Há um jogo contra o racismo que dura desde 2011. É o do antigo central Anton Ferdinand, que após ser insultado por John Terry viu a carreira fugir-lhe. Hoje, é um vigilante antirracismo. Esta é a sua história
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Anton Ferdinand nem tinha ouvido bem o que lhe dissera John Terry logo após o "seu" Queens Park Rangers derrotar o Chelsea do capitão da seleção inglesa. Recordava-se só de ter entrado numa acesa troca de palavras com o central ainda dentro de campo.
Reconheceu que ele próprio também se excedera no verbo, mas só vira o esgar de raiva do defensor dos blues na sua direção e não foi capaz nem de o escutar nem de lhe ler os lábios. Ao chegar a casa, um familiar mostrou-lhe um vídeo em que se percebia, sem lugar a dúvidas, que Terry vociferava insultos de teor racista na direção do irmão mais novo de Rio Ferdinand.
O que o também central Anton não sabia ainda, mas saberia mais tarde para agora o admitir publicamente passados nove anos, é que a sua carreira de futebolista começava a morrer ali. A BBC contou tudo no documentário "Anton Ferdinand: Football, Racism and me" e que está a dar que falar na Grã-Bretanha.
Cuspido desde o berço
Hoje com 35 anos, Anton e a família Ferdinand sempre viveram paredes meias com o preconceito. O ex-defensor lembra a figura vital que é a mãe. "Ela era uma mulher branca que se apaixonou por um negro. Quando ela me passeava a mim e ao meu irmão no carrinho de bebé, as pessoas cuspia-nos. Ela suportou tudo por nós e ensinou-nos a combater a injustiça. Foi ela quem me impediu de ligar logo ao Terry para o desafiar quando aquilo aconteceu, mas o estrago estava feito", conta Anton, que pagou pelo silêncio agora quebrado.
O encontro entre o Queen's Park Rangers e o Chelsea teve lugar em outubro de 2011 e implicou sérias consequências. John Terry acabou por perder pela segunda vez a capitania da seleção inglesa (o que provocaria a demissão do então selecionador Fabio Capello) e respondeu mesmo perante um tribunal civil, mas acabou ilibado de todas as acusações - acabaria por sofrer uma suspensão desportiva de quatro jogos de castigo e uma multa de 220 mil libras.
Contudo, Anton remeteu-se ao silêncio, a conselho do irmão Rio, mas também e fundamentalmente por sentir-se invadido pelo medo. "Hoje estou arrependido por não ter falado, mas estava apavorado. Recebia mensagens e telefonemas ameaçadores constantemente, enviaram-me balas pelo correio e os meus pais também foram muito visados. Era quase hora a hora", admitiu. A seguir veio o trauma que lhe arruinou irremediavelmente a carreira.
À altura do incidente, Anton tinha mais de duas centenas de jogos na Premier League. Fora formado e revelado pela academia prolífica do West Ham, tal como o seu irmão. Depois passou pelo Sunderland e tornou-se titular do QPR.
O seu técnico de então, Neil Warnock, reconheceu que o central nunca mais foi o mesmo jogador. Anton, com 26 anos, passou pelo futebol turco (Bursaspor e Antalyaspor), jogou no Police United (Indonésia) e acabou a deambular pelas divisões inferiores britânicas, até se retirar no St. Mirren, no ano passado. "Nunca mais fui capaz de me concentrar devidamente no futebol", reconheceu, mas as feridas subsistem.
O caça-racistas
No documentário, Anton ouve um áudio da audiência de Terry perante o conselho disciplinar da federação inglesa. "Ouvir isto só me faz pensar que fui tratado de forma diferente", reagiu o ex-central, que sublinhou: "Nunca ninguém me ligou a perguntar como eu estava. As instituições não estavam onde deviam estar para me apoiarem. Ninguém me bateu à porta. Quem toma decisões não sabe o que sente uma pessoa na minha posição porque isto nunca lhes aconteceu."
Terry tentou contactar Anton logo a seguir ao caso em campo. Em vão. Agora, aconteceu o contrário, com o ex-capitão de Inglaterra a não aparecer no documentário. Anton disse em público o que diria a Terry: "Isto é maior do que Anton 'versus' Terry. Isto é sobre a próxima geração."
Agora a vida de Anton é fazer pelos outros o que não fizeram por ele: percorrer o mundo para bater à porta de qualquer atleta vítima de racismo. "Se tiver de ir diretamente ter com as pessoas que precisam de apoio, irei de certeza. Estou disposto a denunciar e a apoiar sempre. Estou muito arrependido de não ter falado na altura, mas claro que o apoio é sempre necessário", reforçou Anton.
Cavani levou "puxão de orelhas"
A mais recente bronca neste particular prendeu-se com Cavani, o consagrado avançado uruguaio do Manchester United, que e viu forçado a apagar do Instagram uma mensagem a agradecer uma mensagem de congratulações com a seguinte frase. "Gracias, negrito."
Agora totalmente vigilante, Anton Ferdinand considerou: "Percebo que isto possa não ser ofensivo para o sítio de onde vem Cavani, que é, naturalmente, alguém produto do seu ambiente. Contudo, isto aqui é ofensivo para muita gente. Cavani tem de ser educado pelo seu clube e pelo seu balneário."