Uma viagem por hinos e músicas que retrataram a afirmação de Benfica e de FC Porto
Visita à Fonoteca permitiu contactar com relíquias e músicas que já haviam saído do imaginário coletivo, cantadas nos sessentas pelos adeptos do Benfica, e, nos oitentas, pelos do FC Porto.
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Canta-se...e encanta-se, invocam-se espaços temporais e contextos triunfais. Obrigado nossa inestimável máquina do tempo, obrigado Fonoteca do Porto pelo abrigo de pedaços de história de uma época animada pelas cassetes, pelas rádios ou pelos vinis, nesse poético chiar da agulha, consumida de paixão décadas a fio, agora engolida pela ditadura da inovação.
Nem tudo se perdeu ou se esqueceu na vil poeira e na severa transformação da sociedade. Com o Benfica-FC Porto em cartaz, nada melhor do que escutar o passado, rebobinar as fitas, reviver outros prazeres e outras músicas, que não só os celebrizados hinos de Luís Piçarra ou Maria Amélia Canossa. São letras afiadas como atestados de identidade, refrães tomados pelo assombro do momento, capas de perdição e músicas, no fundo, cobertas de alma e grandeza, ditadas pelo endeusamento. Imagine-se um herói ou um instante embriagante. Retratos da época, inequivocamente. "Mais uma vez campeão num feito maravilhoso. Viva o Melhor do mundo, viva o nosso glorioso", cantava Luís Piçarra em "A Marcha dos Campeões", honrando a conquista europeia dos encarnados de 1961.
"Há uma presença forte do Benfica em edições dos sessentas. As do FC Porto surgem no final dos setentas e refletem a identidade e bairrismo"
Falamos de um futebol que prospera na memória coletiva com glórias e conquistas, agrafado à história com tributos carregados de clamor. Desnudam-se vertigens clubísticas e desmascaram-se assaltos de estrelato na incessante busca de escadas para o céu. "Agora sim, estamos na Europa, não só de corpo inteiro mas também à campeão", é assim o "Dragões em Festa", do Trio Boreal, feito para brindar à Taça dos Campeões Europeu, ganha em Viena em 1987.
"As músicas ligadas ao Benfica transmitiam uma ideia de todo, de representação da nação, no caso do FC Porto havia mais proximidade à cidade"
Nesta doce viagem, dança-se com a graça de um bailarico, marcha-se ao sabor de um arraial, espalha-se a vaidade local. A música ecoa como pintura garrida, emprestando energia e valentia a qualquer festejo. A história dos títulos do Benfica e FC Porto é um infindável baú musical, do qual se retiram ritmos acelerados e desconcertantes confissões de amor.
Armando Sousa lamenta que se tenha perdido neste processo o single de Maria Amélia Canossa com uma imagem das Antas em capa
Armando Sousa, responsável pelo excelso arquivo da Fonoteca, sorvido por doações da Renascença e da RDP, guiou-nos pela descoberta de relíquias, rasgos de outra vida e de outra forma sentir o jogo, musicá-lo, transferindo-se para uma cassete ou um sete polegadas a divina homenagem à equipa que nos arrebatou o coração. "Há músicas que resultam de momentos de afirmação nacional ou internacional. Há uma presença assídua do Benfica em publicações dos sessentas, fruto também do sucesso europeu e um Eusébio a sobressair. Depois há o auge do FC Porto no final dos setentas, percorrendo todos os oitentas. Há uma proliferação de músicas à volta do clube, que refletem a sua identidade e bairrismo", contextualiza.
Ouça uma recomendação de podcast sobre o tema.
A exaltação do país e uma veneração à cidade
"As músicas do Benfica transmitem uma ideia de todo, a representar a nação. Do lado do FC Porto há mais proximidade à cidade, ao povo. E emerge um cariz mais popular", explica Armando Sousa, esbatendo diferenças e encerrando outras dúvidas. "Podemos ser levados a achar que quem compunha ou interpretava teria relação com o clube. Será verdade em alguns casos. A Canossa tem o hino do FC Porto entre outras músicas dedicadas à cidade. O Trio Boreal também tinha uma ligação ao Porto. Mas temos o Tozé Brito que compõe músicas para os dois clubes num curto espaço de tempo. Ainda há o Mário Simões, que cantou para o Benfica mas também para o Sporting. Eram personalidades reconhecidas e havia mútua visibilidade", evidencia, gabando o tesouro bem guardado na Fonoteca.
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"O valor é residual mas, de um momento para o outro, podem ser objeto de desejo. O valor que está claro, incalculável, é do objeto e da sua história. A música e o futebol dizem-nos muito dos costumes da nossa sociedade. Temos o valor das capas, ilustrações únicas que representam figuras icónicas. Há um valor gráfico e de consulta. A edição de Trio Boreal tem esse patrocínio das bicicletas Altis. Incrível!", valoriza Armando, destacando outros exemplares relacionados com o FC Porto, que até incluem fado. "Há outras edições curiosas, uma versão, talvez desconcertante, de "Casa Portuguesa" para o "Estádio das Antas", cantada pela Elisa Silva. Ou um tema retumbante "Pr"á Frente meu FC Porto, do maestro Resende Dias, irmão de Júlio Resende, que assinala o bicampeonato de 1977/78 e 1978/79", enumera.
BENFICA
Marcha Campeões
Foi em 1961 que Luís Piçarra, já com os créditos do hino "Ser Benfiquista", datado de 1953, que ainda impera no Estádio da Luz, interpretou a "Marcha dos Campeões", alusiva à primeira conquista europeia do Benfica, ante o Barcelona.
Venceremos
Juntamente com Mike Sergeant, Tozé Brito cria uma música em 1977 que é recuperada em 1988 para a "Operação Estugarda", quando o Benfica enfrenta o PSV em nova final da Taça dos Campeões Europeus, perdendo nos penáltis.
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FC PORTO
Dragões em festa
Já longe do auge da sua carreira, os Trio Boreal assinam uma música que traduz o assalto à Europa dos dragões, vencedores em Viena em 1987. Dragões em Festa, com uma capa de povo nas ruas, representa a ascensão internacional do FC Porto.
Pr"Á Frente
O bicampeonato de 1977/78 e 1978/79 retira os dragões do marasmo e de anos difíceis, arredados da conquista do título por 19 anos. Pr"á Frente tem autoria do maestro Resende Dias, figura da cultura do norte, irmão de Júlio Resende.