Fábio Januário foi jogador do Gil Vicente e Belenenses, fala de Carvalhal e Jesus, reconhece erros em Portugal mas virou ídolo eterno no futebol iraniano
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Entre 2003 e 2005 Fábio Januário é um brasileiro de bom recorte que passa por Portugal, dando nas vistas no Gil Vicente e atuando ainda no Belenenses, até que um convite do Irão o retirou precocemente da rota europeia, aventurando-se numa realidade pouco comum na época, mas que acabou por ser a aposta de uma vida, já que foi lá que o criativo se fez uma das maiores lendas do futebol iraniano, abraçando máxima reputação e muitos títulos entre Foolad, Esteghlal e Sepahan. Recuado à chegada a Barcelos, proveniente do Colatina, Januário rapidamente encaixou num balneário que combinava almas fortes.
"Portugal foi uma fase bonita da minha vida, até porque tinha esse desejo de conhecer a Europa e entrar no mercado. Já tinha muitas referências na Liga Portuguesa e sabia que ia encarar uma prova de alto nível. Foi um impacto enorme, tinha 21 ou 22 anos. Fiquei logo muito empolgado", admite. "Só depois entendi a minha imaturidade, apanhei uma equipa muito rodada com Paulo Jorge, Casquilha, Nunes, Gaspar, Paulo Alves, homens que controlavam o balneário, autênticos líderes. Tive altos e baixos também em função de mudanças de treinadores, de Mário Reis para Luís Campos. No segundo ano consigo melhor sequência de jogos já com Ulisses Morais mas fui atrapalhado por lesões. Sempre que me levantava, caía de novo, isso foi ruim", confessa Fábio Januário. "O ambiente era saudável e competitivo, fui tendo uma aprendizagem fantástica. A equipa acusou a pressão na segunda época, criou-se uma ideia de objetivos maiores, chega o central Júlio César. Mas tínhamos limitações e só Ulisses é que conseguiu dar cara nova à equipa", recorda. "Gaspar era o mais extrovertido, trazia muita alegria, motivava, Paulo Alves e Nunes eram mais sérios, Casquilha meio tom, tal como Nandinho. Faziam-se muitas partidas e brincadeiras ao técnico dos equipamentos", lembra, não passando ao lado da fama que granjeavam Nunes e Gaspar. "O sistema defensivo era relevante, de centrais imponentes, fosse pela estatura ou experiência ou até liderança. Atrás estávamos muito bem servidos. Gaspar sabia brincar e ser sério", reforça, admitindo que não conseguiu vingar ou voar por culpa própria.
"Gostaria de ter feito mais, pois sabia que podia ter produzido mais. Deixei a desejar algumas vezes, tinha potencial para fazer melhor. Limitei-me um pouco, fiz jogos muito bons mas houve sempre alguma irregularidade. Depois com uma ou outra lesão era difícil. No Belenenses também não joguei na minha posição, senti problemas de adaptação", acusa, fazendo um balanço das lideranças com que lidou em Barcelos. "Joguei no meu lugar de início com Mário Reis, sentia-me confortável. Luís Campos moveu-me do meu lugar, Ulisses foi ótimo mas não tive o sucesso que desejava. Não me posso queixar que não me souberam utilizar. Faltou algo a mim, o nível de informação que temos hoje do que é correto fazer, não tínhamos nada, na altura", explica, exemplificando detalhes que fugiram do controlo. "Hoje não faltam conselhos sobre dormir, cuidar dos hábitos, antes pensavas que fazias uma boa alimentação, mas não! Era o correto mas faltava o ideal para te levar mais longe. Antes tinha noções, agora tenho clareza e alimento-me melhor do que fazia como atleta. Mantenho uma vida ligada ao desporto, seja em corridas de obstáculos, crossfit ou triatlo. Vou competindo, gerindo alimentação, sono e uma vida profissional", confidencia, incrédulo nos pecados que cometia em Portugal. "Treinava de tarde e por vezes não fazia pequeno-almoço, levantava-me quase na hora do almoço. Hoje faria treino de flexibilidade em casa, fortalecimento isométrico, coisas que se fazem sem treinar. Barcelos também nos fazia comer, recordo o arroz de pato, bacalhau à brás. Que saudade imensa! Quero voltar para passear, dar uma olhadela nos lugares que vivi."
"Jesus não gostava de mim mas fez-me chegar no auge fístico e técnico ao Irão"
Entre as memórias que mais sobem à cabeça, folheando as páginas desse livro aberto em Portugal, Fábio Januário vai ao encontro dos golos mais vistosos, envolvidos por algum tipo de elã. "Assinei um golo pelo Gil Vicente que foi votado para melhor da jornada. Ficou em segundo, um remate de longe contra o Nacional. Também tive um golo que me marcou muito, frente ao Marítimo, no Adelino Ribeiro Novo. Vitória por 2-1, fiz o segundo, e foi uma grande alegria. Lembro ainda as celebrações do Gaspar no balneário, porque era uma vitória muito necessária. Deu para respirar e conseguimos arrancar para postos mais tranquilos", desvenda, reconhecendo o poder do FC Porto naqueles anos.
