Irvine, grito alternativo e rock pela subida do St. Pauli: "Conhecendo o clube..."
Piratas lideram Bundesliga 2 com esperança de subida e o médio encarna a fome de protagonismo com rock nas veias e muita cultura no corpo. Em conversa com O JOGO, Jackson Irvine fala sobre este envolvimento único
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Líder invicto da Bundesliga 2, o St. Pauli está desejoso de recuperar posição no primeiro escalão germânico, devolver o som do mítico Hell’s Bells, dos AC/DC aos jogos com os adversários mais fortes do país, projetar o eco estrondoso da música da banda australiana e elevar o delírio dos adeptos deste clube tão emblemático de Hamburgo. Uma subida colocaria nos píncaros a reputação dos piratas da liga, que têm tido passagens curtas pelas Bundesliga, embora sempre com uma afirmação de valores difícil de superar. Além do trabalho notável de Fabian Hurzeler, técnico de apenas 30 anos, obreiro de sensacional recuperação da equipa em 2022/23, conseguindo sequência histórica e única de dez vitórias seguidas, que arrancou logo na sua estreia, fazendo a equipa disparar do pânico da descida até à visão dos lugares de subida, reforçando agora o seu estatuto de treinador de grande futuro com sete vitórias e seis empates em 2023/24, há no plantel o icónico médio australiano Jackson Irvine, homem com Mundiais disputados pelos Cangurus. Irvine é, aos 30 anos, uma das referências do St. Pauli, um médio de forte liderança e dimensão ofensiva e o verdadeiro jogador identificado com a nobreza dos valores do clube e multiplicidade de bandeiras e cultos no Millerntor. Irvine usa as redes para exaltar causas sociais, apelar à maior aceitação da comunidade LGBT, atacar comportamentos homofóbicos, tendo no visual uma aura de rock star, que emana da sua paixão por música e cinema, de especificidades pouco ou nada comungadas num balneário. É pelos braços e corpo que tatua muitos dos seus heróis onde cabem Lou Reed e Nick Cave.
Internacional australiano teve o casamento perfeito com os ideais sociais do clube mais revolucionário do futebol. Amante da música, cinema e... lutas sindicais
Fazendo a terceira época no clube, persegue no St. Pauli o sonho de chegar à Bundesliga por um clube que torna a profissão ainda mais apaixonante. “É natural que quando estás confortável numa comunidade, numa tribo, numa cidade, envolvido por aquilo que se passa fora do futebol, o teu desempenho pode sair melhorado. Cheguei a uma equipa com uma forma de jogar muito clara. Isso também ajudou e com o passar do tempo as coisas ficaram ainda melhor alinhadas, no que é o momento de vida pessoal e a transposição para o campo”, revela Jackson Irvine, 58 jogos pela Austrália e uma passagem valiosa pelo Celtic.
“Acho que atingi o melhor futebol da carreira nos últimos dois anos. Não podia estar mais feliz”, assinala o internacional australiano, refletindo sobre a falta de êxito nos católicos de Glasgow. “Posso não ter tido tempo, fiquei cinco anos e meio, com alguns empréstimos. Foi dececionante não ter tido sucesso lá mas, sendo realista, sinto que não estava ao nível exigido naquela fase. Estava a competir com grandes médios com Wanyama, Scott Brown, Joe Ledley e Ki Sung-Yueng, para citar alguns que jogaram na Premier League e na Champions. Não chega a ser um sentimento amargo, são boas lembranças por aquilo que o clube fez por mim, oferecendo-me uma plataforma para construir a minha carreira. Não tive a melhor saída mas também sabemos que são raras as saídas mais cerimoniosas”, evidencia Irvine, que viveu a cumplicidade com os adeptos do Celtic e agora respira semelhante harmonia com os do St. Pauli. “Conhecendo o clube, o que ele representa na comunidade, esse é um impacto óbvio. Mas, no final de contas, somos profissionais e a prioridade é um projeto forte para a carreira. Sempre queres fazer parte de uma equipa com desejos de sucesso, onde haja um grupo de jogadores que potenciam essa fome. O resto vem depois”, menciona, expondo as afinidades evidentes.
