoráveis conquistas.
O Nottingham arrasava, saltava degraus na escada para o céu, fazia ferver uma cidade com méritos até então modestos no futebol inglês. McGovern, intemporal bandeira do emblema, é o segredo mais bem guardado de uma caixa de ressonância que ecoa de um período próspero, embaixador sublime do Nottingham, transmitindo sempre esse legado de pertença ao reinado de Clough, como capitão e seu jogador de eleição, desde o Hartlepool, na quarta divisão ao Nottingham, também ao Derby, e ainda ao Leeds, mesmo numa passagem confinada a 44 dias por Elland Road. McGovern esteve ao lado de Clough 17 temporadas e, desde os seus 17 anos, bebendo um manancial de práticas e pensamentos, encantando por um carisma absolutamente demolidor, retratado em diversas entrevistas lendárias, choques épicos e excessos com a bebida que sempre temperaram a personalidade. Em entrevista exclusiva, McGovern revisita o génio e toda a glória abraçada, a prova de que futebol com caráter também casa com o sucesso.
"Conseguimos todos ajudar a que fosse criada uma história bonita para os adeptos, foi uma equipa de sucesso que as pessoas sempre relembram o quão boa que foi. Por um percurso incrível, tivemos a sorte de ser guiados por um técnico como Brian Clough e o seu fiel adjunto Peter Taylor. Conseguimos a subida, o título inglês e duas Ligas de Campeões, mais duas taças. Num pequeno espaço de tempo fomos da segunda divisão a reis da Europa. Será sempre uma espécie de recorde", enfatiza, puxando à fita elementos decisivos.
"Tínhamos o Peter Shilton, o guarda-redes da seleção, e tínhamos um avançado notável como Trevor Francis, que podia marcar golo de qualquer sítio. Com um bom guarda-redes e um grande avançado, qualquer equipa se candidata a ganhar mais vezes. Essas foram prioridades definidas por Clough. Francis marca o golo da final contra o Malmö no seu primeiro jogo europeu. Foi uma época que nos deliciou e de inteira comunhão com os adeptos", realça McGovern. "As pessoas, onde quer que fosses, riam-se e andavam bem-dispostas. Toda a cidade estava em modo festa, era uma vibração única. Não sentíamos isso apenas dos adeptos, era de toda a gente que fazia a população de Nottingham. A equipa ganhava tantos títulos mas tentava sempre fazer melhor e repetir a história."
John McGovern, 198 jogos no Nottingham com Clough, e três centenas exatas de partidas da Premier League com o visceral e catedrático técnico, exulta com o que absorveu. "Basicamente, a minha carreira é feita com Clough, ele leva-me do Hartlepool para o Derby, depois para o Leeds e ainda para o Nottingham. Ele viu em mim algo que beneficiava muito as equipas, eu adorava trabalhar com ele, a disciplina era fortíssima. Mas eu já era disciplinado em casa, mais ainda que no clube. Sendo assim, era fácil respeitar as ideias de outros, que nos comandavam. Conheci-o com 16 anos e mostrou-me o caminho num só trago. Eu praticamente só jogo futebol a partir dos 15 anos, era algo banido da escola porque alguém tinha partido os vidros. Então eu capitaneava equipas de rugby e críquete", recorda.
"Ele era carismático, algo calado. Conheci imensos técnicos e, talvez, o mais parecido, fosse o Bill Shankly, ao nível do caráter. Tinha regras, era estrito com elas, havia que seguir as regras. Alguns jogadores não gostavam muito, mas era um técnico ideal para quem trazia disciplina de casa. Sem disciplina nada ganha, basta ver o exemplo de Roma, de organização acima de tudo. Clough impunha isso. E conseguiu levar sorrisos às pessoas, era aplaudido pelos adeptos rivais", partilha, travando numa inevitável recordação.
