ENTREVISTA, PARTE I - Treinador, de 39 anos, pegou no Paços de Ferreira à quinta jornada, com o clube no último lugar, e terminou em 13.º. Desempenho após a paragem encheu-lhe as medidas e as permanências "são títulos".
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Pepa garantiu a quarta salvação da carreira e nunca desceu de divisão. Técnico traçou a receita das permanências, não se vê como um treinador que só serve para evitar descidas e lamenta que o futebol do Paços após a paragem não tenha sido mais "falado".
Se as permanências fossem uma receita culinária, que ingredientes levariam?
-Levariam açúcar e sal, que no futebol pode ser a responsabilidade e a liberdade, levariam forno e frigorífico, ou seja, quando ganhámos dois jogos seguidos retirar o calor de toda a gente e colocar o frigorífico e o contrário, que é quando as coisas estão a correr mal, o comandante do barco tem de dar o exemplo para dar calor. Este equilíbrio é fundamental. Depois, tudo o resto que é conhecido: treino, trabalho técnico, tático, etc.
Acha que involuntariamente ficou conotado como treinador para equipas que lutam pela permanência? Se sim, isso magoa-o?
-Não estou conotado com nada disso. Tenho 39 anos... Se eu vivesse obcecado em conseguir algo, não iria estar em paz comigo próprio. Não tenho de passar por cima de ninguém para chegar longe.
O Paços de Ferreira fez 17 pontos em 30 possíveis após a paragem. Foi um desempenho quase perfeito?
-A nossa campanha após a retoma não foi devidamente valorizada, mas também não posso controlar isso. Fico na minha e limito-me ao trabalho e à família. Para mim, as permanências são títulos, jogar como jogámos neste último terço do campeonato e estando lá baixo é um título. Foi muito falado? Não foi. Os jogadores são os meus maiores juízes.
Tem sete anos como treinador principal. De 0 a 10, que nota dá ao Pepa jogador e ao Pepa treinador?
-Essa pergunta é difícil... O Pepa jogador da formação era nove. Enquanto sénior fui um cinco. Como treinador dou nota oito com margem para crescer [risos].
O presidente, Paulo Meneses, disse em entrevista a O JOGO que agora vê um Paços jogar à Paços e com qualidade. Sabe bem ouvir estes elogios?
-Ficamos lisonjeados com essa observação, mas é algo que quisemos incutir. Fui repetitivo quando disse que íamos jogar à Paços pois sei que é algo com o qual a cidade e os adeptos se identificam e para mim há um momento marcante: quando cheguei, perdemos com o Famalicão por 4-2 e a seguir ganhámos ao Aves por 2-1, após estarmos a perder 0-1. Foi um jogo à Paços na alma, na garra e no querer, só que não tivemos grande qualidade. No dia a seguir, disse que já não podíamos baixar a fasquia de jogar à Paços, porém tínhamos que o fazer com qualidade. Dito isto, importa também agradecer a confiança e a paciência que a Direção teve no treinador, pois em Portugal e em todo o lado quer-se resultados imediatos. Em setembro, eu sentia que podíamos crescer, mas que ia demorar e foi um trabalho a dez meses.
E sentiu que o Paços foi das equipas que mais cresceram ao longo do campeonato?
-Houve muitas boas evoluções em várias equipas. Não posso dissociar o mercado de janeiro, mas não posso tirar mérito a quem ficou e aguentou o barco. É muito fácil chegar à beira da Direção e pedir para sair, quando o barco começa a meter água. Dispensámos alguns jogadores por opção minha e conseguimos ir buscar cinco jogadores com carácter e personalidade que nos ajudaram: Marcelo, que é um dos melhores jogadores que já treinei na vida, é incrível dentro e fora do campo, Eustáquio, João Amaral, Adriano Castanheira e Denilson. Contudo, volto a salientar, sem esquecer quem ficou, que aguentou o barco e não saltou fora.
"Não posso fazer um frango de dourada"
Pepa conseguiu voltar a privilegiar um jogo de posse em Paços de Ferreira, à semelhança do estilo que adotara em todos os clubes anteriores menos em Tondela. "Tem a ver com a diferença de jogadores que tenho à disposição. Eu não posso morrer pelas minhas ideias, nem vou dizer que faço frango de dourada ou uma omelete de massa. A Sanjoanense, o Feirense e o Moreirense eram equipas de posse, mas o Tondela não, porque não houve tempo. Perguntas-me: iniciaste duas épocas lá? Iniciei, mas se já éramos fortíssimos a jogar daquela forma, insistimos muito naquele aspeto."
