Jorge Mendonça: o primeiro leão de Madrid que quase levou Eusébio para o Atlético
Fez mais de 200 jogos pelo "Atleti", defrontou Puskás, Di Stéfano e faz parte das maiores lendas do clube que o acolheu por nove temporadas. O JOGO tropeçou num baú e encontrou futebol do puro.
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"É aquele que consideramos, em potencial, a mais extraordinária figura do futebol português." O excerto é retirado da notícia "Jorge Mendonça - um espetáculo" publicada pelo "Diário de Lisboa" em meados de 1955. Falava de um "mestre da execução", "um estratega", "um jogador que pouco já aprenderá, pois tudo ele sabe". Perdoem-nos - a nós O JOGO - estarmos a utilizar palavras de outros, mas queremos que perceba bem quem é o nosso protagonista, hoje um senhor no alto dos sábios 79 anos, que reside em Madrid, cidade que o aprendeu a amar por ter feito mais do que 200 jogos com a camisola do Atlético. Jorge Mendonça, o primeiro português a dar cartas no estrangeiro, era avançado, foi campeão de juniores pelo Sporting, em 1955/56, mas a vida levou-o para outras paragens; Jorge Mendoza (impuseram-lhe a mudança de nome quando passou a ter nacionalidade espanhola) é um baú onde se guarda o futebol mais puro e que nos concedeu o privilégio de se abrir em vésperas do confronto entre dois dos seus maiores amores.
"Nasci em Luanda e vim para Portugal com 11 anos. O meu pai sempre foi um homem do futebol, fundador do Sporting de Luanda, e o facto de, na altura, ter um problema grave e quase incurável no joelho direito - que contraí a fugir da minha mãe, pois fazia muitas travessuras - levou-me a ser operado pelo doutor Rêgo, então médico do Sporting. Curei-me, fiquei um ano sem tocar na bola, mas tinha tanta qualidade que acabei por integrar os então infantis do Sporting. Foi ali que me tornei campeão de juniores até que o treinador da equipa principal, um argentino [Abel Picabea], queria que eu e o meu irmão Fernando fizéssemos parte de uma linha atacante renovada, com Miltinho e Imbelloni, pois dos Cinco Violinos que restavam, tinha de cair o Vasques e recuar-se o Travassos." Mas... e não ficou porquê? "Eu era o futuro do Sporting, mas o meu pai, João, não se entendeu com o Sporting. Fui para o Braga, onde concretizei o sonho de jogar com os meus irmãos Fernando e João, até que, através de um familiar, também ligado ao futebol, surgiu a oportunidade de jogar no Deportivo. Ajudámos a que não descessem para a terceira divisão e os jornais espanhóis começaram a falar de mim. Eis que, em 1958, chega a proposta do Atlético: falei com o meu pai e aceitei ir para um dos maiores clubes que conheci."
Jogou contra Puskás, contra Di Stéfano viu um tal de Luis Aragonés tornar-se uma referência na história dos colchoneros, mas uma das histórias que mais o marcou foi... com o rei Pelé. "Antes do Suécia"1958, a Imprensa de Madrid organizou um jogo particular de preparação para o Mundial entre o Atlético e o Brasil de Pelé. Lembro-me que me comparavam a ele - se bem que hoje em dia eu fosse mais algo do estilo de Neymar [risos]. A verdade é que o Pelé se virou para mim no final e disse: "És o melhor!" Era tão bom que em 1966, Vicente Calderón, então presidente do Atlético, o chamou a sua casa. À porta, encontrou o Barcelona e num ápice passou para outro grande do país. Ali, faz três épocas e termina a carreira no Maiorca. A carreira... como futebolista, pois a vontade de ajudar tudo e todos levou-o a tirar o curso de Medicina, em França. Foi embaixador de Angola em Madrid durante 14 anos e há seis meses regressou precisamente de Luanda, onde continuou a dar asas ao seu lado mais humano. Já agora, para acabar, e Sporting? Afinal, foi o que nos trouxe ao seu encontro... "Sou e serei sempre lagarto, mas também não posso esquecer o Atlético." Puro e sincero, como as suas histórias, admite conhecer "Jesus e pouco mais". Que seja, então, "um grande jogo", pois o senhor Mendonça estará na primeira fila. Aliás, como esteve sempre em toda a sua vida.
Negociou Eusébio para ser... rojiblanco
Prometemos... e cumprimos. Jorge Mendonça está cheio de histórias para contar. Mais tempo tivéssemos, mais "bola" teríamos levado na memória. Ficam as principais, como a que tem Eusébio como protagonista. A maior figura do futebol do Benfica esteve, segundo a nossa "estrela", com pé e meio no Atlético de Madrid: insatisfeito, pediu ao amigo Jorge para negociar a sua mudança, mas à última hora, a águia... disse que não.
"O Eusébio esteve muito perto de vir para o Atlético de Madrid. Ninguém sabe disto. Naquela altura, na década de 1960, teve um problema grande com o Benfica; questões contratuais. Ficou muito zangado e disse-me: "Jorge, quero ir para o Atlético, vê lá como podemos arranjar isso. Guarda, é segredo, não digas absolutamente nada." Tratei de tudo, mas estamos a falar do Eusébio, uma pessoa que era impetuosa. Quando disse ao Benfica que tinha essa possibilidade, não o deixaram vir...", revelou o leão de Madrid, que ao longo dos anos sempre foi mantendo contacto com o saudoso King, um "amigo".
E já se questionou: se Mendonça era, de facto, tão bom, porque nunca brilhou em Portugal e, mais importante ainda, por Portugal? Como nos contou, quis "fazer carreira em Espanha" e se regressasse a Portugal... teria obrigatoriamente de cumprir serviço militar - o objetivo era dar pontapés na bola...
"Não podia voltar a Portugal: se o fizesse, teria de fazer o serviço militar. Caso contrário, teriam ouvido falar de mim como internacional português, que mesmo assim sou, apesar de ter feito apenas um ou outro particular, um deles, curiosamente, contra Espanha."
Com nacionalidade espanhola desde o início da década de 1960, Mendonça foi na mesma grande, ao ponto de ter sido considerado um dos 10 melhores estrangeiros da história do Atlético. E foi também por isso que os colchoneros o convidaram para o último jogo não oficial a que o Vicente Calderón assistiu, entre uma equipa de lendas do clube e outra do futebol em geral. Jorge não faltou.