"Tinha uma equipa fantástica, Deco, Maniche, Costinha, era um período muito forte deles e era um deleite vê-los jogar. Também foi uma honra defrontá-los, pois foram campeões da Europa. Era uma fase perfeita, tudo funcionava, mas nós conseguimos uma vitória por 2-0, em Guimarães, com golos do Gaspar e Luís Coentrão. Por falar no Luís era outra figura bem engraçada", precisa o antigo extremo, viajando também à passagem pelo Restelo. De Carvalhal a Jesus.
"O Belenenses seria um degrau acima, uma cidade melhor, um clube mais estruturado. Era uma equipa muito forte no primeiro ano com Carvalhal a treinador. Estavam almejando posição nos cinco primeiros. Tínhamos Pelé, Rúben Amorim, Silas, Zé Pedro, Amaral. No papel era uma equipa ótima, no campo os resultados não apareceram, a equipa não engrenou. Fizemos pré-epoca muito boa em Florença, eu estava conquistando o meu espaço, entrei como titular no campeonato até um jogo com o Boavista em que sofri uma pancada abaixo do olho. Volto a jogar já só com José Couceiro, fiz dois ou três jogos, caí de rendimento, não me encontrei mais", observa, agarrando o capítulo seguinte, o Belenenses de Jesus em 2006/07, que terminaria no 5º lugar.
"Apanho Jesus, ele fez uma reformulação grande no balneário, muito enérgico, estilo general. Montou a equipa ideal, eu não jogava e estava numa situação que percebia que dificilmente iria jogar. Fiz um único jogo contra o Amadora. Como vi que não tinha grande opções, surgiu a possibilidade do Irão e aceitei", conta, introduzindo já essa chamada do Foolad. "Estava em final de contrato, desvalorizado, e mesmo sendo um desafio estranho sair da Europa para um campeonato mais desconhecido ou um futebol menos desenvolvido, aceitei. Era jovem, decidia sozinho e vi algo financeiramente muito melhor. Fui embora. Hoje, talvez, não fizesse o mesmo", confessa, ciente que não havia empurrão para a saída. "O presidente, uma grande pessoa, foi fantástico, entendeu tudo, que estava algo perdido, sem jogar. Não podia criticar as opções, a equipa estava bem, o treinador era incrível, fazia a equipa jogar. Ele não me apreciava muito, mas percebi que respeitava. É difícil gostar de todos, se apenas podem jogar 11 em 25", admite Januário, curvando-se ao impacto superior. "Sabia algo mais, aprendi muito com ele e quando cheguei ao Irão, posso dizer que cheguei no auge físico e técnico. Cheguei voando, como se diz, impressionei logo com golos. Isso veio da intensidade dos treinos com Jesus. Jogando dessa forma como jogava no Irão, jogava até no Benfica, não no Belenenses!", considera, desmistificando a ideia de qualquer cruz que um jogador coloca a qualquer treinador que não o brinda de minutos. "Jesus montou a equipa que achava ideal, ele esteve correto, pois teve resultados. Eu não jogava. mas evoluí muito, fez-me enxergar um futebol que não conhecia", atesta.
"Sou o estrangeiro com mais títulos conquistados"
Carregado de títulos nas épocas feitas no Irão, percorrendo históricos como Foolad, Esteghlal e Sepahan, Fábio Januário colecionou distinções de melhor estrangeiro da Liga, sendo ídolo de multidões, sobretudo afetas aos últimos dois clubes. "Fui muito feliz, fiz história, fazendo parte de elencos lendários no Esteghlal e Sepahan. Sou o estrangeiro com mais títulos conquistados, dois em cada um desses clubes. Durante o tempo que estive no futebol iraniano, fui sempre considerado o melhor estrangeiro. O meu nome ainda é citado, é uma história bonita", exorta o antigo criativo brasileiro, que levou a sua carreira no país até aos 33 anos. "Portugal não correu como esperava mas acabei escrevendo história noutro lugar", adianta Januário, tentando afastar os olhares desconfiados sobre o Irão. "Como é um país fechado, politicamente com conflitos que se refletem na sociedade, devo dizer que isso é mais uma visão exterior, dentro não há tanto essa noção da dimensão das confusões políticas ou económicas. Não são só malucos, não é inseguro e as pessoas são amáveis. A hospitalidade é grande,, gostam de receber. Depois a paixão pelo futebol é incrível", atira, admitindo uma escapatória social. "Como há muita coisa controlada, o futebol é escape e entretenimento, é uma febre nacional, conhecem e amam os jogadores. Joga-se lá o maior clássico da Ásia, como mais de 100 mil pessoas no estádio. Eu participei de seis dérbis entre Persepolis e Esteghlal", assinala. "Há gente em todo o lado, rodeiam o estádio à procura de uma vaga. Nem dá para imaginar, o Esteghlal é como o Benfica, tem adeptos em todas as cidades, lembro o que acontecia quando o Benfica jogava em Barcelos. Jogando fora de Teerão tínhamos 50 mil pessoas em estádios de 60 mil", relembra, ainda petrificado. "Marco um golo que dá um título ao Esteghlal, esse momento pôs o meu nome numa dimensão única, só entendi com o tempo. Voltei passado dois anos e tive receção de gala, parecia um sheik árabe. Até me sentia envergonhado, pelo cortejo do aeroporto em carro especial. Era só flores para me receber, milhares de adeptos aguardavam". puxa pela fita, embasbacado por esta singular devoção que mereceu por terras iranianas.
