O JOGO viajou até às raízes do melhor marcador do campeonato, Pedro Gonçalves. Potinho gostava muito de comer, mas mais ainda de futebol.
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Quem passa por Vidago tem tudo para se deixar fascinar com uma vila pacata, conhecida pelas águas termais e gasocarbónicas, que servem de motor económico a uma freguesia com menos de 2000 habitantes. Localizada no Alto Tâmega, a cerca de 15 quilómetros de Chaves, Vidago é uma localidade que nos dias que correm vibra com o futebol.
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Pedro Gonçalves, ou Potinho, como é conhecido na terra, deu-se a conhecer na I Liga na temporada passada, ao serviço do Famalicão, e convenceu o Sporting a pagar 6,5 milhões de euros por metade do passe. O valor foi motivo de discussão, mas os desempenhos de Pote neste arranque de época acabaram com as desconfianças: sete golos em seis jogos no campeonato valeram o estatuto de coqueluche do momento nos leões. Razão suficiente para O JOGO mergulhar nas raízes de Pote, construídas entre Vidago e Chaves, onde começou a dar os primeiros pontapés na bola.
Pedro Gonçalves nasceu a 28 de junho de 1998, em Trás-os-Montes. O terceiro filho de Maria Pereira ficou sem pai, que era bombeiro, vítima de doença oncológica quando tinha um mês de idade. Maria tornou a casar e com outro bombeiro, Mário Adães, que criou Pote como seu. Sentados na rouparia do Campo João de Oliveira, antiga casa de Maria e Mário, que ali foram roupeiros, os dois sorriem para falar do craque. "O meu Pedro está famoso, não está? Para mim isto ainda é tudo um sonho", confidenciou Maria, voz doce e calma, jardineira no Vidago Palace Hotel e a rebentar de saudades do filho. "Não o vejo desde março. Tenho que o ver pelo tablet", atirou. "Já não tenho sítio onde pôr tantos jornais. Coleciono tudo o que sai do Pedro", contou Mário, funcionário da recolha do lixo.
Pedro Gonçalves é o terceiro de quatro filhos de Maria Pereira. Nasceu em Vidago e aos 12 anos foi morar sozinho para Braga
André Vidal foi o primeiro treinador de Pote no futebol federado e lembra um miúdo "fora de série" responsável pela criação de uma equipa de escolinhas. "O Vidago nunca tinha tido uma equipa de sub-10 e formámos uma em redor do Pedro. Como vivia no campo, treinava mais do que os outros e era completamente fenomenal, muito acima da média. Fazia golos de todo o lado e foi o melhor jogador que treinei", revelou. Rui Branco, atual presidente da Junta de Freguesia e antigo líder do Vidago quando Potinho começou a jogar, já notava um miúdo "diferente" há uma década. "Na bancada diziam para meter o Potinho que resolvia. E resolvia mesmo. Era diferente, muito veloz e com uma potência de remate quase indefensável. No final do treino dos seniores ficava a bater umas bolas com eles. Não imaginava que ele fosse atingir este patamar tão depressa", reconhece. A mulher de Rui Branco, narrou Mário Adães, dizia que era "mal empregue" ter Pedro a jogar no Vidago. O clube de Pote podia ser o Vidago, mas o miúdo jogava à bola em todo o lado. "Às vezes era preciso desligar a luz do campo para ele vir para casa. Fartava-se de andar à chuva e primeiro que viesse comer", referiu a mãe. "Levava-o para o quartel dos Bombeiros e jogava com o comandante. Corria por aquela parada forte e chutava ora com a direita, ora com a esquerda", acrescentou o padrasto.
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Mas, afinal, de onde veio a alcunha de Pote, ou Potinho? "Ele era gordinho e gostava muito de comer. Quando lhe perguntaram como queria a camisola no Vidago ele disse que tinha que ser Potinho, senão não jogava à bola. Come de tudo, peixe, carne assada, fumeiros, grão de bico com cebola. Às vezes ligo-lhe e lá está ele a comer grão de bico com cebola", notou Maria. "No Chaves, o pai de um colega de Montalegre trazia sandes de presunto para ele comer. Dizia que ninguém lhes podia tocar, que era para o Pote. Ia ao bar e comia várias tostas mistas, dava um prejuízo...", relatou Mário.
Potinho mudou-se para Chaves depois de dois anos em Vidago, transferiu-se posteriormente para o Braga em 2010, onde Agostinho Oliveira, antigo selecionador nacional, tirou-lhe o diminutivo e passou a chamar-lhe Pote, e emigrou em 2015 para o Valência. Dois anos volvidos estava no Wolverhampton, até regressar na época passada. O resto é uma história já conhecida e com promessas de não ficar por aqui.
Marcou ao irmão e ficou sem um abraço
A fama de um Pedro Gonçalves demolidor nas camadas jovens do Chaves fez mossa até no seio da própria família de Pote. "Uma vez fomos jogar a Vidago e o Potinho começou no banco. O Vidago adiantou-se no marcador, mas quando o Potinho entrou... fez sete ou oito golos", conta Armando Carvalho, então dirigente do Chaves. Até aqui nada de anormal, não fosse na outra baliza estar André, o irmão mais novo de Pote. "No final foi abraçar o irmão, mas ele não quis falar com o Pedro", sorriu Armando, recordando um momento que acabou por ficar na memória dos mais próximos.
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Sempre recordado pelos Bombeiros
Pedro Gonçalves e o seu empresário Jorge Pires doaram 2500 máscaras, 50 fatos de proteção e um ventilador aos Bombeiros de Vidago e ao Hospital de Chaves, por altura da primeira vaga da pandemia, com o intuito de atenuar as limitações conhecidas dos vários intervenientes que estão a travar o combate à covid-19. "O Pedro já disse diversas vezes aos bombeiros que quando precisarem de mais é só dizer", contou o padrasto Mário Adães. "Vão fazer um mural com várias pessoas importantes da vila e têm um bocadinho que será para ele", acrescentou Mário, bombeiro voluntário e com os olhos a rebentarem de satisfação pela atitude do enteado. A ligação à terra onde nasceu será eterna, garante Rui Branco, presidente da Junta de Freguesia. "Associar o Potinho a Vidago é um orgulho. Nem sempre pode vir cá, mas nunca se vai esquecer dos vidaguenses", assegurou. Aliás, Pedro Gonçalves não perde de vista o desempenho desportivo do Vidago FC na Série A do Campeonato de Portugal.