"Sorrisos em todo o lado, menos no Leeds, claro. Aí foi outra coisa, Clough perdeu 44 dias, mas eu perdi cinco meses. Foi um período muito difícil de aguentar, não era aceite na equipa, os passes que recebia eram chamados hospital balls, mais fáceis para os rivais e onde estava condenado a levar pancada. AInda no Derby ele falara algumas coisas do Leeds, que eram uma equipa suja e violenta. Não teve chances com aquele plantel. Nem eu!" relata McGovern, aludindo à pesada sucessão de Clough a Don Revie, inimigos clássicos na época. Essa guerra foi mesmo transposta para o filme 'Damned United', vendo-se a hostilidade do capitão Billy Bremner ao novo técnico. "Clough gostava de ganhar títulos com coisas simples e habilidade dos jogadores. Nunca com intimidação. Essa foi a receita desse Leeds. Mas, felizmente, depois fui para o Nottingham, reencontrei Clough, e quando voltei a Leeds já era campeão europeu. Eles nunca o foram!", provoca McGovern. Viajando pelas cinco épocas no Derby, cumpridas de 1969 a 74, clube que chegou à Taça dos Campeões Europeus, após ter sido um campeão inglês ainda mais surpreendente que o Nottingham, o antigo médio também recorda essa prazerosa passagem pelo Baseball Ground.
"Passa rápido a bola"
McGovern lembra os ensinamentos de um professor bem especial a partir dos 17 anos e o facto de ter estado também 17 anos sob as ordens do mesmo
De Clough muitas histórias se conhecem da sua liderança, da forma de instigar os jogadores a superarem-se ou os fazer sentir péssimos com reprimendas incisivas. McGovern, que jogou 17 épocas respeitando o mítico treinador, até brinca que não foi fácil ganhar a sua confiança. "Quando eu era ainda um miúdo no Hartlepool, na 4ª Divisão, ele chamou-me depois de um treino. Pediu-me para correr uns metros com bola até à bandeirola de canto, dar a volta e regressar. Depois pediu-me para fazer o mesmo sem bola. No final pergunta-me qual é que foi mais fácil. Humildemente, disse sem bola. Aí questionou-me. 'Então percebeste o que tens de fazer, espero, passa rápido a bola, tens de dar tempo ao colega que vai receber para pensar o que vai fazer a seguir. Se estiveres mais marcado, usa a imaginação', concluiu. A lição dele que me ficou era de controlar e passar. Acho que nunca o defraudei a partir desse momento."
Rígido com alegadas lesões
Clough rugia alto e mostrava o seu temperamento quando sentia os jogadores mais queixosos do que deviam
A respeito da dupla maravilhosa composta por Clough e Peter Taylor, John McGovern curva-se à excelência da cooperação, que sempre redundou numa perfeita harmonia que guiava o sucesso a diferentes níveis. A discórdia entre ambos aconteceu mesmo, quando Clough aceitou o Leeds contra a vontade do adjunto. Ambos estavam vinculados ao Brighton e Taylor preferiu ser fiel ao clube, sentindo que de Elland Road soprava um desafio complexo.
"Clough era quem falava com os jogadores e mantinha um padrão de disciplina muito alto. Mas Peter Taylor orientava mais os jogadores, era quem tinha liberdade para recrutar. E sempre escolheu muito bem, não fazia os clubes gastar muito dinheiro. Era um grande bónus. A parceria funcionava muito bem, era uma relação perfeita, conseguiam reabilitar qualquer clube. Um fazia um tipo de trabalho, o outro dava conta da outra parte, mas a mensagem era sempre convergente. A disciplina imperava, era um ponto de ordem de Clough. Depois era alguém também muito rígido com os jogadores que alegavam lesões. Dizia na cara de quem achava que especulava uma lesão, que tinha de jogar. Muitas vezes, vários de nós tivemos de jogar quando estávamos a 50 por cento da nossa condição. Ele tinha um tom realmente persuasivo", atesta o antigo médio, percebendo essa vigilância mais acesa do técnico.
"Era um tema sensível para ele, pois vira quebrar a sua carreira no Middlesbrough por razão de três graves lesões, fazendo muitos sacrifícios. Então não ficava nada agradado quando achava que um jogador se queixava de pouco."
A estrada que define o culto
Para a história, para tributar um técnico genial, ficou a estrada Brian Clough a ligar as cidades. "No fundo estamos a falar de cidades vizinhas. A relação que ficou com o público de Derby foi sensacional, anos depois vinham ver os nossos jogos a Nottingham. Adoravam o sucesso de Clough, mesmo no rival. Tiveram pena da nossa saída e, inicialmente, não acreditavam que pudéssemos replicar a mesma história. E, muito menos, fazer melhor."
