Petkovic, uma lenda do Brasileirão, em exclusivo: "Virei o gringo mais querido"
Talento balcânico da ex-Jugoslávia, desconcertante, conquistou a pátria das chuteiras com obras-primas.
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Dizia-se que os jugoslavos eram os brasileiros da Europa. Foi essa analogia que tornou tão perfeito esse seu casamento?
-Éramos os cariocas da Europa pelo futebol apresentado no século passado. Algumas semelhanças sim, mas a qualidade técnica jugoslava não era suficiente para chegar perto dos brasileiros, muito mais refinados. O que me ajudou mais a escrever a minha história no Brasil foi a cultura e o caráter, ser guerreiro e lutador. Tive de superar dificuldades, acho que vinguei por um profissionalismo um pouco diferente dos brasileiros, sobretudo, mais talentosos.
Deixar o Real Madrid, trocá-lo pelo Brasil, por um convite do Vitória... É uma história e tanto! Como se explica esta continuidade, que apelos imperaram?
-Naquela época, em 1997, tive esse convite quando as informações do futebol brasileiro, das competições, eram quase nulas. O conhecimento cingia-se ao tetracampeão mundial, ao melhor futebol do mundo, a ser o país de Pelé e de Zico, este um grande ídolo. A decisão de vir foi mesmo a ideia do desafio. Como sabia que todo o brasileiro que despontava ia para a Europa, imaginei “vou eu para lá”. Se conseguir jogar bem, vou regressar. Na altura, saí porque não estava satisfeito com o estatuto no Real Madrid. Surgiu o Vitória da Bahia interessado, foram ágeis e rápidos. Decidi aceitar porque estava lá o Bebeto, isso pesou bastante. Ter continuado foi ditado pelas circunstâncias. Primeiro, de ter sido bem recebido, depois, pelo sucesso em ano e meio. Acabei por voltar à Europa como aspirava para jogar no Veneza. Mas surgiu a oportunidade de vir para o Flamengo. Tinha passado dificuldades em Salvador, mas fiquei com o jeito brasileiro, a humildade, o carinho e amor. Consegui conquistar bastantes amigos e respeito. Ao voltar para o Flamengo, depois dessa adaptação, já foi com intenções de me afirmar no país do futebol e do carnaval.
Que resumo desta aventura de tantos anos até se falar de um sérvio amado por adeptos de tantos clubes e rivais?
-A minha carreira foi fantástica e maravilhosa. Muito grato pelo que me deram os adeptos, sem eles a animar, a dar aquele gás, nada é igual. Já levo décadas no país e uma dezena de anos aposentado. Ficou a fama, uma imagem muito boa. Só posso estar satisfeito com o que consegui, porque também tive de me reinventar, de brigar e discutir. Deparei-me com dificuldades de aceitação de novas metodologias, se tinha feito as coisas de outra forma durante anos, questionava muita coisa. Dizia que iria demorar a entender tudo, se queriam esperar por isso. Lá, consegui convencer as pessoas que precisava de um trabalho mais específico, obtive essa compreensão e pude jogar bem. O resto é história, fiquei como um dos melhores “gringos” de todos os tempos no Brasil. Ser o “gringo” mais querido deixa a pele arrepiada.
Após tantos anos no Brasil, o título foi tardio mas altamente compensador?
-O título de campeão vem em 2009, de uma forma fantástica, porque foi a coroação da minha carreira e prestígio no Brasil. Já tinha sido reconhecido como craque em todos os clubes mas esse regresso ao Flamengo foi emblemático. Foram três meses difíceis a negociar, o clube não estava numa boa fase, começo a jogar e a equipa engata vitórias, preenchi o meu espaço no meio-campo. Conseguimos o título muito acima das expectativas, apenas existia a meta de entrar nas vagas da Libertadores. Isso carimbou a minha carreira como ídolo e craque, como o estrangeiro com mais golos no Brasil. Faltava-me ser campeão e esse foi um momento mágico.
Ser ídolo do Flamengo e acabar também amado no Vasco e Fluminense. Como foi possível?
-Não há como negar que a ligação ao Flamengo ficou um caso à parte. Foi onde joguei mais tempo, mais títulos conquistei, não posso fugir disso. É um vínculo grande, uma identificação maior, o meu profissionalismo é que me ajudou nos rivais, no Vasco e Fluminense. Admito que da primeira vez que fui para o Vasco, em 2002, tinha algum receio pela situação de ser carrasco do Vasco. Mas a receção foi fantástica, joguei muito bem, fiz duas grandes épocas, com título carioca. Em 2004 marquei 18 golos e tornei-me ídolo também. No Fluminense, foi algo completamente normal, fiz o mesmo trabalho e deixei marcas positivas. Fiz os adeptos gostarem de mim mas o regresso ao Flamengo é que carimbou essa grandeza no Brasil. Todas as passagens foram positivas.