"Não percebo isto... tem de haver público"
Se as praias estão lotadas e as esplanadas abertas, com pessoas sem máscara, Pepa defende que está na hora de se abrirem os estádios. A permanência será o principal objetivo do Paços mas há outros em vista
O Estádio Capital do Móvel terá de ser uma espécie de aldeia do Astérix para o Paços de Ferreira, pois Pepa quer que seja "muito mais difícil" passar na Mata Real. "Jogar bem é jogar de olhos fechados", atira.
O Paços parte com mais responsabilidade para a próxima época, depois da forma como acabou esta?
-As pessoas são exigentes, mas ninguém é mais exigente do que eu. Acordo e adormeço a trabalhar e lido muito bem com esse tipo de exigência e responsabilidade.
Quais serão os objetivos?
-O objetivo principal do clube é a permanência, não vale a pena estar com rodeios. Porém, é muito ligeiro dizer isso. Queremos valorizar jogadores pela forma de jogar, voltar a colocar o Paços na primeira metade da tabela e que o Paços seja conhecido por jogar de uma determinada forma como sempre foi conhecido.
E a Mata Real tem de ser a aldeia do Astérix para o Paços de Ferreira?
- [risos] Tem de ser mesmo. Tem de ser muito mais difícil passar na Mata Real. Mas é algo que queremos que seja natural, tal como também queremos ganhar muitas mais vezes fora. Acima de tudo, quero que metam a televisão a preto e branco e que as pessoas olhem e que digam que quem está a jogar é o Paços de Ferreira, que vejam um padrão e para mim isso é que é jogar bem. Sucintamente: para mim jogar bem é jogar de olhos fechados, independentemente da forma de jogar.
Mas como é que se pode fazer uma aldeia do Astérix sem o público a ajudar?
-Tem de haver público. Não consigo compreender o que se passa, vemos restaurantes com as pessoas lado a lado, nas esplanadas não há máscaras, há praias abertas e nos estádios não pode haver público de duas em duas cadeiras? Acredito que as entradas e saídas nos estádios possam ser complicadas, mas tem de se incutir regras. Quando o futebol esteve parado, não foram só os jogadores que estiveram sem trabalhar, e os seguranças, os jornalistas, os câmaras?
Mariza, a escuridão e a luz
Pepa começou a carreira de treinador principal na Sanjoanense, onde venceu a I Divisão da AF Aveiro e a Supertaça. Depois passou por Feirense, Moreirense, Tondela e P. Ferreira.
Castores ganharam em Braga na primeira volta da Liga e na altura estavam abaixo da linha de água. Coincidência ou não, o Paços ganhou.
O que é que simbolizou para vocês a música "Melhor de Mim" da fadista Mariza?
-Na palestra um dia antes do jogo com o Braga não sei o que me deu na cabeça, entusiasmei-me, coloquei a música e comecei a cantar em cima de uma cadeira. Entretanto, toda a gente começou a cantar e no dia do jogo os jogadores também ouviram a música antes do início. A própria letra era o que nós estávamos a passar, ou seja, que a escuridão ia virar luz, que a tormenta ia passar. A letra entrou-nos de tal maneira no corpo que ficou até ao final da época. Passámos pela escuridão, pela tormenta e depois encontrámos a luz.
O facto de o Pedrinho e do Bruno Santos terem emigrado e terem assinado contratos melhores é uma vitória para si?
-O Pedrinho, o Tyler Boyd, o Tomané, o Osorio, o Cláudio Ramos, o Xavier e tantos outros... isso são as medalhas que ficam.
Já perdeu o Pedrinho, que era o capitão, o Bruno Santos e há outros nomes que podem dar o salto como o Tanque, o Matchói ou o Oleg. Como se vai fazer a reconstrução do Paços?
-Com paciência. Vamos fazer uma grande equipa.
O Marcelo pode ser um bom herdeiro da braçadeira de Pedrinho?
- Ele é um capitão e um líder por natureza. Se vai usar braçadeira ou não, é uma discussão a pensar.
Há algum jogador que possa passar por si na rua e que não o cumprimente?
- Não acredito, nem o Peña, no Tondela, que entrou no último jogo aos 60" e saiu aos 75". Só se não me reconhecerem. É como eu digo, as medalhas que tenho é ver os jogadores assinarem contratos financeiramente mais vantajosos.
Dez jogos muito bem conseguidos
O Paços de Ferreira voltou em forma após a paragem, mas Pepa recordou que a equipa já vinha a melhorar.
No meio da infelicidade que é a pandemia, a paragem no campeonato foi positiva?
-É sempre complicado estar a dizer que foi positivo algo que é muito mau em termos mundiais. A nossa retoma teve um impacto grande, mas já vínhamos numa fase boa e tudo isso deveu-se ao grande grupo de trabalho que temos desde os jogadores à estrutura do clube. Os últimos dez jogos foram bem conseguidos.
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