Salvatore Esposito é Gennaro Savastano em “Gomorra”. Em conversa com O JOGO, o ator conta tudo sobre um grande amor que o leva ao San Paolo. Como Maradona e a série lhe mudaram a vida!
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Com carreira lançada em “Gomorra”, Salvatore Esposito tornou-se icónico na ficção italiana e, mais que tudo, na atmosfera napolitana, por tantas palavras, dialetos e tiques faciais. Gennaro Savastano foi personagem central nas cinco temporadas da mais aclamada série sobre criminalidade e máfia dos últimos anos, inspirada no livro que embalou vendas mas roubou o sossego a Roberto Saviano, protagonizando alianças e guerras de poder com Ciro de Marzio “Imortal” em Scampia e Secondigliano, os problemáticos bairros da emblemática cidade do sul de Itália. Adepto reconhecido, abraçou o êxtase pela consagração do scudetto, 33 anos depois de Maradona ativar essa proeza e guiar a equipa pela felicidade eterna.
Protagonista de “Gomorra”, série que correu mundo com impacto brutal, aborda todas as idiossincrasias napolitanas
Com o Braga a viajar até Nápoles para definir o seu rumo europeu, esta terça-feira, ouvimos Salvatore Esposito, que se viu envolto num destaque galopante, recrutado mesmo para entrar na quarta temporada de “Fargo”. Tremendamente acessível, este feroz napolitano deixa o cartão de visita bem transparente.
“A minha paixão por Nápoles e pelo Nápoles é enorme. É uma emoção sem paralelo ver a equipa vencer, a ligação é visceral, as minhas raízes são essas e estarão comigo até ao fim dos meus dias”, argumenta, venerando o ambiente que invadiu a cidade, sorrisos sem fim, uma onda delirante, incomensurável desfile de tributos, tantos heróis e até endeusamentos coloridos, de prédios e casas cobertos de azul. “Foi uma emoção grandíssima, que ainda está presente. Do final da época passada ao início desta era algo esmagador, incrível. Turistas de todo o planeta vieram testemunhar este espetáculo único, feito do amor por uma equipa que não vencia há 33 anos. Não queremos esperar tanto pelo próximo”, avisa, escalpelizando um carrossel desarmante de situações, entre a morte de Diego, o rebatismo do estádio e o título tão sonhado.
Salvatore Esposito é um rosto famoso da paixão pelo Nápoles, viveu o título muito próximo de De Laurentiis e Luciano Spalletti
“Para qualquer napolitano, a sua morte foi o equivalente a perdermos alguém próximo da nossa família. O que ele fez por nós é algo gravado na história do futebol, estará para sempre nos nossos corações. Cometeu erros, mas só ele pagou por eles. É um orgulho que o estádio carregue o seu nome”, confessa, privilegiado pelo contacto com El Pibe. “Encontrei-me com Diego, nunca poderei esquecer. Conhecemo-nos no San Paolo para tributar os 30 anos do título. Deu-se esta possibilidade e ele aceitou conhecer-me porque era grande fã de ‘Gomorra’. Foi fantástico, cumprimentou-me com muito carinho, contou-me tanta coisa que prefiro manter entre mim e ele. Esse encontro mudou a minha vida”, desabafa Esposito, nascido em 1986, quando Maradona assinava a primeira obra fascinante.
“Nápoles é Careca e Maradona, Hamsik, Lavezzi e Cavani, Insigne e Mertens. Mário Rui também fez muito por nós”
“Nápoles é para mim Maradona e Careca, Cavani, Hamsik e Lavezzi, Insigne e Mertens. E o último herói é Osimhen. São representativos e fizeram-nos andar para a frente, apaixonaram-nos! Na verdade, esta paixão tem o nome De Laurentiis, o Nápoles viveu dificuldades e foi virando a página nos últimos 15 anos. O presidente tem sido o melhor da nossa história”, destaca. “Foi incrível o que fez, estou orgulhoso e temos um belo relacionamento. Encontramo-nos com frequência e convida-me expressamente a ir ao centro de treinos de Castel Volturno ou ao estádio. Também tinha uma relação próxima com Spalletti”, informa o ator, também radiante com o compromisso do português Mário Rui. “É um ótimo jogador da nossa equipa. Digo mesmo que é um craque, já fez muito pelo Nápoles e sei que continuará muito dedicado à nossa camisola.”
