Benfica pondera aproveitar recente alteração na lei para introduzir lugares de "ultra" na Luz, prática de enorme sucesso - e segurança - na Bundesliga. O JOGO conta-lhe toda a história das bancadas "safe standing", outrora palco de grandes desastres
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Portugal volta a ser vanguardista na introdução de alterações no desporto-rei: após o VAR e a tecnologia de linha de golo, eis que estão prestes a surgir os primeiros palcos onde se pode ver o futebol... em pé. Parece estranho, sim, mas certo é que há muitos aficionados desta prática, agora à espera de regulamentação. O futuro é agora.
Indiscutível é que a intenção do Benfica é também um horizonte de FC Porto e Sporting
Está publicada em Diário da República a alteração da Lei 39/2009, referente à Violência no Desporto. É resultado da comunhão entre os clubes da primeira e segunda divisão nacional, e do debate no Grupo de Trabalho de Prevenção e Segurança, promovido pela Liga, saíram grandes novidades: não só a permissão para a venda de álcool nos estádios, mas também a possibilidade de os clubes criarem lugares em pé nas suas casas.
Eis o nosso ponto de partida, que tem o Benfica como protagonista, ou não estivessem as águias a estudar - o administrador Domingos Soares de Oliveira confirmou-o na Soccerex, há pouco mais de uma semana - a introdução de uma bancada "safe standing", neste caso com o objetivo de conceder à Luz mais espaço para os adeptos dos encarnados, prática de uso comum nos recintos alemães.
Mesmo quem nunca pagou esse bilhete, muito provavelmente se recorda de que em Portugal - e não só - já existiu algo do género: há cerca de 40/50 anos, o peão fazia as delícias de quem tinha os bolsos menos cheios e não se importava de ver a bola de pé, quase à mesma altura que outros milhares de pessoas.
Instituto Português do Desporto e Juventude já mostrou abertura após o pedido que foi endereçado pelas águias
Conta-nos a história que ali reinava a falta de segurança, provada onde o futebol atingiu o desastre: estávamos a 15 de abril de 1989, no Estádio de Hillsborough, num jogo entre Liverpool e Nottingham, a contar para as meias-finais da Taça de Inglaterra. As más condições do recinto do Sheffield Wednesday, associadas à sobrelotação, terminaram em 96 mortos e 766 feridos, alterando profundamente a regulamentação em solo britânico.
Publicado em 1990, o Relatório Taylor promovia melhorias significativas nos palcos do desporto-rei, dando o pontapé de saída a enormes reformulações e aconselhando ao ponto final nos lugares de pé; no fundo, lugares sem ponta de segurança. Só que 30 anos depois, os adeptos fartaram-se de estar sentados e, apoiando-se nas recomendações da UEFA e FIFA para os lugares "de todo o tipo", assim como no exemplo germânico, estão a levantar-se lentamente, mostrando que hoje não há perigo de ver o futebol como gostam - em pé.
Uma área de "safe standing" nem sempre implica maior lotação: o Tottenham criou 17 500 lugares no seu novo White Hart Lane para satisfazer quem quer assistir ao jogo como ultra, mas não muda a tipologia do estádio de jogo para jogo; o Borússia Dortmund, por exemplo, aumenta em quase 16 mil lugares a sua capacidade nos jogos das competições alemãs, colocando assentos removíveis que não eram permitidos em jogos europeus (a lotação internacional era de quase 66 mil espectadores, a interna de 81 mil).
E como pode uma bancada ser assim tão elástica? Imagine uma fila, onde, sem um banco, existe a oportunidade de que uma pessoa sentada dê lugar a duas de pé. Simples, até ver seguro, mas nem sempre acessível para todos os clubes.
Falta agora a regulamentação
E o que pretende o Benfica fazer perante a novidade que a alteração da lei permite? Tal como Soares de Oliveira assumiu, os lugares de pé são uma oportunidade para aumentar a capacidade do reino do campeão nacional, que aponta ao aumento constante da procura para concluir que é preciso mais para chegar ao maior número possível de interessados.
Apurou O JOGO que o Instituto Português do Desporto e Juventude, entidade responsável por este tipo de questões, já mostrou abertura após o pedido que foi endereçado pelas águias, sem que haja, para já, prazos de definição - é preciso, e noutra informação apurada pelo nosso jornal, regulamentar o que agora é lei para se dar um passo mais concreto.
