Uma das histórias míticas de Pagani, o homem que atravessa a história do Louletano de 1987 até hoje. Foi patrão da defesa 15 épocas, secretário técnico e hoje, aos 62 anos, é diretor-desportivo. Como jogador do Santos conheceu craques e Pelé
Corpo do artigo
Uma vida de incondicional amor, coração conquistado à primeira vista, arrebatado ao primeiro ano em Portugal. O antigo central, Gilson Pagani, confunde-se com as memórias de quem torce pelo Louletano desde os anos 80, quando o defesa, que havia militado no Santos, chegou ao Algarve, vindo do Remo. Como jogador fez quinze épocas em Loulé, tiro de partida em 87/88, seguindo como secretário-técnico e diretor-desportivo, cargo atual, nas últimas 23 temporadas. Nome incontornável, sempre uma peça nuclear no campo e basilar na mística...nunca desistindo do Louletano, mesmo que os melhores anos em termos competitivos e de visibilidade tenham sido os primeiros. Nas quedas e nas crises nunca saltou fora do barco. O Campeonato de Portugal é, mais uma vez, o escalão a deixar para trás, na busca de uma almofada condizente com os pergaminhos e com o orgulho local.
"Falar do Louletano deixa-me emocionado por uma relação maravilhosa de muitos anos, que vem de 1987. Fui recebido de braços abertos pela cidade, tratado como um filho. Amor sem igual. Sou mais que um filho e fiz tudo para deixar um legado para os mais jovens. Se trabalhas e és honesto, o futebol é a melhor coisa do mundo", afirma Pagani, 62 anos.
"Quando eu cheguei era, realmente, um Louletano numa fase bem positiva, tinha subido à 2ª Divisão, mais uma subida e era a Primeira. Era uma equipa internacional, lembro a nossa participação vitoriosa num torneio em Angola, com Cajuda a treinador. Foram quatro anos maravilhosos, apostando nessa promoção, que falhou uma época por um ponto. Foi o pior, uma apreensão grande, porque sempre tinha jogado na 1ª Divisão do Brasil. Sabíamos que tínhamos essa capacidade, algo que permanece nos dias de hoje, porque o Louletano é um monstro adormecido. O futebol, felizmente, não tem essa matemática exata de quem é superior alcançar o que quer", situa o antigo defensor.
"Não sou homem de lembrar coisas menos boas, mas quando se deu a queda na 3ª Divisão, senti muito, pois o panorama transformou-se completamente porque a 2ª era uma vitrina, os jogos passavam na televisão, nem que fossem resumos. Quase deu para subir no ano imediato, mas novamente por um ponto ficamos sem o objetivo. No fundo foi um golpe muito forte", recorda Pagani, saltando aos dias de hoje com o Louletano ainda amarrado onde não pertence.
"São cinco anos já com uma nova administração, temos um excelente investidor, estamos a montar um plantel com muita ambição mas pés no chão. Queremos o patamar maior que é o melhor para todos", avisa. "É triste estarmos neste escalão, mas nunca desanimados. O verdadeiro guerreiro é o que cai e levanta, não tenho dúvidas que o Louletano é esse guerreiro, que se vai levantar, reencontrar o auge e vencer", exalta o brasileiro mais algarvio de Loulé.
As recordações ainda se misturam com gracejos...pelo difícil encaixe inicial. "Cheguei muito magrinho e apanhei um treinador interessante, o Manuel Oliveira, Manuel do Ó. Taticamente sabia muito, mas era incrivelmente nervoso, levava tudo à letra. Teve um impacto tremendo, eu vinha habituado a um tratamento muito diferenciado no Santos. E o Manuel saía do normal, era duro e ríspido, chamava de estúpido para cima", explana, concretizando um exemplo do choque na época.
"Uma coisa engraçada deu-se no Vale do Lobo, um jogo contra o Marco que estava aí a estagiar. Ficou 5-0, no final ele agarrou-me o braço e elogiou-me à sua maneira. 'Não sei como jogas futebol, como aguentas a bola, és tão magrinho. Pensava que tinhas vindo cá só para comprar uma bola'. Depois dessa intervenção disseram-me logo que era uma raridade o homem elogiar alguém", invoca Pagani, assaltado pouco depois pelo lado mais intempestivo do técnico.