"A primeira coisa é entender onde estás, numa cultura oposta e com uma religião que vira lei social. Entendi a cultura muçulmana, o seu suporte nas leias. Se não entendes tendes a irritar-te o tempo todo. Sentia-me vigiado, parecia que eras controlado, de início tive dificuldades com a alimentação. Foi uma adaptação, uma luta inicial. depois conduzi as coisas", descreve, partindo do início. "No Foolad, bem no interior do Irão, onde comecei por ser treinado por Inácio, vi um processo de reconstrução, os bons modos de civilização estavam a ser instituídos, estavam a recuperar de uma guerra e ainda me deparei com destroços, famílias mais pobres com pouco poder aquisitivo. Mas não se podia exigir mais organização", invoca, medindo salto para a cosmopolita capital. "Tudo mudou em Teerão, o clima principalmente. Já no Sepahan, da cidade de Isfahan, as pessoas eram mais sérias, questões contratuais, burocracias, mobilidade e moradia estava tudo desenhado" sustenta Fábio Januário, recuando ao único incidente que enfrentou. "O mais complexo talvez uma questão de passaporte. Ia sair para visitar a família no Brasil num final de campeonato mas não consegui o documento da renovação do visto de permanência de trabalho. Atrasei-me imenso, não conseguia resolver nada, era como se estivesse preso e isso provocou um desgaste emocional grande. Atrasaram os pagamentos, parecia que me estavam a tratar como mercenário, mas só queria que cumprissem o contrato."
Orgulho por Taremi e Alipour
Sobre o sucesso dos iranianos em Portugal, fenómeno que teve como expoente Taremi e trouxe outros compatriotas para cá, tendo apenas permanecido de forma mais ativa Alipour, a atuar no Gil Vicente, Fábio Januário transmite também a sua cumplicidade, começando por desenvolver o apreço pelo avançado portista, já em contagem decrescente para a sua despedida após quatro épocas no clube. "Chegou aos grandes palcos europeus pelo FC Porto e acompanho com o gosto por ser um jogador de altíssima qualidade. Era desconhecido antes de chegar a Portugal, pelo que o seu sucesso enche-me de alegria. Acho que ainda o apanhei estava ele a iniciar, passou pelo período de amadurecimento quando chegou ao Persepolis. Ganha visibilidade nacional, chega consolidado a Portugal. Hoje é bandeira do país, conseguiu elevar a sua qualidade e vai valorizando o meio onde surgiu. "Destacou-se ano após ano no FC Porto, marcou golos na Champions, é bom saber como transformou a sua história a partir do FC Porto", observa Januário, comparando Taremi a Ali Daei. "É uma lenda como Ali Diaei, capaz de aproximar o povo da seleção. Ali Daei recordo muito bem como um semideus no Iráo, pelos recordes, pelos golos históricos. São jogadores que engrandecem o Irão", avisa o antigo atacante do Gil Vicente, naturalmente admirador de Alipour, já que este confessou várias vezes que tinha o brasileiro como ídolo. A ligação ao Gil Vicente ainda adocica mais a conversa.
"É muito saber que se foi referência para os mais jovens. É um sentimento de gratidão saber que motivava e incentivava outros. Perceber que alguém olhou para o meu potencial e criou esse sentimento de inspiração é muito gratificante, é mais uma vitória na tua carreira. Se alguém te aprecia por performance e postura, que mais podes desejar!", orgulha-se Fábio Januário. "Tenho todo o carinho pelo Alipour, está a fazer a carreira dele, ter sido ídolo no Persepolis já diz tudo da sua qualidade. Compete com os melhores em Portugal, faz golos, preenche o espaço quando é chamado. É um jogador que corresponde", elogia. "Os iranianos conseguiram desmitificar em Portugal a qualidade do jogador asiático, que era visto como mais limitado. Estou ainda satisfeito por ver Alipour bem num lugar onde vivi. Que se realize da forma mais proveitosa possível."