Tem uma cassete com os seus golos mais incríveis?
-Não se separam os filhos como não se separam os golos. Sei que tenho alguns espetaculares, golos olímpicos, de livre, mas prefiro destacar momentos maravilhosos no Maracanã. É sempre preferível provocar a euforia de uma multidão e das suas famílias.
“Não quis sair, mesmo com o embargo da ONU”
Foi a tempo de apanhar a geração de ouro jugoslava no Estrela Vermelha. Que impacto ficou e também do sonho que se esfumou do Euro’92?
-Desde pequeno era adepto do Estrela Vermelha. Saí da minha cidade natal para uma terra próxima que tinha o clube na I Divisão, o Radnicki Nis. O Estrela também me queria mas quis chegar lá para jogar de imediato na primeira equipa. Cheguei como melhor jogador no país, o maior talento, em 1991, a tempo de me cruzar com uma geração maravilhosa, que tinha sido campeã europeia. Sabia das dificuldades que existiriam, pelo embargo imposto pelo ONU. Não quis sair, queria triunfar no Estrela primeiro e recusei ofertas pelo meu sonho. Não lamento, foi incrível, joguei com jogadores fabulosos, que foram colegas de seleção. Infelizmente, a política misturou-se com o futebol e foi uma lástima termos ficado fora do Europeu de 1992. Era uma seleção preparada para tudo.
Das lendas jugoslavas para as brasileiras, já que joga com Romário, Bebeto, Ronaldinho e Adriano. Imagino incontáveis memórias...
-Em 2009, Adriano voltou para o Flamengo, eu também, e ainda fomos uma dupla que deu muito certo e fomos campeões. Quando o conheci era um menino, ajudei-o nessa subida à primeira equipa. Era um garoto, nesse reencontro ele já era o imperador. Um enorme jogador, muito inteligente. Com craques assim era fácil jogar. Ronaldinho esteve na minha despedida num Flamengo-Corinthians. O bruxo foi craque mundial. Já com Romário foram muitas peladas, um grande privilégio. Jogar ao lado desses jogadores fazia muita diferença, um entendimento fácil e o futebol a fluir de maneira tranquila. Com essa sintonia nem é preciso entrosamento. O melhor de tudo é ainda ser amigo de todos.
“O meu destino estava no Brasil”
Ter sucesso no Rio e ficar a viver no Brasil supera alguma frustração por não ter triunfado no Real?
-Vivo na cidade maravilhosa e adoro o jeito dos cariocas. Para um europeu há sempre essa imagem da falta de segurança, coisas a desejar, mas a natureza é fantástica e alegra o estilo de vida. O meu espaço no futebol carioca foi incrível, estabeleci-me aqui depois da carreira. É a minha casa. Não ter tido sucesso no Real Madrid é sinal que estava destinado a tê-lo no Brasil. Nada tenho a lamentar, não sou de pensar no que seria diferente, se tivesse feito isto ou aquilo. Somos o que somos conforme as circunstâncias, aquilo que temos de enfrentar. Tive várias derrotas mas as vitórias que conquistei deram-me o suficiente para me deixar satisfeito com o meu esforço. Tudo valeu a pena, a fase no Real Madrid não tinha de acontecer, o meu destino estava no Brasil, onde fui imensamente feliz.
Que ligação ficou com a Sérvia, ao fim de tantos anos no Brasil e falta de reconhecimento enquanto jogador na seleção?
-A ligação ao meu país segue muito forte, tenho lá a minha família. Ter tido sucesso no Brasil sem ter jogado muitas vezes pela seleção da Jugoslávia é uma vergonha apenas para quem dirigia o futebol naquela época, ou para aqueles que não me chamavam. Estando a jogar no melhor país do mundo em termos de futebol, vendo outros que eram chamados que nem sequer atuavam em ligas de referência da Europa, não faz sentido. Desculpavam-se com longe dos olhos, longe do coração, mas isso não é uma desculpa técnica nem lógica. Quem pecou foram os responsáveis do futebol jugoslavo ou sérvio. Não eu, eu tinha sempre futebol mais do que merecedor para representar o meu país.
CR7 nos melhores de sempre
Que referências tem no futebol português?
-Não há como não citar Cristiano, é um exemplo de atleta, intimida imenso. Estará entre os três melhores de sempre. Não esqueço o meu amigo Deco e o Figo e o Rui Costa.
Que visão do treinador português no Brasil...
-Só posso falar com propriedade do Abel, pelos quatro anos. Há um padrão e caraterísticas que definem o Palmeiras. Manteve um elenco competitivo, entendeu o contexto, entre altos e baixos. É de tirar o chapéu! Castro, Jesus e Artur Jorge tiveram momentos muito bons mas saíram depressa. Não sei se são mais competentes que outros. O sucesso depende do ambiente momentâneo no clube.