"É necessário fazer um jogo de cintura, porque não somos polícias da comida"
Gonçalo Magalhães é nutricionista de internacionais como Nuno Mendes e Fábio Silva, entre outros, e detalha em O JOGO os desafios de trabalhar com atletas de alto rendimento
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Natural do Porto, Gonçalo Magalhães é nutricionista e o rosto do projeto Nutrelite, que trabalha com vários nomes fortes do futebol nacional, como Nuno Mendes e Fábio Silva, entre outros, à cabeça. Em conversa com O JOGO, explica o que exige trabalhar diretamente com atletas da alta competição e destaca a importância do “jogo de cintura” necessário para que a comida “não passe a ser um obstáculo”.
Como começou o projeto Nutrelite?
-Começou em 2018. Em 2016 entrei em Ciências da Nutrição, joguei futebol até aos 17 anos e sempre tive muito interesse em perceber os meandros da área, até porque o futebol é algo misterioso neste aspeto. A partir daí pensei de que forma os fatores nutrição e hidratação podiam melhorar a performance em campo. Quando joga, quando não joga, se está lesionado... Quando chegou a altura do estágio curricular, fui para o Aves e percebi que o meu trabalho teria mais impacto se trabalhasse a título próprio. Foi aí que comecei a relacionar-me com o Ricardo Mangas, que é muito meticuloso na parte da nutrição. Quis continuar a colaborar comigo e o meu trabalho começou a ser mais público.
Quais os principais desafios de acompanhar o dia a dia de um futebolista de alta competição?
-O primeiro desafio é conhecer a rotina diária do jogador. Um nutricionista é visto muitas vezes como polícia da comida, mas não é assim. Simplesmente procuramos adequar os gostos alimentares a cada jogador e de que forma podemos ajudar a que rendam mais, assegurando que cada um consuma os nutrientes necessários para corresponder. Durante a época, o principal foco é recuperar, recuperar e jogar. Têm de estar preparados, principalmente na parte do descanso e da hidratação.
Há uma avaliação caso a caso, dependente da posição que ocupam em campo?
-Dependendo das características fisiológicas, cada jogador acaba por ter necessidades nutricionais diferentes, o que acarreta quantidades diferentes de alimentos. Em dia de jogo, a quantidade de hidratos de carbono será maior quanto maior for a intensidade da liga onde atuam. E sim, depende da posição que ocupam em campo. Um lateral faz 12 quilómetros por jogo, mas com o dobro ou o triplo da intensidade de um central. Isso tem implicações no rendimento. No intervalo temos de aproveitar para reforçar os hidratos de carbono. Seja com fruta, marmelada, gomas açucaradas, géis ou bebidas desportivas. As principais diferenças são a nível de desgaste energético. Um jogo gasta o dobro da energia de um treino. Quando um jogador não faz seis ou sete jogos num mês, terá menores quantidades no plano nutricional. Quando regressa de lesão, por exemplo, o papel do nutricionista acaba por ser preservar ao máximo a massa muscular para ser mais fácil voltar ao melhor nível em termos metabólicos. E depois há a questão cultural. Vejo misturas nos planos de alguns jogadores que são um autêntico “mix” do Mundo. O fascínio desta área também deriva disso. É difícil que um jogador que venha de África seja educado de forma a comer frango com arroz antes de um jogo. E o papel do nutricionista é fazer com que a comida não seja um obstáculo. É necessário fazer um jogo de cintura, porque não somos polícias da comida.
Tocou na questão das lesões...
-É um momento para adequar a nutrição ao que vai ser a performance e a aspetos que não estavam a ser feitos de forma correta. Periodização nutricional etapa a etapa acaba por ser fundamental, trabalhar vários aspetos, perceber que alimentos são importantes na etapa de recuperação ou que suplementos poderão ser uma pequena ajuda para que o jogador sinta mais confiança. Mais à frente, tem os seus frutos.
“Mundial de Clubes? Mais jogos quer dizer mais riscos”
A introdução de uma nova competição no calendário clubístico (o Mundial de Clubes será disputado entre 15 de junho e 13 de julho de 2025) acarreta mais riscos para os jogadores, frisa Gonçalo Magalhães. “Por norma, o jogador prefere sempre jogar. Mas quantos mais jogos, mais cuidados são necessários e mais riscos correm. A ciência também evoluiu no sentido de sermos melhores em todas as áreas. Acredito que não seja benéfico, mas todos somos consumidores”.
Menu para um lateral da Premier League
O nutricionista Gonçalo Magalhães e O JOGO dão ao leitor a oportunidade de se colocar na pele de um jogador da Premier League que tem jogo às 15h00 de sábado. Como a ementa varia mediante o papel desempenhado em campo, importa referir que, neste caso específico, seria destinada a um lateral. E começa bem cedo, com o pequeno-almoço às 9h00, seguido de quatro momentos de nutrição ao longo do dia, o último dos quais às 21h00.
Dia de jogo
Pequeno-almoço (09h00)
Começar o dia com refeição reforçada
• 120g de pão
• Dois ovos mexidos
• Um iogurte magro de aromas sem lactose com 60g de cereais
• 12-13 uvas pretas
Pré-jogo (12h00)
Uma espécie de almoço... mais leve
• Quatro panquecas de aveia com duas colheres de sopa de mel
• 350 ml de sumo de laranja natural
• Uma banana com xarope de agave
Intervalo do jogo
Energia numa breve pausa
• Uma garrafa de bebida isotónica
• Um gel energético
Pós-jogo (17h30)
“Reposição” após o derradeiro apito
• 400 ml de leite achocolatado
• Um wrap com 150g de frango, rúcula, milho e molho agridoce
• Uma banana
Jantar (21h00)
A última refeição de um dia longo
• Porção de 200g de salmão grelhado
• Porção de 200g de batata doce
• 120g de framboesas