Huseynov recua a 1992 quando a escalada da guerra, a destruição do estádio, forçaram mesmo a mudança da equipa, que resistia ao lado dos soldados. O ídolo e mártir Baghirov, treinador e comandante de batalhão
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Huseynov não disfarça a comoção, um nó na garganta, mesmo que atualidade só gere sorrisos. A crueldade da guerra teve custos emocionais, ainda difíceis de reparar. "A nossa infância foi dolorosa, não a foi possível gozar, não a tivemos, porque as memórias desse tempo são de bombas, do conflito, do nosso estádio, que sabemos não existir porque foi destruído. As pessoas que nos rodeavam e apoiavam já morreram. Este é um momento bom, mas não podemos esquecer quem ficou para trás, a nossa equipa resistiu até ao último momento à mudança, mesmo quando metade da cidade já tinha fugido de Aghdam. Restávamos lá nós e os soldados, que estavam a dois ou três quilómetros em batalha. Não nos deixavam sozinhos, éramos a grande esperança para manter o nome de Qarabag, hoje a sensação mais feliz é essa, quase toda a Europa já nos conhece", expressa, fazendo questão de lembrar Allahverdi Baghirov, o herói nacional do país, que foi jogador e treinador do clube, transformando-se num soldado diferenciado.
"Foi a nossa alma grandiosa, o meu primeiro treinador, comecei a jogar com ele. Era um irmão mais velho ou um pai para todos os jovens do clube. Nunca serão suficientes os elogios que lhe fizer. Aprendi tudo, era um exemplo, ajudava e pensava em tudo. Auxiliava-nos. Quando começa a guerra, ele decidiu ficar como soldado, lutando na frente pela manutenção do território. Foi alguém inspirador, um ídolo. Controlava-nos o medo, dava moral, era um patriota. Uma pessoa como Baghirov só vias nos filmes de heróis. Era um guerreiro e uma grande pessoa. Falo do que vi, ele nunca transmitiu medo, estava preparado para morrer como morreu. Deu tudo e foi um mártir", desfia a história de Allahverdi Baghirov, falecido em 1992 em combate com forças arménias, separatistas que formaram a República de Artsakh, enquanto libertava reféns e recuperava corpos. Acabou condecorado em 1993 como herói nacional.
Com a carga bélica já afastada de Nagorno-Karabakh, um projeto de reconstrução em curso, Huseynov já se confrontou com a imagem presente da sua terra. Desolador..."É complicado falar sobre isso, só existe o nome da cidade, o resto são ruínas, de edifícios, casas. Por isso é que é a Hiroshima do século XXI. Eu nasci ali e fico feliz que depois de 30 anos o nosso exército tenha recuperado o território. Mas fui ver a casa onde nasci e não a encontrei. Não existe nada", revela. "Nunca perdemos a esperança e, finalmente, em 2020 conseguimos. Mas perderam-se muitas vidas, morreram muitos soldados, outros foram mártires, não podemos esquecer os nossos heróis, que garantiram que Aghdam seja hoje Azerbaijão. Espero pela reconstrução, será uma nova cidade. O presidente também anunciou a obra do novo estádio. É bom saber que o Qarabag vai voltar a jogar em casa mas ainda deve demorar", afiança.
"São mais de 30 anos sem jogar em Aghdam, fomos passando por várias cidades, numa caminhada longa e difícil. Mas por cada cidade onde nos instalávamos éramos apoiados, nunca nos faltou amor e carinho dos azeris e a principal razão era o nome do clube. Ainda hoje sentimos isso. Hoje com uma equipa onde convivem diversas nacionalidades mas muita união, igual à equipa que tínhamos nos oitentas e noventas, mesmo feita por locais. Devemos isso ao treinador Gurbanov, alguém que dê uma atmosfera excecional a este clube, fez-nos crescer ano a ano com grandes resultados, até na Europa. A equipa tem conseguido feitos importantes e garanto que o segredo é o valor da união, que vai dos jogadores a todos os trabalhadores", realça, valorizando dez anos consecutivos em fases de grupos na UEFA.
"Estamos felizes pelos nossos jogos com essa tristeza no coração de representarmos uma cidade e uma região que não nos pertencia, estava ocupada. Jogávamos a 400 quilómetros de casa. Em cada grande vitória, havia sempre essa tristeza, por não esquecermos as raízes", ilustra Huseynov, refletindo sobre o significado de tanta perseverança. "A minha maior memória será sempre a frase de Asif Maharramov, outro herói nacional, quando eu tinha 17 ou 18 anos. Ele liderava o batalhão que estava junto do nosso estádio.
"Qarabag tem de viver, eu posso encontrar 11 mil soldados para combater mas não encontro 11 jogadores para manterem o nome do clube. Pensem só em jogar". Foi assim que nos impediu de combater, quando pedimos armas para ajudar", rebobina. "E hoje está aí a história que fizemos, representando o Azerbaijão ao máximo nível na Europa. Estou orgulhoso, os rivais interessam-se pela nossa história e pelo que aconteceu à região, porque jogamos em Baku e porque deixamos Aghdam. São informações que passamos ao mundo, as competições europeias têm sido muito importantes para nós."