Negócio da Premier League abalado pelas restrições que resultam da saída da União Europeia e das limitações às comissões dos empresários.
Corpo do artigo
Como se não bastasse o Brexit a devolver as limitações ao mercado da Premier League, a FIFA também ameaça com regras ao negócio, já a partir da próxima temporada.
Os 20 clubes do campeonato inglês reúnem-se, no dia 6, para discutirem formas de definir as novas regras internas. Em paralelo, a FIFA prepara-se para controlar o mercado de transferências e, além de impor tetos às comissões dos empresários, admite até criar um banco para concentrar e distribuir essas verbas. Em nome da transparência.
A boa notícia é que, para os adeptos, está tudo bem: o campeonato inglês tem todos os ingredientes para continuar o melhor do mundo, como é desde que o admiramos - por nós entenda-se a geração pré-Bosman, que conheceu a Premier League carregada de restrições e talento.
O campeonato mais valioso do mundo, de acordo com os números mais recentes da FIFA, está em vias de se reinventar e, se nos relvados isso nunca foi um problema, uma vez que já era a referência de qualidade da modalidade, antes de o acórdão Bosman forçar a abertura parcial ao talento estrangeiro, o negócio terá de se adaptar, com menos margem para transferências internacionais e, por consequência, menos lucro para os intermediários.
Finalmente, o Brexit
O referendo para votar a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) foi em junho de 2016; o divórcio de um dos membros fundadores do que começou como Mercado Comum Europeu, na década de 1970, foi oficializado à meia-noite de sexta-feira, mas, na Premier League, o Brexit está apenas no começo e afigura-se tão perturbador para este negócio milionário como para o resto da sociedade que escolheu este caminho - a mesma que, em tempos, também travou a adesão ao euro e manteve a libra como moeda. A diferença, a partir de agora, é que a definição das consequências tem data-limite: a 31 de dezembro termina o período de transição e, no futebol, tudo voltará a ser como antes, para satisfação da federação inglesa (FA na sigla original).
Ou seja, com restrições à contratação de jogadores estrangeiros, agora agravada pelo facto de, no resto da Europa comunitária, a livre circulação de pessoas permitir aos grandes rivais continentais atrair o talento jovem. A partir do próximo ano, por imposição da FIFA, os 18 anos passam a ser a idade mínima para celebrar contratos, mas o critério geográfico mantém-se e a Premier League permanecerá à parte do resto do mundo. O limite de estrangeiros em cada plantel está ainda por definir. Sem surpresa, clubes e FA divergem e seguem-se meses de negociações, enquanto o mercado de verão se anuncia como uma caça ao talento.
Depois de um grande investimento na formação, a FA vê no Brexit a oportunidade para valorizar os jogadores formados localmente e passar dos atuais oito para 12 como mínimo. Entre os gestores, na maioria dos casos, representantes de proprietários multimilionários que investiram nos emblemas para multiplicar milhões, a ideia de limitar o mercado não agrada. Terão de negociar e uma das medidas propostas é a garantia de visto para jogadores com contrato.
Novidade é, afinal, o regresso ao passado. Clubes tentam evitá-lo.
Além disso, preparam-se para discutir alterações ao fecho do mercado, com a possibilidade de adotar um modelo híbrido, em que o período de transferências terminaria na véspera do início da temporada caseira (como agora sucede) e continuaria aberto para transferências internacionais de acordo com as janelas em vigor.
FIFA mete a mão
Nem só o Brexit ameaça os milhões movimentados pelo mercado da Premier League. A recente decisão da FIFA de limitar a percentagem dos empresários deixou os tubarões da classe em pânico.
Em causa está, possivelmente, já a partir da próxima época, um teto de 10 por cento para as comissões a intermediários, caso sejam pagas pelo clube vendedor, e de três por cento, quando pagas pelo comprador. Depois de, em 2015, ter deixado de centralizar o registo de agentes, a FIFA pretende, agora, recuperar esse papel e ser mesmo o centro deste negócio que, no último ano, rendeu 592,89 milhões de euros em comissões.