Desastre de Hillsborough, em 1989, num jogo entre Liverpool e Nottingham Forest, vitimou mortalmente 96 pessoas e feriu 766. Sobrelotação da área onde se via o jogo em pé e maus acessos: as causas oficiais da tragédia
Indiscutível é que a intenção do Benfica é também um horizonte de FC Porto e Sporting, os outros dois grandes, que ajudaram nos trabalhos para a aprovação do projeto; é também indiscutível que, na especialidade, a lei não vai defender todos da mesma forma. Exploram-se outros fatores, como a segurança e o combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos.
VANTAGENS
- Capacidade e receita: a introdução das bancadas "safe standing" adequa parte do estádio às necessidades do clube. Uma bancada pode duplicar a assistência e, assim, aumentar também as receitas.
- Segurança: as grades que separam as filas permitem que os ultras vejam o jogo como querem - de pé - e reorganizam os espaços para os grupos organizados.
- Adeptos: criando mais lugares e vendendo mais bilhetes, os clubes podem reforçar a sua ligação com os adeptos, descendo os preços das entradas e recriando a sua atmosfera.
DESVANTAGENS
- Custos e limites: só os clubes com maior capacidade em Portugal parecem estar dispostos a avançar para o "safe standing". As mudanças implicam custos elevados e fazem mais sentido para quem tem maior lotação.
- Desmontáveis: apesar de escassez de problemas, na Alemanha uma das maiores preocupações passa pelos lugares desmontáveis, ou seja, na possível apropriação de objetos perigosos para eventuais arremessos.
- Internacional: até ver, a UEFA não permite a utilização de lugares em pé nos jogos europeus. Por exemplo, o estádio do Dortmund diminuiu de 81 para quase 66 mil lugares em duelos internacionais.
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TRÊS QUESTÕES A PAULO MARIZ ROZEIRA (Diretor Jurídico da Liga de Clubes)
1 - Em que pontos esta alteração da lei, que passa a permitir a introdução de lugares em pé nos estádios, poderá ser benéfica para o futebol português?
- Na sequência de graves incidentes no norte da Europa nos anos 80 e 90 do século passado, a organização no nosso continente adotou um paradigma fortemente securitário, focado na contenção e separação dos adeptos e na criação de infraestruturas rígidas, que neutralizassem a possibilidade da repetição desses incidentes.
Fruto de um trabalho profundo e sério, apoiado na evolução de mentalidades e na modernização dos estádios, foi agora possível progredir para um novo posicionamento que, além dos pilares de segurança e proteção de pessoas e bens, reconhece a importância de oferecer aos adeptos condições condizentes com as suas expectativas. Isto na certeza de que a satisfação dos adeptos terá impacto positivo na segurança.
Queremos oferecer aos adeptos o ambiente que desejam. Nem todos seguem o jogo da mesma maneira e, neste particular, queremos que os adeptos vivam o jogo mais intensamente, com maior exteriorização de emoções em segurança, sem risco de causarem danos colaterais.
Importa recordar que a UEFA ainda não admite áreas em pé nas suas provas
2 - Com esta alteração, os clubes poderão aumentar a capacidade, reduzindo os prejuízos pelas trocas sistemáticas de cadeiras?
- A nossa proposta não teve por base outro fim que não o anunciado, de irmos ao encontro das expectativas dos nossos adeptos. A concreta implementação desta solução depende ainda de regulamentação e do estudo das melhores opções.
Aqui importa recordar que a UEFA ainda não admite áreas em pé nas suas provas, pelo que a nossa expectativa é que os clubes implementem soluções boas e testadas, como o "rail seating", que permite, nos jogos das competições nacionais, a fixação dos assentos na barreira de separação entre filas e, nos jogos das competições europeias, a sua libertação, para assistência sentada.
3 - Portugal está de novo na vanguarda?
- Não queremos estar na vanguarda por estar. Mas sempre que nos apresentem oportunidades de melhorar o espetáculo, o jogo, a situação dos nossos clubes ou a satisfação dos nossos adeptos, avançaremos com as melhores e mais sustentadas decisões. Foi assim neste caso, como na implementação do VAR ou da tecnologia da linha de golo.