Paulo Sousa em entrevista: "Temos a ambição de conseguir algo extraordinário"
Sem se colocar em bicos de pés, o selecionador polaco coloca uma fasquia alta em termos de ambição, mesmo reconhecendo que a Polónia não é uma das favoritas para o Euro prestes a começar.
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Paulo Sousa assinou a 21 de janeiro contrato com a federação polaca motivado por grandes desafios: participar no Europeu e levar a Polónia até onde nunca chegou, mudando, ao mesmo tempo, a cultura futebolística e o modo de jogar. Um desafio imenso, apresentado por Boniek e que o conquistou, como conta em entrevista a O JOGO.
O que o motivou a aceitar o convite para treinar a Polónia?
-Sobretudo, o primeiro contacto do presidente da federação Boniek, um ícone do futebol mundial, e a forma como ele direcionou a nossa primeira conversa. Parte do seu tempo vivia em Roma, portanto, possivelmente teria um bom conhecimento do futebol que foi praticado pela Fiorentina quando eu treinava lá, e com feedbacks de pessoas que trabalharam comigo, até para perceber a minha capacidade de liderança. Mostrou vontade de mudança em todos os sentidos, deixou claro o que desejava para a seleção e para os jogadores polacos. A sua primeira chamada direta, sem nenhum filtro, agradou-me imenso. Apreciei a oportunidade de poder treinar num campeonato europeu, para qualquer treinador é algo de extraordinário. Depois, houve um nome que me saltou de imediato à cabeça: Lewandowski. Teria a possibilidade de treinar um dos melhores jogadores do mundo, o atual melhor. Tivemos dois ou três dias para amadurecer a ideia, ficar com um maior conhecimento do que era a seleção polaca, ver os últimos jogos, perceber os pontos fortes. Depois foi tudo muito simples de resolver entre mim e o Boniek.
Havia a necessidade de tomar uma decisão rápida...
-Sim, sobretudo para eles. Mas foi muito simples de alcançar o acordo. Nós, eu e a minha equipa técnica, queríamos abraçar um projeto novo, de mudança, com um objetivo comum de alcançar algo de extraordinário, vencer o Europeu.
Nesse curto período de ponderação, não o fez hesitar o facto de assumir uma seleção já qualificada para o Euro"2020 e com a qual teria pouco tempo de preparação?
-Eu gosto do treino diário, porque a escolha dos jogadores para os jogos é muito mais concreta, nós vemos a evolução dos jogadores para tomarmos decisões estratégicas. Isso não acontece numa seleção. O tempo é mais reduzido e, por exemplo, para estes primeiros três jogos (qualificação Mundial) tivemos três treinos e sem a intensidade desejada para preparar o modelo de jogo, trabalhar em termos sectoriais. A intensidade permite-nos avaliar melhor o que vai suceder nos jogos, mas com a Covid e outras condicionantes não pudemos. Tivemos de ser criativos, foi um outro desafio que se nos colocou . Procurámos antecipar processos, trabalhando através da plataforma digital Teams, para termos contacto constante com os jogadores. Fizemos alguns encontros individuais e colectivos em termos sectoriais para irmos introduzindo objetivos e passar algumas ideias do que pretendíamos. Mas eu e o meu staff dividimos a visualização de jogos para cruzar informação, para determinar a nossa orientação para esta seleção.
No Europeu, a Polónia calhou num grupo com Espanha, Suécia e Eslováquia. Como avalia as hipóteses de apuramento?
-Num Europeu há seis, sete candidatos ao título, pela qualidade dos onzes habituais e das suas segundas linhas. Por isso, Portugal, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, que têm vindo a apresentar muita qualidade, são favoritas. Dentro do que são as nossas armas, com as nossas ideias claras quanto ao que pretendemos no estilo de jogo, com princípios e conceitos concretos, com a liderança do nosso capitão Lewandowski, procuramos lutar para ganhar o campeonato, mas primeiro temos uma fase de grupos para passar. Sabemos que a Espanha, dentro do grupo é a mais forte e até uma das com maior potencial para vencer o europeu. A Suécia tem vindo a demonstrar que o trabalho que tem realizado nas camadas de formação está a ter resultados. Estão num processo de renovação que já se iniciou e procuram também afirmar-se. A Eslováquia não tem grandes protagonistas, mas é uma equipa bem organizada e que vai procurar lutar eventualmente por um terceiro lugar que lhe possa permitir prosseguir na competição. Vai ser uma seleção complicada, bastante complexa daquilo que observámos. Uma equipa muito fechada, organizada a defender e que contra-ataca bem. Nós queremos passar a fase de grupos, é o objetivo primeiro, mas temos a ambição, como disse antes, de conseguir algo extraordinário.
