Liga 3 arranca em 2021/22: uma prova com controlo exigente e só para cumpridores
Oito anos depois da extinção da III Divisão, Portugal vai voltar a ter quatro escalões nacionais. Mas a intenção da FPF é que nada seja como dantes. Quem quiser aceder à Liga 3 terá que passar por um controlo semelhante ao dos clubes profissionais da Liga NOS e Liga SABSEG. Não se pode dever nada a ninguém e há castigos para os incumpridores
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Já não falta muito para que o futebol português volte a ter quatro escalões nacionais, o que acontecerá na próxima temporada. O panorama mudou quando em 2012/13 a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) extinguiu a III Divisão e à Liga NOS e Liga SABSEG juntou-se o Campeonato de Portugal (CdP), a nova designação da antiga II Divisão B/II Divisão.
Jogadores terão que receber, pelo menos, um salário mínimo e meio. Prova preparará os emblemas para o profissionalismo
No entanto, uma série de fatores levaram a FPF a repensar a estrutura. A vontade dos clubes de ver criado mais um escalão cresceu e o órgão federativo apresentou a Liga 3, em setembro do ano passado que, como o nome indica, será a divisão intermédia entre Liga SABSEG e o CdP, assente em "três eixos fundamentais: preparar os clubes para a Liga SABSEG, criar espaço de desenvolvimento para jogadores jovens portugueses e promover o equilíbrio financeiro dos clubes".
E é precisamente neste último ponto que a FPF não tem intenções de facilitar nem de repetir cenários de salários em atraso, abandonos de jogadores ou, inclusive, fome e condições desumanas verificadas, nos últimos anos, no CdP, já apelidado de "esgoto do desporto" por Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores.
Se de momento são vários os emblemas que ainda lutam, nas respetivas séries do CdP, pelo apuramento para a fase de acesso à Liga 3, preencher todos os requisitos de inscrição pode ser tão complicado como conseguir a subida dentro de campo, mas só para quem não é cumpridor. Assente em três princípios fundamentais - transparência, acesso à competição e controlos financeiros, a realizar durante as temporadas -, a FPF vai procurar, ao máximo, que na Liga 3 não se repitam as sucessivas épocas de incumprimento de emblemas como AD Oliveirense ou Fátima, cujas SAD se extinguiram, entretanto.
As equipas que pretendem subir à Liga 3 já tiveram que apresentar o pedido de licenciamento, cujo prazo terminou a 1 de março, e nele incluíram, desde logo, uma declaração de inexistência de dívidas, emitida pelo clube e certificada por um revisor oficial de contas, mas também que os jogadores não recorreram ao fundo de garantia salarial no ano anterior ou, se o fizeram, o clube teve de provar ter liquidado ou estar a liquidar as dívidas junto do Sindicato.
Além do mais, a Liga 3 será uma prova praticamente profissional. A FPF acordou com o Sindicato que os contratos terão remunerações de um salário mínimo e meio. Quem não pagar a jogadores ou treinadores, incorre numa multa entre 102 e 1020 euros e quem recorrer ao fundo de regularização salarial é sancionado com a perda de 1 a 3 pontos e impedimento de registo de agentes desportivos. Não menos importante será o parâmetro da transparência. A FPF quer evitar casos como as ligações familiares entre as SAD de Pinhalnovense e Olímpico de Montijo, que em 2019 eram detidas, respetivamente, pelo chinês Qui Chen e a esposa Mia Chunyan.
Joaquim Evangelista afirma que a Liga 3 merece "a aprovação" por parte do Sindicato até porque "muitas das medidas" de controlo implementadas pela FPF foram "sugeridas" pelo sindicato. Admitindo que "ainda não há condições" para a Liga 3 ser profissional, o sindicalista considera "desejável" que a maior parte dos clubes "faça contratos de trabalho" com os jogadores beneficiando, por exemplo, "de um regime mais vantajoso" e que o profissionalismo é o trajeto para "onde se deve caminhar".
Clubes aplaudem, mas há reticências
Montalegre (série A), Benfica e Castelo Branco (E) e Olhanense (H) são três clubes já apurados para a fase de acesso à Liga 3. Os presidentes Paulo Viage, Jorge Neves e Luís Torres assumem o desejo de subir, mas as opiniões divergem entre a euforia e as dúvidas quanto às receitas que dali poderão vir. Paulo Viage assegura que o Montalegre já está preparado para um aumento de orçamento, decorrente da imposição de salário mínimo e meio a pagar, mas mostra-se preparado.
