Saúde mental dita final de carreira: o caso de Rodrigo Varanda e outros exemplos
Rodrigo Varanda, que chegara este verão aos Açores, cedido pelo América Mineiro, deixa futebol aos 21 anos
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O Santa Clara comunicara na quarta-feira o fim repentino da cedência de Rodrigo Varanda, reforço que chegara este verão, mas pouco depois o América Mineiro, ao qual ainda estava ligado, formalizou também a rescisão do vínculo. Num vídeo publicado nas redes sociais, o jogador, de 21 anos, revelou que decidira colocar um ponto final na carreira para se cuidar.
Santa Clara anunciara fim da cedência na véspera, mas, afinal, o jogador despediu-se mesmo dos relvados. Carlos Fernandes, ex-guarda-redes, sugere que não se tenha vergonha de pedir ajuda.
“Quero deixar bem claro a todos que a decisão de parar foi toda minha. Vou cuidar da minha saúde mental e dos meus filhos. Sei que é difícil para muitas pessoas, para os meus empresários, os clubes com que trabalhei. Sei que é difícil para todos. Todos acreditavam no meu potencial. É difícil para mim também e para a minha família. Mas só eu sei pelo que passo. Ninguém sabe, só eu. Quero tirar um tempo para mim. Obrigado a todos que estiveram ao meu lado. Agora, a vida segue”, afirmou. Aparentemente, as inegáveis qualidades técnicas de Varanda não se adaptaram ao rigor do futebol profissional.
O avançado do Santa Clara, clube que, sabe O JOGO, oferece aos jogadores acompanhamento psicológico permanente e, até para prevenir a sensação de isolamento que viver numa ilha acarreta, tem o cuidado de juntar os atletas às famílias, em definitivo ou por largas temporadas, para facilitar a adaptação, não é caso isolado em questões de saúde mental. Longe disso. Mas, ainda que o estigma seja cada vez menor, há ainda um caminho a percorrer. Quem o garante é Carlos Fernandes, ex-guarda-redes de Boavista, Rio Ave e Estoril, que passou por momentos complicados após terminar a carreira.
Na quinta-feira, nas redes sociais, Rodrigo Varanda, além do adeus ao futebol profissional, ainda contou ter perdido o voo que o levaria de volta para o Brasil
“Hoje há mais à-vontade dos atletas, e não só para falarem sobre a saúde mental. Mas, há ainda quem não assuma o problema”, contou a O JOGO, recordando a altura em que só queria estar sozinho: “Fechei-me em casa durante três meses. Não saía do quarto e só queria dormir. O Joaquim Evangelista [presidente do Sindicato dos Jogadores] foi um dos grandes responsáveis pela minha recuperação, depois de me ter encaminhado até um profissional, Pedro Teques. Alguns amigos também me ajudaram muito, como o Jorge Andrade. Chamavam-me para fazer alguma coisa, mais do que uma vez por dia”, recorda.
Ciente da seriedade do problema que afeta milhões de pessoas - e em que muitas delas preferem sofrer em silêncio - o agora treinador de guarda-redes deixa um apelo. “O melhor conselho que posso dar é para se sentirem humanos e não terem vergonha de procurar ajuda. Porque, muitas vezes, as pessoas à nossa volta desvalorizam o problema, fazendo-nos duvidar. Procurem ajuda e não tenham vergonha”, concluiu.
Outros exemplos
Simone Biles desiste a meio dos Jogos Olímpicos de Tóquio
A ginasta norte-americana surpreendeu o mundo quando, em 2021, desistiu de participar na final olímpica de solo, depois de ter abdicado das finais do concurso completo e de dois aparelhos (salto e paralelas assimétricas). Na hora da prova, Biles pegou nos pertences e retirou-se do palco, explicando, depois, a desistência. “Não queria mesmo continuar. Tenho de cuidar da minha saúde mental. É mau quando se luta contra a própria cabeça”, vincou.
Naomi Osaka resguarda-se nos contactos com a Imprensa
A tenista japonesa recusou falar com os jornalistas enquanto disputava o Roland Garros, em maio de 2021, para preservar a saúde mental. Mais tarde, Naomi admitiu que passou por um longo período de depressão desde 2018.
Robert Enke deixa o futebol de luto devido a grave depressão
O guarda-redes alemão, que passou pelo Benfica entre 1999 e 2002, tendo vestido também as camisolas de Barcelona, Tenerife e Borussia Moenchengladbach, foi diagnosticado com uma depressão crónica mas nunca terá partilhado com ninguém a angústia pela qual estava a passar. A 11 de novembro de 2009, o mundo do futebol ficou em choque e de luto pela sua morte. Suicidou-se quando tinha apenas 32 anos.
Brasileiro Lyanco admite ter crises de ansiedade
Depois da qualificação do Atlético Mineiro para as meias finais da Libertadores, o defesa Lyanco admitiu ter problemas de saúde mental. “Ninguém sabe o que tenho passado. Tenho crises de pânico e ansiedade. Tenho trabalhado com o psicólogo do clube. Tomo medicação todos os dias. É um assunto muito sério e as pessoas não entendem. O que sinto não é só na cabeça, é fisicamente também”.
Michael Phelps pensou acabar com a própria vida
O nadador norte-americano não escondeu as dificuldades que passou durante a carreira e admitiu ter pensado em suicídio. “Não queria estar vivo. Não comia, não bebia, fui para um centro de recuperação. Estava a lutar pela minha vida, mais do que as pessoas poderiam imaginar. Uma em cada quatro pessoas tem um problema de saúde mental e não fala sobre isso. Se todos conversássemos, seria algo normalizado”. Hoje, dedica-se a ajudar pessoas que passam pelas mesmas angústias.
Morte de amigo deixa Iniesta sem vontade de viver
Iniesta venceu tudo que havia para vencer com as camisolas do Barcelona e seleção espanhola mas passou um momento complicado durante o auge da carreira, após a morte de um amigo: “Quando estava a lutar contra a depressão, a melhor hora do dia era quando tomava os comprimidos e ia para a cama. Perdi a vontade de viver. Abraçar a minha mulher, mas era como abraçar a almofada. Não sentia nada”. Foi apenas mais um entre dezenas de casos (e contando só com famosos) no futebol profissional.