"Estamos num bom caminho"
As expectativas que lhe foram criadas, passados os três primeiros jogos que disputou, corresponderam ao que pensava?
Sim, corresponderam. Reconheço o excelente trabalho que Boniek e a federação fizeram para nos permitir trabalhar com qualidade. Em relação aos resultados que obtivemos, penso que ficámos aquém daquilo que apresentamos em campo, mas muitas das ideias que pretendemos já apareceram. O espírito competitivo dos jogadores, o nacionalismo, um elemento que tenho utilizado bastante. Houve uma ruptura com aquilo que era a tradição do futebol polaco e com o que apresentámos, mas procurámos passar a mensagem com o máximo de clareza para vê-la em prática.
No primeiro jogo, estivemos a perder 2-0 e 3-2 e conseguimos primeiro empatar a dois e depois chegar ao 3-3. Isto com um treinador novo, ideias novas, uma proposta de jogo ambiciosa. Queremos dominar o adversário com bola e, na Hungria, tivemos praticamente sempre o domínio, sofremos um pouco mais nas transições, tivemos contrariedades de ressaltos de bola, em que o nosso adversário foi mais feliz e isso foi determinante para que eles conseguissem concretizar. Depois tivemos um jogo com outro tipo de dificuldades, porque Andorra joga num bloco muito baixo, com agressividade, fechando bem as linhas. Não era fácil, mas conseguimos criar muitas oportunidades de golo e mostrámos mais solidez naquilo que é o nosso modelo de jogo pretendido. Ganhámos 3-0. Com a Inglaterra - um adversário poderosíssimo, desfalcados de vários jogadores importantes como o Lewandowski e o Klich - perdemos por 2-1 no fim. Mas mostrámos capacidade de defender sem bola, de contra-atacar, na segunda parte, fomos capazes de jogar mais com bola, criar ocasiões, as melhores foram nossas, mas tivemos essa incapacidade de concretização e sofremos dois golos de bola parada. Um penálti e uma segunda bola na sequência de um canto. Tudo isso nos indica que estamos num bom caminho. Mas para isso precisamos também de vitórias, porque nos vão dar maior convicção no processo.
Após o jogo com Andorra, a imprensa polaca criticou-o por ter utilizado Lewandowski nessa partida da qual saiu lesionado...
-As equipas necessitam sempre dos melhores jogadores em campo e sobretudo o futebol tem essa necessidade. Nós estamos sempre sujeitos às críticas pelas nossas opções. Por norma, apresento aos críticos, jornalistas, os meus argumentos e penso que o futebol necessita dos melhores em campo, os adeptos querem vê-los. Não podemos antecipar lesões. Fazemos muito trabalho preventivo, falámos com os médicos e preparadores físicos de cada clube para saber rotinas de trabalho e histórico de lesões para termos programados trabalhos preventivos e cargas de trabalho diminui-las ou subi-las consoante as necessidades. Nós trabalhamos para o jogador, no sentido de potenciar as suas qualidades quando chegar ao campo.
"Treinei na China para segurar o corpo técnico"
Que importância tem a sua equipa técnica?
-Tive vários anos para a poder formar e tenho feito de tudo para a segurar. Orgulho-me muito deste corpo técnico, pela diversidade, pelas competências, pela forma como evoluímos, pela capacidade que temos de chegar aos jogadores em termos de comunicação. Mas sobretudo nas competências de cada um nas suas área. Treinei na China sobretudo a pensar neles, para dar-lhes algum equilíbrio financeiro, para que possam ter estabilidade emocional.
Como foi esse processo de seleção da equipa com quem trabalha?
-Surgiu das necessidades que tinha. Queria um futebol que sempre tive na minha cabeça e que alguns elementos do meu staff me podiam trazer. O Victor Llado trabalhou 11 anos no Barcelona. Trouxe-me muitas perguntas e caminhos para pensar. Depois, em termos de condição física. Eu fui um jogador que sofreu muito com lesões e via o futebol e a metodologia de treino pelo que vivi. Necessitava de outras coisas e não tinha capacidades nem competências, tive de procurar elementos que me dessem confiança de trabalhar num certo sentido. Procurei ainda qualidades humanas, são fundamentais para mim.