"Estamos a contar com isso. Temos vindo a planear esse cenário, até porque se não subirmos será quase uma descida, e estamos precavidos. Contamos, também, ter alguma receita das transmissões televisivas", refere. Esta é uma das muitas incertezas de Jorge Neves. "Haverá direitos de TV ou outro tipo de apoios? Não sabemos e estamos na expectativa. Como princípio, este manual de licenciamento criado pela FPF parece-me bem e é bom que haja uma responsabilização dos dirigentes", opina. Luís Torres espera "mais interesse" de patrocinadores, direitos televisivos, e promoção dos jogadores até porque o mercado de clubes passa "de 96 para 24 equipas" e a esta premissa alia a "maior profissionalização" da prova.
E o Campeonato de Portugal, passando a quarto escalão do futebol nacional, ficará ainda mais exposto a incumprimentos? José Couceiro, diretor técnico nacional, respondeu, apenas, que "a integridade da competição continuará a ser um aspeto sempre presente". Joaquim Evangelista sublinha que está a ser resolvido "metade do problema" e que a outra metade terá que ser "objetivo de responsabilização". "O organizador e os agentes têm que introduzir regras", adverte. Só esta temporada, o Aves SAD foi desclassificado na série B por nem sequer ter jogadores, o GRAP (série E) fez onze jogos e desistiu por dificuldades financeiras e o Armacenenses (série H) abandonou a prova antes desta começar.
Melhores do CdP estreiam a competição
Os dois despromovidos da Liga SABSEG e 22 equipas provenientes do Campeonato de Portugal disputam a prova. Prestes a terminar a fase regular, já há muitas equipas com presença certa na fase de subida
Na época 2021/22 estreia a Liga 3. De um terceiro escalão onde participavam, esta época, 96 equipas - o Campeonato de Portugal -, passa-se para um novo, reduzido a 24 clubes. E quem irá participar na Liga 3? Garantidamente, os oito clubes que terminarem as séries do CdP na liderança terão lugar. Dois deles vão subir ao segundo escalão, e os restantes seis ficam na Liga 3, sendo que a estes somam-se os dois despromovidos da Liga SABSEG. Com oito equipas já certas, falta perceber como serão encontradas as outras 16. E é fácil de explicar: os clubes que finalizarem entre o 2.º e o 5.º lugares de cada uma das séries do CdP vão jogar uma fase de acesso à Liga 3, dividida em oito grupos de quatro equipas. Os dois primeiros classificados de cada grupo sobem para a terceira liga e os dois últimos "regressam" ao CdP.
Braga B e U. Leiria... por agora
Braga B e U. Leiria são os únicos emblemas que já garantiram os primeiros lugares das respetivas séries, o que significa que vão disputar o acesso à Liga SABSEG. Mesmo que não consigam essa subida, têm presença certa na Liga 3. Na Série A, Merelinense, Mirandela, Montalegre e Maria da Fonte vão tentar a subida à Liga 3. Na Série B, Pevidém e Fafe discutem o primeiro lugar (o 2.º disputa o apuramento para a Liga 3); Gondomar, Leça e Trofense ainda podem vencer o agrupamento C e o Marítimo B garantiu um lugar nesta fase. Na série D, Anadia, Lourosa e Canelas jogam a liderança e as outras tentarão a Liga 3.
Benfica e Castelo Branco e Oliveira do Hospital (Série E) também têm bilhete para a etapa de promoção à nova prova. Mais a sul, Torreense e Alverca discutem o topo e o União de Santarém vai jogar o apuramento para o terceiro escalão; No agrupamento G, Estrela da Amadora e Sporting B também asseguraram esta fase, mas uma delas vai ficar em primeiro lugar. Por fim, V. Setúbal e Amora ainda podem vencer a Série H e Louletano e Olhanense já têm lugar na fase de acesso à Liga 3.
3 QUESTÕES A JOSÉ COUCEIRO, DIRETOR TÉCNICO NACIONAL DA FPF
1 - Qual é o feedback que tem recebido dos clubes em relação ao formato da Liga 3 e aos requisitos para se aceder à prova?
-Muito positivo. Todos os clubes percebem que, por um lado este é um espaço de maior exigência para que dessa forma possam estar melhor preparados para a competição profissional e que, por outro lado, a criação de uma competição mais equilibrada vai permitir a valorização dos seus intervenientes.
2 - Quais as consequências para um clube que falhe o controlo financeiro a meio da temporada?
-O não cumprimento atempado da obrigação de entrega dos documentos constitui infração disciplinar, sancionada nos termos do Regulamento Disciplinar.
3 - Um cenário em que clubes desistem da competição por problemas financeiros não acontecerá na Liga 3, como aconteceu a Armacenenses, GRAP e Fátima SAD no Campeonato de Portugal, e neste o controlo também será apertado?
-Atendendo ao processo de licenciamento a que os clubes estão sujeitos, não creio que seja uma possibilidade, mas em todas as competições essas situações podem acontecer. Quanto ao Campeonato de Portugal, a integridade da competição continuará a ser um aspeto sempre presente.