"Uns dias depois com o Alverca, jogo em campo pelado, nós a vencermos 1-0, eles empatam quando faltam dez minutos. Pouco depois a bola vai parar ao nosso banco de suplentes, eu disparo a correr, ele vê-me e chama-me estúpido - 'quem falou que você era jogador'. Assim, quarta-feira era o melhor, domingo o pior, mas, apesar de tudo, desse temperamento explosivo, ficamos bons amigos", enaltece, recuperando outra vivência desconcertante, proporcionada por outro querido personagem.
"Lembro-me do falecido Mário Nunes, em que vivemos uma época muito boa no Louletano. Entretanto, o Amadora tinha feito grande equipa para subir, tinha Jesualdo, tinha Chalana. Mas o Jesualdo sai no início da época. O Mário Nunes reúne o plantel e diz-nos que tem convite do Estrela. Começa por dizer que recebeu uma proposta irrecusável, que o Louletano não a pode bater e que deve partir, por ser algo muito bom. Faz uma pausa e logo completa "falei com a minha esposa e sempre lhe disse que gosto dos piores e os piores são vocês. Por isso decidi ficar". Nem dá para imaginar a risada disso tudo, o moral que ficou", brinca Pagani.
Os banhos gelados de Serginho Chulapa e o sono de Chico Formiga
O antigo central viveu o deslumbramento de uma casa pejadas de referências, chegando a Portugal com uma aprendizagem poderosa no Santos, lidando com muitas estrelas no início dos oitentas. "Eu cheguei vindo do Democrata Valadares, isso comparando ao Santos era um pingo. Havia sete canais de televisão, inúmeros meios na minha apresentação. Dava vontade de fugir mas o presidente segurou-me na sala. Era hora de saber enfrentar a imprensa. Aprendia-se tudo ali, era uma faculdade, vivíamos com a crítica e o elogio. Claro que nas derrotas havia muita confusão mas faz parte num grande", confessa, entrando num carrossel de fartas memórias. "Joguei com gente famosa. Em 1982 no Mundial de Espanha o Brasil apresentou uma das melhores seleções da história. Eu acabado de chegar do Democrata Valadares apanhei-me ao lado de Rodolfo Rodríguez, Serginho ou Paulo Isidoro. Passado 15 dias conheço Pelé que entra no balneário. Incrível!", reporta Pagani.
"Conheci a Europa e a África, tornei-me profissional, defrontei os melhores. Andava deslumbrado, foi uma experiência maravilhosa na minha vida", conta. "Uma história ótima vem com Serginho Chulapa, um dos maiores ídolos, que era uma pessoa sensacional. Era uma época de um gel para o cabelo que estava ganhando muita promoção e ele comprou logo. Tínhamos um balneário gigantesco com piscina, jacuzzi, sauna, grandes banheiras. Ele conduzia muita gente à piscina e pregava nos mais jovens um banho de água gelada com um balde. Nós, então, decidimos dar o troco, fomos buscar o seu gel e vertemos na sapatilha dele. Ao voltar do banho ele sentia algo errado mas queria dar a entender que nada estava a acontecer. Todo o mundo olhava, ele coloca o segundo pé e ficou tolo. Correu atrás de todos, até me deu uma cãibra na barriga de correr e fugir", recorda Pagani, também treinado pelo lendário Chico Formiga, das figuras mais notáveis do Santos.
"Era um paizão, tinha uns 68 anos. Era um ídolo pelo que jogara e tinha como treinador conquistado o Paulista em 1984. Fomos vice-campeões brasileiros. Nunca o vira gritar, não saáa do sério. Tinha muitas histórias de Pelé. Mas dá-se um jogo contra o América na casa emprestada do Vasco, São Januário. Nada importava, classificações definidas e o jogo torna-se muito monótono. Um repórter da Globo vê o Chico cochilando que se vira para ele e faz uma intervenção na rádio que 'jogo está tão morto que o treinador parece estar dormindo'. Ao ouvir ele deu uma reprimenda enorme no repórter e também foi uma risada geral", confidencia.