Nakata: rendido a Totti, a acompanhar o Vinho do Porto e Rui Costa como herói
Mesmo com rival de luxo em Roma, o japonês Nakata foi vital no jogo que abriu portas ao título, ante a Juventus
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Um turbilhão mediático, um acontecimento que endoideceu Perugia e pôs o Japão em delírio. Com talento e estilo em doses generosas, Nakata voava para a Europa como mistério. O nipónico queria chegar e jogar e Gaucci, carismático líder do clube que havia ascendido à Serie A, acertou na combinação de potencial futebolístico e publicitário. Era de impulsos! Levou coreanos, chineses e líbios. O sul-coreano, Ahn, que marcou o golo que afastou a Itália no Mundial de 2002, acabou despedido pela desfaçatez.
Vida longa no Calcio entre os melhores do mundo desafiou Nakata a evolução acelerada. Campeão pela Roma, só pensava em ser feliz e concretizar os sonhos de criança. Curvou-se à moda e design
A época de estreia de Nakata foi pautada pelo brilhantismo do criativo, conquistando Perugia e a Umbria com 10 golos e jogadas de apuradíssimo engenho, determinantes na salvação. Estado de graça que valeu chegada milionária a Roma, a troca de 22 milhões de euros. Foi Nakata quem desarmou as pretensões da Juventus, de Zidane e Del Piero, na época 2000/01, já que na penúltima jornada saiu do banco para comandar a reação romana a um 2-0, marcando um golo e provocando o 2-2, que deixou a equipa de Capello em condições de voltar a ser campeã.
“Totti foi o mais influente que vi e também me causava dores...”
“O mais importante para mim foi aprender e melhorar, competir diariamente com os melhores jogadores da Série A, numa altura que era a liga número um do mundo. Os treinos eram ainda mais difíceis do que os jogos, especialmente na Roma. Eu era um jovem perante um desafio altamente exigente mas valeu muito a pena. Ao jogar em Itália nesse período ganhei grandes relações e mantenho contacto com muitos grandes ex-jogadores por todo o mundo. Isso diz-me muito”, afiança, esbatendo qualquer deslumbramento com o que viveu, suprimindo da mala qualquer tipo de frustrações. “Só tinha o objetivo de me fazer um melhor futebolista e divertir-me. Se ganhei o campeonato e a taça foi algo ótimo, mas nunca foram reais metas. O jogo que tinha na cabeça era o jogo dos meus sonhos, isso nunca mudou, foi a minha realidade.”
“Vim para jogar futebol mas da moda à comida, tudo teve impacto na minha vida”
Nakata não teve dificuldades em eleger o companheiro mais especial pela quantidade de atributos nas chuteiras. Um Deus em Roma. “Totti foi, talvez, o mais influente que vi de perto da minha geração; jogar com ele foi importante na minha carreira. Éramos rivais na luta pelo mesmo lugar, isso também me infligiu algumas dores...”, admite o japonês, que se deliciava com os artistas de pés de veludo do Calcio mas também com os casacos e calçado de eleição da moda italiana. Um interesse que também o fez desfilar. “Interessei-me por moda, design e arquitetura, tudo isso fazia parte da cultura italiana. Fui para jogar futebol mas se vivi em Itália durante sete anos, absorvi outros estímulos de classe mundial. Da moda à alimentação, tudo teve impacto na minha vida e desenvolvimento pessoal.”
Português Hilário testemunhou loucura
Hilário, antigo defesa do Perugia, foi companheiro de equipa e viveu ao lado de Nakata. “Era uma loucura, eram montanhas de cartas. Era muito popular e tinha muita qualidade. Teve logo rendimento”, expressa, olhando ao que foi a sede de contacto pelo artista. “Cada treino tínhamos autocarros estacionados ao lado do campo. Eram inúmeros japoneses todos os dias de máquina na mão”, relata o português, que viveu a digressão ao Japão. “Era mais conhecido do que o imperador! Em Osaka, estádio cheio, 30 mil pessoas, todos com camisolas dele do Perugia. De autocarro passávamos por arranha-céus com a cara dele bem alto. Quando ia a Roma fechavam as lojas para ele comprar roupa. Seguia as tendências e tinha pinta”.
Vinho do Porto e Rui Costa
Se Nakata deixou o futebol antes dos 30, o grande amigo, outra alma eterna do futebol nipónica, Kazu Miura, não descola do seu amor pelo jogo mesmo ainda com 57 anos, tendo passado recentemente pela Oliveirense. A ligação entre ambos, feita da adoração do povo japonês e da sintonia convergente por Itália, não esmorece, mesmo entre caminhos radicalmente opostos.
“É um irmão mais velho desde que comecei no futebol e ingressei na seleção nacional. O relacionamento segue fortíssimo ainda hoje e vamos comer juntos sempre que temos tempo. Ele, com o seu estilo de vida e dedicação ao futebol, fez sonhar muitos jogadores e ensinou outros a serem atletas de alta competição”, evidencia, sem informações suficientes da passagem de King Kazu pela II Liga.
“Não sei muito sobre Portugal, infelizmente. Apenas estou documentado sobre a sua grande cultura e ótimos resorts. Naturalmente, também acompanho os seus notáveis vinhos e, particularmente, o Vinho do Porto. Só estive em Portugal em certos jogos que fiz mas garanto que usar o meu tempo para visitar e conhecer Portugal está na lista de coisas que tenho a fazer”, assegura Nakata, que tem em Rui Costa um herói dos seus anos no Calcio. “Gostava de jogadores de estilo único com magia para mudarem um jogo sozinho. Rui Costa era perfeito no que eu mais apreciava do jogo”, tributa o japonês.