“Há, realmente, muito por detrás ao representares o St. Pauli, há um compromisso com setores marginalizados, há valores que vão além do futebol e tudo se mistura”, explica, ansioso por tomar lugar num patamar mais condizente com os pergaminhos do emblema de Hamburgo. “Para mim, sempre foi um sonho competir ao mais alto nível, Tive a sorte de o fazer pela Austrália, mas passei a maior parte da minha carreira a jogar nas segundas divisões, tanto em Inglaterra como na Alemanha. Seria uma grande conquista do St. Pauli voltar à terra prometida. Mas não podemos estar obcecados no destino. É mais no processo e no que podemos fazer por desempenhos que nos permitam esses resultados. Ambiciosos mas com equilíbrio, no que é o futuro e as necessárias melhorias diárias”, sustenta.
Fã de Velvet e Nick Cave
Com um estilo roqueiro e partilhas que o demonstram sem filtros, Irvine vive feliz em Hamburgo, identificado com cada pedaço de agitação, de barulho e burburinho, de cultura em ebulição, implicado nas frentes sociais de um bairro ativo na voz dos mais hostilizados ou estigmatizados, também de denso culto pecaminoso por longa rua de depravação. Há tribos que se reúnem, mitos que se cavalgam, uma efervescência que dispara o ritmo das interações. O fartote de vivências em St. Pauli salta para o Millerntor e um australiano não podia empatizar mais com o hino que estala no estádio.
Tatuagens são chamariz para descobrir a onda diferenciada. Guardião de discos como referências e com cinema de culto desbravado
“Cada vez que se ouve o Hells Bells a tocar, sabemos que cada jogo é uma festa para a nossa comunidade e para nosso quarteirão de Hamburgo. É uma atmosfera incrível. Há que aproveitar todas as oportunidades para estar no Millerntor e em St.Pauli. Tudo o que adoro fora do futebol está presente: música, arte e cultura. E tenho em redor pessoas politicamente motivadas e socialmente empenhadas em nos fazer evoluir”, reflete o médio, músico nas horas livres, entretido nos acordes: “Toco guitarra desde criança e isso foi inspiração dos meus pais. Nunca fui propriamente bom, como no futebol, tive que trabalhar muito e praticar mais. Era mais amor do que talento”, confessa.
Pejado de elementos indie, estilo descontraído, nos antípodas do que são padrões de balneário... ele define a sua moda, filosofia de vida muito embrenhada no consumo cultural. As tatuagens são imensas e reportam diversas inspirações.
Quer empurrar o St. Pauli para a Bundesliga, ainda para mais ouvindo os compatriotas AC/DC
“Lou Reed e Nick Cave em cada braço, representam artistas favoritos e influentes. Essas tatuagens não são mais que outras, estão aglomeradas e quase se encobrem”, assevera. Adepto incondicional de música alternativa, cinema de culto, pop art, Irvine reconhece a dificuldade de trazer estes temas à baila num balneário. “Música e cinema nunca me fizeram conectar abertamente com colegas, mesmo que haja alguns com gostos ecléticos”, salienta.
“Sempre me apaixonei por cultura alternativa, distante do mainstream, mas não de gosto tão obscuro. Admiradores de Twin Peaks ou Buffy the Vampire Slayer existem. É um culto alargado mas não dentro do futebol”, defende, percorrendo o seu universo musical. “Nick Cave & the Bad Seeds são a primeira influência por culpa da minha mãe. E o disco ‘Mermaid Avenue’ de Billy Bragg com Wilco é outra lembrança fortíssima. E, claro, Velvet Underground & Nico.Bem como concertos e festivais levado pela minha mãe.”