Além de validar quem pode intermediar transferências, para limitar a múltipla representação e o conflito de interesses, quer distribuir o dinheiro. Propõe-se fazê-lo em nome da transparência que se tornou bandeira depois de uma série de escândalos de corrupção interna, e poderá mesmo criar um banco para gerir essas operações. Ou seja, 2020 ameaça os milionários do futebol com a palavra que os mercados mais temem: regras.
"Galinha dos ovos de ouro" a salvo
Independentemente das alterações que o negócio venha a sofrer, a Premier League não deverá mudar, aos olhos dos adeptos que fizeram dela a mais valiosa do planeta. Essa é a convicção de Francisco Fardilha, 33 anos, investigador da Universidade de Stirling, na Escócia, onde está a terminar o doutoramento em Estudos Desportivos.
Foi lá que fez o mestrado em Treino Desportivo e ali dá aulas no mestrado em Treino de Alto Rendimento. Aos 33 anos, estuda o essencial do futebol: o talento. Em concreto, o desenvolvimento de talento e a promoção da criatividade em academias de futebol profissional.
Há quatro anos que está embrenhado no tema e acredita que a "galinha dos ovos de ouro" está salvaguardada, "até pela forma como é promoção de uma imagem positiva do país". "Quem vê a Premier League vê o melhor lado de um Reino Unido apaixonado por um futebol positivo, emocionante, e não repara nas graves fissuras sociais que nesta altura separam muitos britânicos. Até a forma severa como têm lidado com casos de comportamento racista nos estádios mostra o compromisso que têm para manter a imagem do produto Premier League e de todos os agentes associados", defende.
Liga inglesa tem sido o principal motor do mercado Europeu de transferências, nos últimos anos.
A aposta valente na formação, o "sucesso" do programa federativo "England DNA", que remonta a 2014 e "levou a investimentos muito avultados" é outro dos trunfos: "É normal que haja cada vez mais jogadores britânicos a chegarem às equipas principais.
Acumularam triunfos nas seleções jovens e vê-se uma cada vez maior abertura para apostar neles; por exemplo o Rashford e o Greenwood no Manchester United, o Foden no Manchester City, o Calvert Lewin e o Tammy Abraham no Chelsea". "Claro que essa aposta tem a ver também com a grande inflação dos valores passes dos internacionais, que ocorre em todo o mundo e faz com que os clubes se virem para dentro.
É algo a que temos assistido também em Portugal", nota, mas constata que há "algo pouco comum nas últimas décadas", o facto de ser também "país exportador" de talento": "Veja-se por exemplo a forma como o Jadon Sancho se conseguiu impor no Borússia Dortmund e, mais à nossa escala, o caso do Marcus Edwards, no Vitória de Guimarães".
"Talvez mais do que o Brexit, a recente tentativa da FIFA para limitar os valores das comissões dos empresários pode vir a ter um impacto maior", remate: "Sinal disso é a reunião de "emergência" que juntou na semana passada em Londres os superagentes e rivais Jorge Mendes, Mino Raiola e Jonathan Barnett."
QUANTO VALE O MERCADO
Um negócio para defender com unhas e dentes
Basta espreitar os números dos últimos anos para perceber a dimensão do negócio em que se transformou o campeonato inglês, o mais valioso do mundo e, proporcionalmente, o que mais investiu, na última década, tal como resulta evidente no primeiro gráfico: Itália e Espanha ficaram sempre uns milhões atrás da Premier League, cujo fulgor do ponto de vista económico favoreceu todo o mercado europeu.
Entre os clubes que mais beneficiaram com os negócios do futebol inglês contam-se dois emblemas portugueses, o Benfica, quarto num ranking que tem os franceses do Mónaco no topo e o FC Porto no 11.º lugar. Entre os seis maiores investidores, metade são do Reino Unido, o que explica a mobilização para manter o dinheiro a circular.