BAK, o clube húngaro que os jornalistas salvaram: uma história que não pode perder
INFIÉIS DEFUNTOS (episódio 5) - Nunca ouviu falar do BAK? O Budapesti Atlétikai Klub?... Não?... Pois, o mundo também não, pelo menos durante pouco mais de 70 anos.
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Esta é a história de um emblema que chegou a esfregar os ombros com os maiores do futebol magiar, o tal que encantaria o planeta na década de 1950. Produziu nomes históricos do desporto mais amado à escala planetária, mas descansou em paz de 1947 até 2018, ano em que voltou efetivamente ao mundo dos vivos... graças a historiadores e a jornalistas.
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Budapeste. Império Austro-Húngaro. 1900. Um grupo de atletas e adeptos do MTK exigia a prática do futebol que o seu emblema desportivo ainda teimava em não abraçar. Farto, o grupo de renegados decidiu nesse mesmo ano formar o seu próprio grémio futebolístico: o Budapesti Atlétikai Klub, abreviado para o acrónimo BAK (pronuncia-se "bock"), que em húngaro também quer dizer carneiro. Fundadores da liga magiar, adotaram como cores o azul e o negro, que manteriam na sua segunda vida.
A liga húngara nasceu em 1901, com duas divisões: a de elite, composta por cinco clubes, e a de pretendentes, com oito clubes. O BAK começou por ser integrado no segundo escalão, mas em 1905 ganhou todos os jogos e subiu à elite, onde se conservou durante 15 anos. Um terceiro lugar e duas finais da Taça perdidas depois (1912 e 1913), os carneiros eram uma força que não podia ser ignorada.
O BAK teve nas suas fileiras jogadores que fazem parte do remoto mas vasto folcore futebolístico magiar, casos dos internacionais Jano Károly e Albért Schaffer, mas a história do emblema de Budapeste confunde-se sobretudo com a apaixonante passagem pelo mundo de Egri Erbstein, o homem que se tornou famoso por desenhar o Grande Torino, ao qual acabou por dar a vida.
Duas mortes em dois anos
Judeu, Erbstein foi um jogador banal do BAK, mas revelar-se-ia um pensador como poucos do jogo, introduzindo métodos revolucionários nas conceções técnicas e táticas quando se tornou treinador. Combatente na I Guerra Mundial e sobrevivente do Holocausto durante a II Guerra Mundial, Erbstein pegou no Torino em duas passagens, primeiro como treinador e depois como diretor técnico. Foi considerado o arquiteto do mítico esquadrão grená que dominou o calcio nos anos 1940. A tragédia de Superga, ocorrida há 70 anos, acabou com a aventura de Erbstein e de praticamente toda a equipa do Toro, numa viagem de regresso a Turim, após um jogo em Lisboa, que serviu de homenagem ao capitão do Benfica, Francisco Ferreira.
Erbstein estava entre as 31 vítimas do acidente que acabou com aquela que era largamente apontada como melhor equipa mundial à época, deixando o mundo chocado.
Dois anos antes, em 1947, o BAK também tinha falecido em Budapeste. Despromovido em 1921, o BAK enveredou pelo romantismo ao recusar jogar um novo jogo: o profissionalismo. Era a vingança do MTK, por essa altura já um clube pleno de vitalidade e dedicado a futebol, que ombreava com Ferencváros, Honvéd, Ujpest e Vasas, os grandes da capital. O BAK ficaria para trás e guardado na gaveta da saudade. Sem argumentos financeiros ou desportivos, os carneiros de Budapest deixaram literalmente de marrar contra o destino e evaporaram-se na aurora do pós-guerra.
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O milagre de Zugló District
Bertalan Molnár era um diretor de marketing e estudioso insaciável da história do futebol húngaro. Era não: é. Natural de Zugló District, a mesma área de Budapeste do defunto BAK, Molnár tropeçou por acaso há dois anos num almanaque online de desporto-rei magiar. A história dos carneiros era-lhe desconhecida e cativou-o até à alma. Sem ter com quem falar - todas as pessoas envolvidas no BAK tinham falecido -, tomou o assunto em mãos definitivamente quando leu o livro "Calcio", de John Foot, que relata os dias e os tempos de Egri Erbstein. A decisão de reavivar o BAK a qualquer custo foi então tomada.
Molnár seguiu todas as vias legais para reavivar o nome, as cores e o símbolo do BAK, depois adornado com um carneiro e encontrou uma equipa num conjunto de jornalistas desportivos, treinadores e até atores que se juntavam sob o nome Respect. Jogavam sobre um campo sintético no centro de Budapeste... e tinham atingido o sétimo escalão do futebol húngaro. Cientes da história do BAK, os jogadores dedicados ao jornalismo aderiram de pronto à causa e o BAK voltou a jogar sete décadas depois e a sua segunda encarnação já está documentada em blogs e portais. O reavivado clube foi mesmo ao ponto de fundar o Torneio Egri Erbstein, com outros conjuntos amadores, mas afamados.
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Entretanto, o BAK já se passeia moderno nas redes, joga no BLSZ III (sexto escalão na pirâmide do futebol doméstico húngaro) e tem por casa o Angyalfoeldi Sportkoezpont. É filho da sua própria memória.
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