Cerca de um mês depois de deixar o comando técnico da Ovarense (zona Norte do campeonato SABSEG da AF Aveiro), Tiago Leite abre o jogo sobre a saída do clube alvinegro, apontando o "desgaste acumulado" como principal catalisador da despedida do "clube do coração".
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O Tiago deixou a Ovarense em boa posição na zona Norte do campeonato SABSEG da AF Aveiro. Que motivos estiveram na origem da sua saída?
-O que posso dizer sobre esse tema sem entrar em polémica é que a relação foi-se desgastando. No início, a Ovarense teve aquilo a que se chama um conto de fadas, que foi interrompido pela covid-19. Quando a época foi interrompida, a Ovarense estava no segundo lugar, que dava - e deu - acesso à Taça de Portugal, estando também nas meias-finais da Taça de Aveiro. A segunda época foi muito difícil, porque a Ovarense vive dos adeptos e, sem eles nos estádios, foi um ano muito complicado. Depois também houve jogadores que saíram devido a falta de dinheiro, implícita ao contexto de pandemia que atravessámos. Já este ano, o trabalho foi feito de maneira um pouco diferente daquilo a que estávamos habituados. Houve uma aposta através de um grupo de empresários brasileiros. Mais tarde, alguns dos jogadores que chegaram ao clube através desse meio acabaram por sair, mas antes ainda tivemos problemas. Tudo acumulado provocou. O que senti foi que a Direção já não olhava tanto para mim como uma solução. Começámos a perceber que o que nos separava era mais forte do que aquilo que nos unia. Houve um desgaste de três anos juntos, proporcionado por todas as dificuldades que fomos enfrentando. Mas, com vontade de ambas as partes...
Com vontade de ambas as partes o desfecho podia ter sido diferente?
-Se sentisse confiança da Direção, jamais sairia. Se eu sentisse confiança da Direção para me apoiar em todas as minhas decisões, jamais teria saído. A decisão surgiu por vontade conjunta porque senti que não era esse o cenário.
O Tiago falou em problemas com alguns jogadores que, entretanto, saíram do clube já com a época a decorrer. Pode detalhar?
-No jogo com o São Vicente de Pereira, dois dos jogadores brasileiros do plantel tiveram uma discussão em campo com o Luccas [Marques, ponta de lança] e quase chegaram a vias de facto. Foram jogadores que vieram para se tornarem profissionais, sempre de olho nos objetivos pessoais, não tanto para os do clube. Como treinador, tenho sempre de remar para o bem coletivo. Estes não concordavam com esse bem-estar coletivo, houve sempre objetivos pessoais à frente de tudo. Também entrou um adjunto na equipa técnica que só pensava nos seus jogadores e naquilo que queria para a sua empresa. Em São Vicente foi o culminar de tudo, com esse episódio muito triste, que os adeptos da Ovarense presenciaram, infelizmente. A Direção achou que eu deveria continuar e esses jogadores deveriam sair. Daí para a frente senti que qualquer problema que existisse deixaria de resolvido de forma pacífica. E foi-se acumulando o tal desgaste que já mencionei.
Que avaliação faz do trabalho que levou a cabo na Ovarense ao longo dos últimos dois anos e meio?
-A avaliação é extremamente positiva por todo o contexto com que nos deparámos. Em 2019/20, o objetivo era só manter a equipa na primeira divisão distrital e acabámos por ficar no segundo lugar. A segunda época acaba por ser positiva, também. Construímos um plantel forte, jogámos com o Oriental Dragon na Taça de Portugal, conseguimos ser melhores do que eles, mesmo com dez jogadores e contra um adversário de muita valia. Fomos a prolongamento, falhámos um penálti e tivemos ocasiões para vencer, mas acabámos por ser eliminados injustamente. Depois, tivemos um período mais conturbado, numa altura de pico da pandemia, em que passámos 14 dias em isolamento profilático, sem treinar. Quando voltámos, fizemos um treino e tivemos logo que competir. Aí foi um bocadinho mais complicado. Entrámos novamente no caminho das vitórias e, depois, houve nova paragem total. Entrámos na prova final com menos jogadores, uma vez que alguns elementos saíram do clube, com os jogadores fora de forma, após quatro ou cinco meses parados... Ainda assim, conseguimos apurar a equipa para a fase a eliminar, onde chegámos aos quartos de final. Já esta época, com as escolhas que foram sendo tomadas, saí da Ovarense em terceiro lugar, dentro dos objetivos que se pretendiam. Acabámos por apresentar um bom futebol, em Santa Maria de Lamas perdemos, mas fizemos um excelente jogo. O balanço é francamente positivo. Desde o regresso do futebol da Ovarense [em 2008], o clube nunca tinha ficado mais do que uma época na primeira distrital e acabou por se tornar num dos melhores clubes dessa divisão nos últimos anos.
A sua saída foi muito sentida pela massa adepta. Quer deixar alguma mensagem ao clube e aos sócios?
-A mensagem que deixo é que foi um prazer. Agradeço todo o apoio que me deram ao longo destes últimos anos. Sempre senti que me tratava de um deles, consegui devolver a equipa e o clube aos adeptos e à cidade. Houve uma ligação muito forte e uma proximidade muito grande, foram uma extensão da nossa equipa, houve uma ligação enorme. Será sempre o clube do meu coração, sempre especial para mim. Quero que vençam sempre, desde que não seja contra mim [risos]. Peço que aceitem o meu próximo passo com naturalidade. No dia em que voltar aos bancos, espero ser bem recebido. A vida segue e eu terei de seguir o meu percurso.
O comando técnico da Ovarense está agora a cargo de Bock, um antigo goleador e uma figura bem conhecida do futebol português. O que antevê para o futuro do clube?
-Jamais vou falar do Bock ou de outro treinador, porque sempre tive enorme respeito por todos os meus colegas de trabalho, para quem deixo sempre uma palavra antes e depois dos jogos. O que posso dizer é que tenho plena confiança no excelente grupo de trabalho que deixei. Além de bons jogadores, está ali um grande grupo de homens. Tenho a certeza que a Ovarense está muito bem servida para o futuro.
Regressar ao clube é algo que não descarta?
-Claro que não, seja em que função for. No futuro próximo é quase impossível voltar como treinador, mas, um dia, gostaria de voltar ao meu clube, seja como técnico, como dirigente, ou como adepto, a apoiar na bancada. Um dia vou voltar, será sempre a minha casa. No futuro próximo, será quase impossível. Tenho objetivos a seguir, que quero alcançar e julgo-me com capacidade para chegar a outros patamares.