Salvatore Esposito, ator de “Gomorra”:
Cidade com luz e escuridão
Cinco temporadas, 58 episódios, milhões de seguidores pelo mundo, “Gomorra” desfia o crime nas ruas de Nápoles com lutas pelo domínio do negócio entre clãs. “Genny” está sempre presente, primeiro como filho de Pietro Savastano, o patriarca da família, depois como seu sucessor num emaranhado de circunstâncias que lhe moldam a apetência para comandar.
Salvatore Esposito entrega-nos a sua visão de Nápoles, a sua evolução desde o retrato implicado em “Gomorra” até hoje, não havendo aproximações ao que inspirou tanto cinema.
“O meu papel como Gennaro deixa-me agradecido a quem confiou em mim. Mudou radicalmente a minha vida e mudou a forma como sou visto. De uma forma positiva, pois entrei na casa de milhões de pessoas em Itália e por todo o mundo. Tem sido e continuará a ser um motivo de orgulho. Até em Lisboa!”, expressa o ator de 37 anos, fazendo-nos ver Nápoles com olhar distante ao foco da trama de “Gomorra” e a anos sanguinários.
Esposito partilha o encanto pela projeção ganha com “Gomorra” e retira peso criminal à Nápoles de hoje
“É uma cidade como todas as grandes metrópoles, tem as suas zonas mais escuras, mas também a sua luz. O nosso grande músico Pino Daniele descreveu-a como a cidade das mil cores. Tem as suas nuances, a sua beleza, hospitalidade, musicalidade, ao mesmo tempo que tem um lado mais cinzento, de pobreza e ignorância pela falta de interesse político e de Estado. É algo que provoca dificuldades e criminalidade. Um problema comum ao mundo inteiro”, salienta, desmistificando a imagem antiquada de banhos de sangue nas ruas. E, subtilmente, uma alusão a “Rabo de Peixe”, a saga da cocaína derramada nos Açores, tempestade de crime e morte, por viciação, na piscatória terra açoriana.
“As pessoas já não associam o crime ao que encontram na cidade”
“’Gomorra’ leva-nos por uma dinâmica criminosa muito conhecida. Em Portugal também haverá níveis de criminalidade e violência elevados em alguns contextos ou zonas. Vi uma série muito boa na Netflix que faz essa incursão. ‘Gomorra’ faz esse apanhado do que aconteceu em Nápoles, sendo, porém, um retrato mais conhecido do mundo. O turismo que temos na cidade demonstra-nos que as pessoas que nos visitam já não associam de forma alguma o crime na série ao que podem encontrar agora.”
Orgulho do produto artístico
No que se refere ao enredo da série, tudo gira em redor das guerras de clãs, de alianças, do peso das famílias e das vinganças. O futebol do Nápoles, apesar de pormenores subtis, e apesar da ligação adjacente ao sucesso do clube ter acompanhado anos de forte Camorra, sendo Maradona refém de muitos desses protagonistas no assalto à cadeia de poder, não chega a ter enquadramento na série.
Ator napolitano explica a razão de a série se ter afastado de ligações futebolísticas
“Não é um tema predominante. Maradona será sempre lembrado e, exclusivamente, pelo futebol. O resto não interessa, os erros cometidos foi ele que os pagou. A série não procurou contar nada, nem se preocupou com o futebol”, explica. “Não havia contexto para grandes menções, não havia espaço, talvez só mesmo na primeira temporada existiram cenas onde se fala sobre o Nápoles”, afirma, orgulhoso dessa cumplicidade que a série revela na extensão do dialeto e das raízes do elenco.
“Essa conexão entre napolitanos, atores e adeptos, só fez bem. A língua foi um passo à frente e temos em ‘Gomorra’ um produto artístico que nos deve orgulhar em toda a parte”, evidencia Esposito, puro ADN napolitano.